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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Seg | 30.10.17

Na ilha das Flores - parte V

 

Santa Cruz das Flores

 

A principal localidade da ilha das Flores não é propriamente espectacular ou sequer muito atraente, mas ainda assim tem vários pontos de interesse para explorar.

 

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Santa Cruz desenvolveu-se a partir do primeiro povoado da ilha, estabelecido por um fidalgo flamengo a partir de 1470, e a sua referência mais antiga como “vila” data de 1548. No início do séc. XVII já era identificada como “cabeça da ilha”, sobretudo por ter o melhor porto –  a vila teria nesta altura cerca de 900 habitantes.

 

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A colonização foi essencialmente lusitana, com nítidas influências do interior do país, sobretudo do Alentejo e do Minho, tanto a nível arquitectónico como social e cultural.

 

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Entrando pela estrada do sul, que faz a ligação com Lajes das Flores (a segunda localidade de maior importância nas Flores), o primeiro edifício que chama a atenção mesmo à entrada de Santa Cruz, do lado direito, é o novo Museu e Auditório Municipal das Flores: dois grandes volumes de formas geométricas e arrojadas em branco e antracite, rodeados de relva. Ao lado, passando o parque de estacionamento, letras brancas garrafais pintadas sobre o pavimento escuro resumem a história dos primórdios da ilha. Inaugurado em Dezembro de 2014, é o equipamento cultural e recreativo de vulto mais recente em Santa Cruz.

 

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Também impossível de ignorar, um pouco mais à frente na mesma estrada, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição é uma das maiores igrejas dos Açores, e é visível de praticamente qualquer ponto da vila. O início da sua construção data do séc. XVIII mas a sua consagração como templo só ocorreu em 1859. Edificada em alvenaria pintada de branco e com motivos estruturais e decorativos em cantaria cinza escura, como é típico na maioria das igrejas açorianas, as cúpulas bulbosas das duas torres sineiras dão-lhe no entanto um certo ar “oriental”. Na fachada principal tem nada mais, nada menos do que três portas e dez janelas, a maioria de dimensão razoável, além de uma multiplicidade de ornamentos vários, como colunas, capitéis e molduras, rosáceas e conchas. Esta profusão de elementos poderia tornar-se exagerada, mas na verdade o conjunto resulta bastante harmonioso e fora do comum.

 

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Bem perto, numa rua lateral, outro dos edifícios icónicos de Santa Cruz: o convento de São Boaventura, igualmente conhecido como Igreja de S. Francisco. Em tempos também foi branco e cinzento, mas entretanto modernizou-se e hoje o cinza foi substituído pelo amarelo. Terá sido construído em meados do séc. XVI, em cumprimento de uma promessa pela restauração da independência de Portugal, e tem tido uma vida no mínimo atribulada: de convento franciscano passou a hospital da Santa Casa da Misericórdia de Santa Cruz, em 1969 tornou-se escola preparatória, e actualmente aloja o Museu (etnográfico) das Flores, com o Centro de Saúde no edifício que lhe está anexo.

 

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A caça à baleia foi desde meados do séc. XIX, e até à sua proibição na Europa, uma das actividades principais das ilhas açorianas. Em Outubro de 1941 iniciou-se a construção, em Santa Cruz das Flores, de uma fábrica destinada à transformação de cetáceos e aproveitamento dos seus derivados. “O local escolhido para a instalação da fábrica foi o Boqueirão, porto natural abrigado dos ventos dominantes, onde as actividades ligadas ao aproveitamento do cachalote eram uma prática que vinha desde o séc. XIX” (excerto de um painel informativo do Museu). A fábrica começou a laborar em 1944, precisamente a altura do apogeu mundial da baleação e da subida do preço daquele óleo. Foi a primeira grande indústria florentina a ser criada e veio beneficiar em grande escala a população local. Nos anos 50 e 60 a laboração atingiu o seu pico, tendo o número mais elevado de animais capturados (103!) sido conseguido em 1963.

 

As instalações funcionaram até 1981, ano em que foi caçada a última baleia que ali foi depois transformada. Nesta altura havia já poucos baleeiros na ilha e a actividade tendia a desaparecer – as farinhas e os óleos produzidos a partir de cetáceos estavam a ser rapidamente substituídos por idênticos produtos de outras origens, obtidos a um custo mais baixo.

 

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A fábrica esteve ao abandono até que foi decidida a sua recuperação e integração no núcleo do Museu das Flores. Terminadas as obras de reconstrução em 2011, o edifício começou de imediato a receber visitantes em grande número – em 2014 foram cerca de dois mil, mais do dobro dos habitantes da ilha das Flores. Em Julho de 2015 foi oficialmente inaugurado o Museu da Fábrica da Baleia do Boqueirão, destinado a preservar a história da actividade baleeira na ilha, e para a concepção do qual muito contribuíram a memória e o material de vários antigos baleeiros e operários.

 

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O Museu situa-se no extremo nordeste de Santa Cruz, junto ao Hotel das Flores e à zona balnear do Boqueirão, e muito perto das piscinas naturais. No edifício completamente branco destaca-se a sua enorme chaminé, e no amplo pátio perto da entrada os visitantes são saudados por uma (felizmente!) pouco real representação de um cachalote esquartejado.

 

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Apesar de hoje ser impossível (para mim, pelo menos) olhar para a actividade baleeira sem pensar nela como barbárie, a verdade é que ela foi durante décadas o sustento de muitas famílias açorianas. E embora não se encontrassem todos exactamente em igualdade de circunstâncias, a luta entre humanos e animais não era fácil nem rápida para nenhum dos lados – se bem que não fosse habitual um final feliz para a baleia, muitos foram os homens que também perderam a vida nestas lides. Por isso tentei, ao visitar o Museu, pôr de lado o meu espírito crítico e simplesmente aproveitar a oportunidade para aumentar os meus (poucos) conhecimentos sobre o assunto. E podem crer que neste aspecto o Museu cumpre totalmente a função que se propõe. Os diversos espaços estão bem concebidos e distribuídos de modo a que a visita vá decorrendo de forma fluida, fornecendo o máximo de informação possível sem que isso se torne aborrecido ou saturante.

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Vários ambientes diferentes foram recriados, há vídeos com reportagens e entrevistas, muitos painéis informativos, objectos, maquetes e desenhos explicativos, e até mesmo a recriação de um bote baleeiro. Ficamos a saber praticamente tudo tanto sobre a caça à baleia nas Flores, como sobre a indústria de transformação para que o edifício foi utilizado, e até mesmo o seu funcionamento técnico. E nem os miúdos ficaram esquecidos, pois há algumas zonas especificamente destinadas à sua distracção.

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É, em suma, um museu moderno e muito interessante, que vale mesmo a pena visitar.

 

 

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