Um cheirinho a sul de França - V - Arles e Toulouse
Com voo marcado para o final da tarde, este foi o dia de fazer muitos quilómetros, tanto de carro como a pé. Em viagem, há que aproveitar até ao fim…
Dia 5
Arles → Toulouse (Total: 324 km)
Na prática ainda só tínhamos visto Arles à noite, por isso estava na altura de conhecer um bocadinho mais da cidade. E lá fomos nós manhã cedo, a pé, meio ao sabor do vento da descoberta.
Um dos artistas mais associados a esta região francesa foi Vincent Van Gogh, que viveu em Arles durante um ano e meio em finais do séc. XIX. Neste período produziu mais de 500 desenhos e pinturas, e entre elas contam-se por exemplo os famosos quadros “O quarto em Arles”, “Noite estrelada” e “O Café Terrace”. Foi também aqui que em Dezembro de 1888, depois de uma discussão com Paul Gauguin, cortou parte de uma orelha e a ofereceu a uma prostituta, após o que foi internado no “hôtel-Dieu”, uma instituição hospitalar religiosa que acabou mais tarde por também imortalizar em pintura. Este hospital funcionou até 1980 e foi depois reabilitado como espaço cultural e universitário com o nome Espace Van Gogh. O pátio interior está concebido para se assemelhar o mais possível ao aspecto que tinha quando Van Gogh o pintou, e o local é por isso constantemente inundado por grupos de turistas em excursões organizadas. Outro dos locais que o pintor também passou à tela foi a Ponte de Trinquetaille, uma das várias pontes que cruzam o Ródano em Arles, e que hoje tem bem menos charme do que na altura em que foi pintada por Van Gogh.
Mas o ex libris de Arles é sem dúvida o seu anfiteatro romano, construído no ano 90 a.C. e que se mantém até hoje em relativo bom estado. Depois da queda do Império Romano foi transformado em fortaleza, com casas e igrejas no seu interior, o que explica as torres de que ainda existem vestígios. Tal como a arena de Nimes, é hoje em dia usado para corridas de touros, espectáculos de música ou dança, teatro, e etc.
Ruínas romanas é algo que não falta por aqui. Mesmo ao lado da arena encontra-se o Teatro Antigo, classificado como Património Mundial pela UNESCO – tal como, de resto, o anfiteatro e as suas torres, a Igreja de Saint Trophime e o seu claustro, a Torre de Roland, e outros cinco monumentos. Saint Trophime fica na Praça da República e tem um portal românico absolutamente fabuloso, adornado com estatuária representativa do Dia do Juízo Final.
Ainda assim, aquilo de que mais gostei em Arles foram as suas ruas com casas em cores muito claras e janelas com portadas de madeira, os nichos com estatuetas votivas suspensos nas esquinas, os detalhes que embelezam as paredes e as portas. Aqui, tudo nos lembra que esta cidade é uma das portas de entrada da Provença.
Os mais de 300 km que separam Arles de Toulouse foram completamente feitos em auto-estrada, com uma obviamente necessária paragem no caminho para comer. A estação de serviço onde parámos fica num sítio muito agradável, na zona de Corbières, e está rodeada de árvores. Viajar de carro em França é fácil (já tinha percebido isso em viagens anteriores e esta minha boa impressão mantém-se); além de terem boas estradas e boa sinalização há muitas comodidades para os viajantes, sobretudo nas estradas nacionais, desde áreas de merendas e descanso com casas-de-banho e instalações para lavar a louça, até parques de campismo em tudo quanto é terrinha (às vezes mais do que um…) e praias fluviais ao virar de cada esquina. No Verão as estradas enchem-se de auto-caravanas e roulottes, e há parques específicos para estes veículos em todo o lado. Nota-se que os franceses gostam de viajar de carro.
Desta vez, no entanto, aquilo que mais me chamou a atenção foram os camionistas, que agem como donos e senhores das auto-estradas. Além de serem às dezenas (centenas?), parecem ter o estranho hábito de gostar de ir aos pares – e aqui pares significa lado-a-lado, ocupando duas das três faixas de rodagem, mesmo quando aparentemente rolam à mesma velocidade que o vizinho do lado. Também não têm qualquer prurido em lançarem-se para a faixa à esquerda de qualquer maneira, por vezes sem sequer fazerem pisca, mesmo que haja algum carro em vias de os ultrapassar – e isto porque vão a (talvez!) mais cinco quilómetros à hora do que o camião que está à frente. Achei esta falta de respeito pelos condutores dos carros no mínimo um bocado estranha, por ser pouco habitual tanto no nosso país como noutros em que tenho viajado (aparte algumas excepções ocasionais de camionistas com mau feitio, claro…).
Mas enfim, apesar de duas ou três travagens mais bruscas no percurso chegámos de boa saúde a Toulouse. Carro estacionado num parque subterrâneo (já aqui falei dos preços absolutamente escandalosos dos parques de estacionamento, mas não há nada a fazer, é tudo pago em todo o lado, e mesmo assim por vezes é difícil encontrar lugar), partimos para mais uma maratona pedonal de exploração daquela que, com quase meio milhão de habitantes, é a quarta maior cidade francesa.
Não sei se já alguma vez vos disse que tenho um verdadeiro fascínio por jardins japoneses, mas se não disse provavelmente já suspeitam desta minha preferência, por causa dos posts sobre o Kyoto Garden e os Kew Gardens, ambos em Londres. Portanto, não é de estranhar que o primeiro sítio que visitámos em Toulouse tenha sido precisamente o Jardim Japonês Pierre-Baudis, que fica no Parque de Compans-Caffarelli.
Está classificado como Jardim Notável pelo Ministério da Cultura francês, e não é sem razão. Com quase 7000 m2, é uma síntese dos jardins japoneses criados entre os sécs. XIV e XVI e composto por todos os elementos característicos desses jardins: composições que evocam os mundos mineral, vegetal e aquático, pontuados por elementos decorativos típicos. Estes cenários desenvolvem-se em torno de um lago onde se debruça um pavilhão de chá aberto, e nem sequer falta uma ponte – bem vermelha, como é tradicional nestes ambientes. O jardim foi criado em 1982 e Pierre Baudis, que era na altura o Presidente da Câmara de Toulouse, foi o seu promotor, razão pela qual lhe deram o seu nome.
Para além deste lindíssimo jardim, os restantes 7 hectares do Parque de Compans-Caffarelli também não são de menosprezar. Tem grandes espaços relvados e pontos de água, imensas árvores e flores, e está muito bem cuidado, por isso não admira que seja um local popular de lazer para quem vive na cidade – naquela tarde de sol tão agradável, o parque estava cheio de gente.
E a bem da verdade, não era só o Parque que tinha muita gente. Toulouse fervilhava de animação por todo o lado, e muito especialmente nas ruas em volta da Praça do Capitólio, o centro nevrálgico da cidade. Nesta praça (que faz lembrar as Plaza Mayor espanholas) situa-se o edifício que lhe dá o nome e que abriga a Câmara Municipal e o Teatro. É enorme, ampla e sem trânsito automóvel; tem esplanadas e bancas de feirantes, um círculo de manifestantes silenciosos (que se junta aqui uma vez por semana em protesto contra os centros de retenção administrativa de imigrantes) e muita vida. No piso tem desenhada, em metal incrustado na pedra, uma cruz occitana com as pontas decoradas com os signos do zodíaco.
No bairro do Capitólio sucedem-se as ruas pedonais, estreitas e ladeadas de prédios antigos com três ou quatro pisos, a maioria deles com lojas no rés-do-chão – um verdadeiro centro comercial à moda antiga, ou seja, ao ar livre.
Toulouse tem também a maior igreja românica conservada da Europa: a Basílica de Saint-Sernin. Desde há muitos séculos ponto de acolhimento dos peregrinos que fazem o Caminho de Santiago, esta imponente basílica de tijolo e pedra foi erigida entre os sécs. XI e XIV. O interior é relativamente simples e com poucos elementos que nos distraiam da sua função primordial – o recolhimento típico de um ponto de peregrinação – mas enriquecido com alguns frescos e muitos relicários. É o monumento mais importante de Toulouse, tanto pelo seu carácter notável como pelas dimensões, e está classificada como Património Mundial.
A Catedral Saint-Étienne de Toulouse é outro dos edifícios religiosos a visitar na cidade. Construída, intervencionada e acrescentada durante vários séculos, é um excelente exemplo dos caprichos estilísticos da arquitectura religiosa ao longo do tempo e tem por isso um ar ecléctico e muito próprio. Com origens longínquas (séc. V), a maior parte do edifício que vemos hoje data do séc. XIII, o que explica os pormenores góticos, mas a decoração interior tem muitos elementos barrocos. Cada capela (são “só” quinze…) está decorada com pormenores diferentes, umas mais simples, outras mais trabalhadas, todas elas com lindíssimos vitrais – tal como de resto toda a Catedral. Os órgãos são também peças cheias de beleza e parecem como que suspensos no ar.
É precisamente na Catedral de Toulouse que está enterrado Pierre-Paul Riquet, o homem que concebeu o Canal du Midi, e foi por coincidência neste local que fechámos o círculo desta viagem pelo sudoeste de França, uma região que tem muito para conhecer e explorar. Tanto, que uma viagem só não chega…
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