Os pueblos blancos da Andaluzia
O início do Outono é a época do ano ideal para visitar a Andaluzia. Com temperaturas mais amenas do que o sufocante calor do Verão espanhol, mas ainda assim suficientemente agradáveis para passear à vontade, tem além disso a vantagem de oferecer aos nossos olhos os belíssimos tons terra habituais desta estação.
Nesta altura do ano, a paisagem andaluza é enganadoramente árida. As planícies e suaves colinas têm o tom amarelo do restolho, atravessado pelas faixas quase negras dos estrumes e quebrado aqui e ali pelo azul de uma represa. Por vezes, tudo muda quase de repente: as colinas perdem o arredondado e sobem em direcção ao céu, vestem os cinzas e ocres da pedra misturados com os verdes da vegetação rasteira e dos maciços de arbustos, ou até mesmo de um denso arvoredo. Encarrapitado na encosta, cada pueblo é uma mancha branca que se vai aproximando à medida que balançamos nas curvas e contracurvas da estrada, o branco definindo-se gradualmente para deixar perceber a cor de tijolo dos telhados e as formas escuras das portas e janelas, o castanho das pedras de um castelo, os tons crus de uma igreja.
Os pueblos blancos da Andaluzia dispersam-se pelas serras de Cádiz e Grazalema e têm em comum o seu isolamento e o branco ofuscante das fachadas das suas casas. Numa região onde a paisagem inóspita e por vezes agreste é de uma imensa beleza e merecedora de uma visita só por si, a riqueza arquitectónica e cultural destes pueblos é um motivo adicional para pegar no carro e partir à descoberta destas pequenas preciosidades tão pouco publicitadas no nosso país. Quatro dias são suficientes para conhecer algumas destas localidades, e uma óptima “desculpa” para um fim-de-semana comprido. Para vos facilitar a vida, aqui vai a minha sugestão de roteiro – já por mim testado e aprovado, como sempre.
Dia 1
Elvas – Espera – Bornos – Arcos de la Frontera
Entrem em Espanha pela fronteira de Elvas ou de Vila Real de Santo António, ignorem Sevilha (que é linda mas terá de ficar para outra ocasião) e sigam para Arcos de la Frontera. Mas antes de lá chegarem façam um desvio e aproveitem para subir até ao castelo de Espera, de onde vão ter a oportunidade de apreciar uma magnífica vista de 360 graus sobre a imensidão da planura andaluza.
Sigam para Bornos, que fica a apenas 12 km de distância, junto à barragem (embalse, em bom castelhano) com o mesmo nome. Aqui há muito que ver, mas não percam o Castelo-Palácio dos Ribera e o seu encantador jardim renascentista.
Até Arcos de la Frontera são apenas mais 17 km. É um dos pueblos blancos mais dramaticamente localizados, empoleirado no topo de uma escarpa calcária. O labiríntico centro histórico está fantasticamente conservado, e a oferta hoteleira é enorme, razão pela qual é o local ideal para dormir nesta primeira noite.
Dia 2
Arcos de la Frontera – Grazalema – Zahara de la Sierra – Olvera – Setenil de las Bodegas – Ronda
De Arcos a Grazalema são só 50 km, mas a segunda metade do trajecto é feita em plena serra. Grazalema está aninhada na base de um maciço rochoso, o que lhe dá um delicioso ar de aldeia de montanha – por sinal, é o único pueblo gaditano onde neva no Inverno.
O destino seguinte é Zahara de la Sierra, a uns meros 16 km mas cujas curvas, subidas e descidas demoram uma boa meia hora a percorrer. Mais ainda se fizerem uma paragem no Mirador Puente de Las Palomas para verem a impressionante paisagem serrana – muito verde nas zonas mais baixas e absolutamente despida de vegetação no topo.
Zahara de la Sierra está encaixada entre uma barragem de tamanho bem respeitável e um penhasco rochoso onde domina o castelo. A subida até lá é dura, mas o esforço vale a pena.
Algodonales é o pueblo blanco seguinte nesta rota, mas não tem nada de verdadeiramente especial, por isso o meu conselho é continuarem caminho até Olvera, uma povoação de tamanho considerável, bonita, bem cuidada e cheia de pontos de interesse, com destaque para a Igreja da Encarnação e o Castelo Árabe.
O último pueblo deste dia é provavelmente o mais conhecido: Setenil de las Bodegas. Descendo pela encosta desde a Fortaleza Nazari do séc. XIII, o casario branco adapta-se ao sinuoso percurso do rio e muitas das casas foram construídas de modo a ficarem “encaixadas” na rocha, o que dá à aldeia um carácter excêntrico.
O destino final é Ronda, para comer e dormir. Ronda é uma cidade linda (e merece um dia extra para ser visitada com calma), famosa pela sua praça de touros e pela Ponte Nova, que é o ex-libris da cidade. Recomendo o Hotel Sevilla, que fica fora da confusão do centro histórico mas suficientemente perto para lá chegar a pé em cinco minutos. Quanto à comida, entre as tapas, os montaditos, os pinchos e os pratos principais, a dificuldade está mesmo na escolha. Nas ruas em frente à praça de touros há muita oferta, mas sugiro o restaurante Hermanos Macias (na Calle Pedro Romero) ou a Bodeguita El Coto (na Calle Nueva).
Dia 3
Ronda – Júzcar – Gaucín – Casares – Castellar de la Frontera – Jerez
O pueblo que se segue já foi branco, mas agora é azul. À entrada de Júzcar somos saudados por um letreiro: “Bienvenidos al Pueblo Pitufo”. E o que é “Pitufo”, perguntam vocês? Pois é a palavra espanhola para “Schtroumpf”, ou “Smurf”, como preferirem. Nesta aldeia as casas estão todas pintadas de azul no tom dos famosos bonecos, e há figuras, pinturas e vários spots alusivos aos ditos cujos. Só pela originalidade já vale a pena ir lá.
Continuamos para sul até Gaucín, mais uma visão branca em cenário de montanha. Muito popular entre os expatriados britânicos, que aí têm uma comunidade em franco crescimento, oferece aos visitantes uma panorâmica desafogada que se estende até ao rochedo de Gibraltar.
Relativamente perto, mas muitas curvas depois, encontramos Casares, uma construção Lego de casinhas brancas que parecem estar encavalitadas umas nas outras. Também dominada pelas ruínas de um castelo árabe, ao lado das quais se ergue uma igreja, Casares tem no entanto um não-sei-quê, uma atmosfera especial que a torna diferente de todas as outras e nos atrai a visitá-la para saborear as suas ruas e escadinhas estreitas e sinuosas.
A despedida dos pueblos é em Castellar de la Frontera, que é assim uma espécie de cereja no topo do bolo. Mas esqueçam a aldeia cá em baixo. O que interessa mesmo é o recinto muralhado do castelo, que fica curiosamente quase 10 km mais a norte, lá bem no alto, vigiando uma barragem, e dá pelo nome de Castellar Viejo. Insuspeito por fora – parece apenas mais uma muralha, bem conservada, é certo, mas igual a tantas outras – no seu interior esconde-se um ninho de vielas onde quase não se vê vivalma, com casas recuperadas e ornamentadas com vasos de flores, roseiras e buganvílias espalhadas pelas ruas, e um ou outro atelier de artista. Um mimo.
Para a viagem de regresso a casa não se tornar demasiado cansativa e fastidiosa, sugiro que esta noite durmam em Jerez de la Frontera, uma cidade com um número impressionante de igrejas e vários outros locais de interesse.
Dia 4
Jerez – Mérida – Elvas
De Jerez a Elvas são 330 km, e com excepção de Sevilha (demasiado grande para se ver em apenas umas horas) e eventualmente Zafra, não há muito para ver neste trajecto. Então porque não fazer um pequeno desvio até Mérida? São apenas mais 30 km, e a cidade tem vários locais interessantes para visitar. O destaque vai obviamente para o Teatro e Anfiteatro romanos, mas também não devem perder o Aqueduto dos Milagros, a Alcáçova e o Templo de Diana.
Boa viagem!
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