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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qui | 16.06.16

Tua, a paisagem que vai desaparecer

 

A paisagem da região do Alto Douro Vinhateiro – que é Património Mundial desde 2011 – vai mudar em breve. Está terminada a barragem que tem vindo a ser construída desde há cinco anos junto à foz do rio Tua, onde ele se encontra com o Douro, e prevê-se começar o seu enchimento ainda este mês. Quando a albufeira estiver completamente cheia, o rio terá subido 170 metros e alagado as suas margens até cerca de 25 km a montante. São 420 hectares de paisagem que vão mudar. Para melhor ou para pior? Isso só mais tarde se saberá.

 

Tua, a paisagem que vai desaparecer.jpg

 

O paredão da barragem do Tua situa-se a 1,1 km do local onde o rio desagua no Douro, e é uma mole de cimento com 108 metros de altura. O estaleiro que o rodeia tem o tamanho de uma aldeia, e a azáfama é constante – não pára nem ao fim-de-semana. Ainda está em construção a central hidroeléctrica adjacente, um projecto de Souto de Moura, que se estima entrar em funcionamento em 2017.

Barragem do Tua, Junho 2016

Depois de várias peripécias e muita contestação popular, a linha ferroviária do Tua deixou completamente de funcionar em 2008. Subsiste actualmente apenas o troço entre Mirandela e Carvalhais, operado pelo Metro Ligeiro de Mirandela. As povoações entre Mirandela e Foz Tua deixaram desde essa altura de ser servidas por qualquer tipo de transporte ferroviário. Com a data prevista para a conclusão da barragem a aproximar-se, começou há algum tempo o desmantelamento da linha desde a foz do rio até à estação da Brunheda, a localidade onde se prevê que a albufeira se inicie. O desmantelamento está já concluído, assim como o corte de muitas das árvores que se encontravam abaixo da cota de enchimento.

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Os túneis do Tralhariz, das Fragas Más e da Falcoeira já estão tapados e a ponte da Paradela, situada por volta do quilómetro 11, está completamente desprotegida, sendo impossível atravessá-la a não ser que se tenha muita coragem e equilíbrio ou prática de escalada (para atravessar pelo rebordo inferior).

Ponte da Paradela (Tua), Junho 2016Assim, dos troços que vão ficar submersos, os únicos que são acessíveis por estrada e ainda podem ser percorridos a pé são o troço São Lourenço-Brunheda, para montante, e o que se estende para jusante entre São Lourenço e a ponte da Paradela – sendo que neste caso será necessário voltar para trás pelo mesmo caminho, pois não é possível aceder de carro à zona onde se encontra a ponte.

   Brunheda (Tua), Junho 2016

São Lourenço é lugar de águas termais sulfurosas, especialmente indicadas para o tratamento de doenças reumáticas e da pele. Mas é sobretudo um lugar de ruínas, algumas das quais vão ficar submersas pelas águas da albufeira. Subsiste o edifício do tanque, de planta quadrada e cobertura piramidal de pedra maciça, com uma fonte no exterior. Algumas (poucas) casas têm um aspecto basicamente habitável, e a autarquia decidiu há alguns anos instalar um balneário novo, que continua a funcionar em regime experimental sem que se saiba ainda qual será o seu futuro.

São Lourenço (Tua), vista geral, Junho 2016

 

São Lourenço (Tua), edifício do tanque e fonte de São Lourenço, Junho 2016

São Lourenço (Tua), Junho 2016

São Lourenço (Tua), estação, Junho 2016

O edifício da estação de São Lourenço continua de pé, e junto a ele está a ser construída uma parede de contenção. É aqui que tem início a pista de brita que é possível percorrer, por enquanto, ao longo deste troço do Tua, seja para montante até Brunheda, seja para jusante até à ponte da Paradela. Nós optámos por esta hipótese, por ser aquela que oferece cenários mais selvagens e variados. Já removidos os carris e as sulipas que antes constituíam a linha férrea, o passeio é praticamente todo feito sobre pedra solta.

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Embora esteja nitidamente calcado pela passagem de veículos, não é um tipo de piso fácil para caminhadas, e percorrer os quase cinco quilómetros que separam São Lourenço da ponte da Paradela requer bom calçado, muita atenção e bastante energia, sobretudo se o sol estiver quente. E há que não esquecer um chapéu ou um lenço, protector solar, e muita água. Tem no entanto a vantagem de ser um percurso essencialmente plano, e as vistas sobre o rio que corre alguns metros abaixo de nós, em curvas e contracurvas, muitas vezes precipitando-se em rápidos ruidosos, são de uma beleza única.

 

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

 

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

 Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

 

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

 

Espalhada pela encosta na margem esquerda do rio, do lado oposto à linha, aparece a certa altura a bonita aldeia do Amieiro. É a aldeia que vai ficar mais próxima da albufeira quando esta estiver cheia. Muito branca, destacando-se no meio do casario, a igreja matriz parece vigiar o Tua e tudo quanto se passa cá em baixo. Em tempos servida pela estação de Santa Luzia, agora totalmente demolida, a ligação entre as duas margens fez-se primeiro barcaça, depois por teleférico e mais tarde por uma ponte metálica, que foi destruída em Dezembro de 2002 por uma enxurrada e nunca substituída. Ainda são visíveis os pilares que a suportaram, vestígios que também vão ficar submersos.

Amieiro (Tua), Igreja Matriz, Junho 2016Amieiro (Tua), Junho 2016Amieiro (Tua), Igreja Matriz, Junho 2016

Amieiro (Tua), Junho 2016

 

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

 

Ao chegar à ponte da Paradela, há que decidir: ou se volta logo para trás, ou se tenta descer pela ravina do lado esquerdo até ao ribeiro que dá o nome à ponte, para depois o atravessar e subir pela encosta do outro lado, e daí seguir por mais um ou dois quilómetros até ao túnel da Falcoeira – e a partir desse ponto é que não se consegue progredir mais. A descida requer algum cuidado para não se escorregar na terra arenosa e solta, mas vale a pena, porque lá em baixo é o sítio ideal para descansar e mergulhar os pés cansados na água fresca. As pedras são bastante escorregadias e lodosas nalguns pontos, mas há um pouco mais acima uma zona de águas paradas onde até é possível tomar banho.

Ponte da Paradela (Tua), Junho 2016

 

Ribeiro da Paradela (Tua), Junho 2016

 

Ribeiro da Paradela (Tua), Junho 2016

 

Ribeiro da Paradela (Tua), Junho 2016

 

Ribeiro da Paradela (Tua), Junho 2016

 

Ribeiro da Paradela (Tua), Junho 2016

 

O plano de mobilidade do Tua, imposto pelo Estado à EDP como contrapartida da concessão da barragem, prevê que seja estabelecida a ligação entre Foz Tua e Mirandela tanto para fins turísticos como para utilização dos habitantes locais. Haverá um troço misto inicial (veículo sobre carris + funicular), uma ligação de barco entre a barragem e a estação da Brunheda, e finalmente a reactivação dos 33 quilómetros de linha ferroviária entre a Brunheda e Mirandela (podem encontrar mais pormenores em http://www.valetua.pt/desenvolvimento-regional/plano-de-mobilidade/#). Na Brunheda já se notam obras de restauro da linha e da estação, mas resta saber quando é que o plano completo passará totalmente do papel para a prática. Até lá, os habitantes das aldeias do vale do Tua terão de continuar a depender das (sinuosas e estreitas) estradas para se deslocarem entre localidades.

  Brunheda (Tua), Junho 2016

Passeio na antiga linha do Tua, Junho 2016

 

 

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