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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Seg | 31.10.16

Nos passos de Vlad Dracul

 

Uma das personagens mais evocadas nesta época de Halloween é sem dúvida o Conde Drácula, o famoso vampiro à volta de quem gira a história do livro homónimo de Bram Stoker. Para criar o seu protagonista o escritor inspirou-se vagamente na figura de Vlad Dracul, que foi voivode (príncipe) da Valáquia no séc. XV. Mas sabiam que Stoker escreveu o seu livro sem nunca ter postos os pés na Roménia? E quem foi realmente Vlad Dracul? Entre o mito e a realidade, os factos confirmados e aqueles cuja genuinidade permanece incerta, vou contar-vos um pouco da sua história numa visita guiada pelos locais que permanecem ligados à sua memória.

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SIGHIŞOARA

 

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Sighişoara é uma das cidades mais bonitas da Roménia, e presume-se que foi nesta casa situada no coração do centro histórico que Vlad Dracul III nasceu, algures entre 1428 e 1431, e viveu até aos quatro anos de idade. Deram-lhe o mesmo nome do pai, apesar de ser o segundo filho. Dracul significa “dragão”, sobrenome que o seu pai recebera ao tornar-se membro da Ordem do Dragão, uma Ordem fundada pelo Imperador Segismundo em 1408, na Transilvânia, para proteger o Cristianismo no leste europeu.

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P1480214 assin.jpgA casa é actualmente um restaurante, sempre muito concorrido devido ao “folclore” que existe à volta da figura histórica de que foi berço, mas consta que a qualidade da comida não é exactamente proporcional à sua fama.

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TÂRGOVIȘTE

 

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Târgoviște era na época a capital do voivodato da Valáquia, razão pela qual a família Dracul se mudou para aqui quando Vlad Dracul pai conseguiu ascender ao trono da Valáquia, em 1436. Foi por isso aqui que Vlad filho viveu grande parte da sua infância.

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Depois de o seu pai e irmão mais velho terem sido assassinados, Vlad reclamou para si o principado, mas apenas conseguiu mantê-lo durante dois escassos meses em 1448 até ser obrigado a refugiar-se fora da região. Em 1456 voltou a atacar a província e retomou o trono da Valáquia. Correu entre os habitantes o rumor de que era o seu pai que tinha regressado do mundo dos mortos para os proteger, e presume-se que seja esta a origem provável do mito da imortalidade de Vlad Dracul. Desta vez conseguiu manter o seu domínio durante seis anos. A Valáquia era disputada pela Hungria e pelos otomanos, pactos e alianças faziam-se e desfaziam-se à velocidade da luz, e as traições eram constantes. A violência era moeda corrente na época, mas consta que os métodos de Vlad para instigar respeito e terror excediam o habitual. Quando o exército do sultão Mehmet II entrou em Târgoviște em meados de 1462, a cidade estava deserta mas o cenário com que depararam era dantesco: milhares de cadáveres de homens, mulheres e crianças estavam empalados em grandes estacas cravadas no chão, formando uma floresta macabra de carcaças em estágios de decomposição variados. A sua brutalidade valeu-lhe o nome pelo qual passou a ser depois conhecido: Vlad Țepeș (Vlad, o Empalador).

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Do palácio real (Curtea Domnească) de Târgoviște restam hoje apenas ruínas. Mas o conjunto monumental que pode agora ser visitado tem outros motivos de interesse, sendo um deles o actual ex libris da cidade: a torre Chindia, que foi mandada construir pelo próprio Vlad Dracul III.

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FORTALEZA DE POENARI (CETATEA POENARI)

 

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O castelo de Poenari tem as suas origens no séc. XIII, mas encontrava-se em ruínas quando Vlad Țepeș decidiu aproveitar o seu potencial defensivo e transformá-lo numa fortaleza quase inexpugnável. Quase, mas não completamente, pois nem ela conseguiu resistir aos avanços dos Otomanos no final do seu segundo reinado, tendo Vlad sido obrigado a fugir por uma passagem secreta com acesso às montanhas a norte. Diz a lenda que a sua mulher se suicidou atirando-se das muralhas, apavorada pelo receio de ser selvaticamente maltratada pelos turcos – a violência desmedida não era um exclusivo do seu marido. Situada perto de Arefu (em pleno coração da fabulosa Transfăgărășan), a 860 metros de altura, a fortaleza de Poenari é basicamente uma muralha – e em termos práticos, um “ninho de águia” que obriga a subir mais de 1400 degraus para lá chegar. Só para corajosos…

 

CURTEA VECHE

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Na Roménia, Vlad Țepeș é considerado um herói nacional. Em flagrante contraste com a imagem sanguinária descrita na maioria dos textos da época que sobreviveram até aos nossos dias – escritos por saxões e turcos, há que notar, que eram os seus maiores inimigos – as narrativas tradicionais romenas apresentam-no como um apoiante dos camponeses contra os traiçoeiros boiardos e um intrépido defensor do seu principado contra o Império Otomano. É provavelmente por isso que o encontramos representado em bustos esculpidos um pouco por todo o lado – e Bucareste não é excepção.

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O Palácio Real Velho fica mesmo no centro histórico de Bucareste e foi mandado construir de raiz por Vlad II Dracul. Vlad Țepeș, que era o seu segundo filho, ocupou-o durante o segundo reinado, entre 1456 e 1462. A partir dessa altura passou a ser a residência real oficial, estatuto que só perdeu no séc. XVIII. Hoje em dia funciona como museu, fazendo parte do núcleo do Museu Municipal de Bucareste.

 

CASTELO DE BRAN

 

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É irónico que o local na Roménia mais associado ao Drácula de Bram Stoker seja aquele que menos (ou talvez mesmo nada) tem a ver com Vlad Dracul III. Stoker nunca visitou a Roménia, e presume-se que tenha aproveitado uma ilustração do castelo de Bran mostrada num livro de Charles Boner para descrever o castelo do Conde Drácula, uma vez que mais nenhum castelo romeno se lhe assemelha.

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Situado a poucos quilómetros da turística cidade de Brașov, na Transilvânia, o castelo de Bran está construído – como seria de esperar – no topo de uma elevação junto à localidade com o mesmo nome, rodeado de vegetação. A Transilvânia só passou a fazer parte da Roménia depois da Primeira Guerra Mundial, e em 1920 os cidadãos de Brașov decidiram unanimemente oferecer o castelo de Bran à Rainha Maria, que o restaurou e passou a usar como residência real.

A ténue ligação que o castelo de Bran talvez possa ter com Vlad Țepeș remonta a 1462, quando o príncipe foi capturado pelo exército do rei húngaro e, segundo consta (mas não está provado sem sombra de dúvida), ali terá ficado encarcerado durante dois meses.

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MOSTEIRO DE SNAGOV

 

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Vlad voltou a conquistar a Valáquia novamente em 1476, mas também desta vez o seu reinado foi de curta duração. Mais uma vez atacado pelos turcos, foi morto perto de Bucareste em Dezembro do mesmo ano. A História diz que a sua cabeça foi enviada a Mehmet II, em Constantinopla. Já quanto ao local onde foi sepultado, a controvérsia mantém-se até aos nossos dias – outra coisa não seria de esperar um homem cuja vida deu azo a tanta celeuma. A versão mais difundida é que foi enterrado no mosteiro de Snagov, situado numa ilhota no lago que leva o mesmo nome.

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O lugar é tranquilo e muito bonito. A apenas cerca de 40 km a norte de Bucareste, é um local privilegiado de veraneio para os habitantes da capital.

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Recentemente, os historiadores levantaram a hipótese de Vlad Țepeș ter de facto sido sepultado no Mosteiro de Comana, por se encontrar mais próximo do local onde ocorreu a batalha em que foi morto.

 

Do que não restam dúvidas é que o príncipe da Valáquia morreu mesmo, embora a memória colectiva se tenha encarregado de o guardar para a posteridade. Por mera coincidência ou ironia do destino, o Drácula de Bram Stoker terá certamente dado uma “ajudinha”.

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