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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qua | 25.09.24

Glossário de Ferreira do Alentejo (para um fim-de-semana sem defeito)

 

A

Adega Lélito

O espaço que foi em tempos a “taberna do Zé Lélito” é, desde 2017, a Casa do Vinho e do Cante, local reabilitado para preservar a memória das antigas tabernas, o processo de produção do vinho da talha, o Cante Alentejano e outras tradições regionais. É um dos núcleos do Museu Municipal de Ferreira do Alentejo. No interior, fresco e sombrio, mantêm-se o antigo balcão da taberna, algumas mesas e cadeiras de outros tempos, e várias talhas originais, gigantescas, cada uma preparada para abrigar mil litros de vinho. Na parede à direita dos degraus da entrada, que nos deixam no piso forrado com tijoleira e mosaicos amarelos e castanhos, o Zé Lélito é recordado numa fotografia a preto e branco, ampliada; e no chão, uma tampa quadrada de madeira revela-nos uma talha afundada no subsolo, para onde era varrido o vinho que fosse acidentalmente entornado. Cestos, potes, jarros de leite, uma telefonia vetusta, escadotes de madeira, apetrechos metálicos, um louceiro embutido – o espaço está decorado com uma variedade de objectos que hoje em dia já não são utilizados. A luz do sol entra por um minúsculo pátio interior, ao fundo, onde trepa uma videira com ar de velha de muitos anos e se fazem ouvir, quando abanados, mais de 400 chocalhos e esquilas (sininhos) pendurados numa grelha.

 

B

Barragem de Odivelas

Qualquer lugar é bom para ver os maravilhosos pores-do-sol alentejanos, mas a albufeira onde estão represadas as águas da ribeira de Odivelas é um dos melhores. À volta há árvores, uma praia fluvial com parque de merendas (que até tem um instagramável baloiço!), e um bar-restaurante com vista para a água, perfeito para um jantar longo enquanto a noite cai.

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Beldroega

Planta humilde, mas cheia de personalidade, cresce como erva daninha, mas é uma verdadeira jóia na cozinha alentejana. Com folhas carnudas e um toque de acidez, a beldroega é uma delícia nutritiva, rica em vitaminas e ómega-3. Se encontrarem sopa ou açorda de beldroegas no menu do restaurante, não percam a oportunidade de provar.

 

C

Camas de ferro

Feitas em ferro forjado com métodos artesanais numa antiga oficina que pertencia ao pai do actual proprietário, podem ter motivos tradicionais ou outros mais arrojados. A oficina fica no número 62 da Rua Capitão Mouzinho e não está hoje muito diferente de como era há décadas. Além de camas fazem outros tipos de móveis por encomenda. Vendem para todo o mundo e têm website: http://camasdeferro.net/.

 

Capela do Calvário

Ou de Santa Maria Madalena, a quem é dedicada. É o ex libris de Ferreira do Alentejo, e uma das capelas mais estranhas do nosso país: branca e cilíndrica, a fazer lembrar uma redoma, com uma faixa amarela pintada na base e várias dezenas de pedras irregulares de granito incrustadas nas paredes, concentrando-se sobretudo na parte superior. Calcula-se que a sua construção date dos séculos XVII ou XVIII e originalmente foi erguida num outro local da vila, a antiga Rua do Calvário, tendo sido transferida em 1868 para o local onde agora se encontra, o centro nevrálgico da localidade.

 

Carrasquinhas

A acompanhar bacalhau feito no tacho com feijão branco, são um regalo – e uma das provas de que, na cozinha tradicional do Alentejo, tudo o que é comestível se aproveita. O nome técnico desta planta é Scolymus hispanicus, e na verdade é… um cardo!

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D

Doces tradicionais

De seu nome “ferreirenses”, os bolinhos típicos de Ferreira do Alentejo são feitos à base de amêndoa e gila, e são deliciosos.

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E

Enchidos

Painho, paio e paiola, chouriços vários, morcela, salsichão, linguiça… Na mesa alentejana não podem faltar os enchidos de carne de porco (nem o presunto!), ou não fosse esta a região da bolota, petisco preferido dos suínos.

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F

Ferreira

Numa das ruas principais da vila há uma escultura que representa uma mulher com um malho em cada mão. É “A Ferreira”, executada em bronze por Francisco d’Almeida Rato para comemorar os 500 anos do foral de Ferreira do Alentejo, e um tributo à história e identidade da vila, à qual está associada uma lenda popular. Singa, povoação romana com importância administrativa que existiu nos arredores, terá sido invadida por povos bárbaros no séc. V. Reza essa lenda que uma das defensoras da cidade foi uma mulher, casada com um ferreiro, que rechaçou os invasores à marretada – e esta é a explicação mais romântica entre as várias que podem justificar o actual nome da vila.

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Ferrinho de Engomar

Situado num pequeno jardim no extremo leste da vila, a escultura de um ferro de engomar a carvão, numa dimensão gigantesca, evoca a memória de quando a electricidade não chegava a todas as casas. Igualmente executado por Francisco d’Almeida Rato, representa também, segundo este escultor “a força da mulher e das profissões, contestando e revendo preconceitos e limitações que foram impostas às mulheres ao longo dos anos”.

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G

Gaspacho

Sopa fria à base de tomate, pepino e pimentos picados, temperada com um fio de azeite e outro de vinagre, e salpicada com orégãos. Herança antiga dos povos que habitaram o sul da Península Ibérica, a simplicidade do gaspacho alentejano simboliza a ligação com a terra, o uso sustentável dos recursos e o aproveitamento integral dos alimentos, um traço típico da culinária da região.

 

H

Herdade do Pinheiro

É mais um dos motivos para explorar os arredores de Ferreira. Nas extensas vinhas da Herdade do Pinheiro (@herdadedopinheiro), a escassos 8 km da vila, são produzidos os vinhos com o mesmo nome. Mesmo sendo mais adepta dos brancos, não me fiz rogada a experimentar o tinto. Foram ambos aprovados.

 

I

Igrejas

Não podem faltar numa terra portuguesa, com certeza, e em Ferreira há várias. A Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, data do século XVI e mantém sobre a porta, sobrevivendo às várias remodelações de que foi alvo ao longo dos tempos, o símbolo dos cavaleiros da Ordem de Santiago de Espada, que foram patronos da vila a partir do séc. XIII. A Igreja da Misericórdia é também quinhentista, como atesta o seu portal manuelino. No interior existe um notável retábulo de grande porte, com oito tábuas pintadas com episódios religiosos, que se crê ter sido a última obra do pintor eborense António Nogueira. A padroeira da vila, Nossa Senhora da conceição, também tem a sua própria igreja-santuário (ver letra N).

 

J

Jardim Municipal

Um espaço agradável, amplo, com muitas árvores, relva e um lago comprido. O lugar ideal para refrescar do calor alentejano.

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L

Lisete Góis Silva

A loja da D. Lisete fica na Avenida General Humberto Delgado e é pequenina, mas é um encanto. Tal como a dona que, além de talentosa, tem um belo sorriso e uma simpatia sem fim. Os seus trabalhos em patchwork são um mimo e há de tudo um pouco, desde aventais a colchas. Mas as minhas peças preferidas são os talegos (se não sabem o que são, vão até à letra T), que existem em tamanho natural e também em versão mini com íman, para colocar no frigorífico como recordação de um belo fim-de-semana. Para quem for fã de linhas e tecidos, saibam que a D. Lisete também dá workshops. Espreitem as suas habilidades no Instagram (@lisetegoissilva) e no Facebook (https://www.facebook.com/lisete.goissilva).

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M

Museu Municipal

Criado há 20 anos, a sua função é preservar, expor e recordar o património do concelho, e tem vários núcleos. A sede ocupa um edifício histórico que é imóvel de interesse municipal, a Casa Agrícola Jorge Ribeiro de Sousa. É um museu multifacetado, que congrega objectos e saberes de várias áreas representativas do concelho, sobretudo a nível arqueológico, etnográfico e artístico (https://ferreiradoalentejo.pt/locais/museu-municipal/).

 

Mobiliário alentejano

Os móveis característicos do Alentejo são uma explosão de cor. Feitos em madeira, seguem modelos tradicionais e são pintados de branco ou cores básicas, vibrantes, e decorados com flores coloridas, em maior ou menor número, também pintadas. Podemos apreciar a beleza deste mobiliário no bar do Jardim Público Municipal – que é o sítio ideal para um petisco a meio da tarde – cujo interior está decorado com móveis tipicamente alentejanos.

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N

Nossa Senhora da Conceição

É a padroeira da vila e tem uma igreja-santuário que lhe é dedicada (e que foi em tempos a Ermida de S. Pedro). A lenda associada a esta santa de roca (ou “imagem de vestir”, em que apenas as partes visíveis são entalhadas e o resto do corpo é uma simples armação de ripas, para ser mais leve e facilitar o transporte no andor) conta que foi oferecida a Vasco da Gama por um fidalgo de Ferreira, e que terá acompanhado o navegador na sua viagem até à Índia. Marinheira ou não, a sua casa actual é singela no exterior mas muito mais rica por dentro, com belos retábulos em talha dourada e um painel de azulejos que se crê ser único na Península Ibérica.

 

O

Os Boinas

A cantar – e encantar! – desde 2015, este grupo coral junta vozes talentosas de várias gerações e já levou o cante alentejano a outras partes do mundo (https://www.facebook.com/grupocoralosboinas). Entre modas “da terra” e composições mais famosas, o seu repertório é vasto, versátil e, sobretudo, interpretado com alma. Ouvi-los é um verdadeiro prazer!

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P

Pátio das Andorinhas

Este é um dos alojamentos mais originais onde já estive hospedada. Pertence ao Rui Colaço, homem viajado e bem-disposto, conhecedor profundo da sua Ferreira do Alentejo e anfitrião de mão cheia. Contou-nos histórias da sua terra, explicou-nos como se faz o vinho da talha, mostrou-nos o melhor do que há por aquelas bandas, deu-nos a provar boa comida alentejana e brindou-nos com belos momentos embalados ao som do cante alentejano e outras modas. Na casa onde nos acolheu há recantos e pormenores deliciosos, objectos de todo o mundo, humor e bom gosto, quartos confortáveis, uma capelinha recuperada, piscina e tudo o que é necessário para longas tardes de lazer (https://www.facebook.com/ruidopatio).

 

Passando o Tempo

Perto da Câmara, do outro lado da praça Comendador Infante Passanha, uma homenagem aos habitantes de Ferreira do Alentejo: sobre um banco corrido de granito, sentam-se duas figuras em bronze, um homem e uma mulher já idosos; ele de boné e apoiado numa bengala, ela de xaile e lenço na cabeça. É mais uma obra de Francisco Rato.

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Q

Queijo

É outro dos petiscos incontornáveis no Alentejo, melhor ainda se acompanhado do belo pão alentejano. Na região de Ferreira produz-se queijo Serpa DOP, um queijo curado de ovelha, de pasta semi-mole e amanteigada. Como curiosidade, fiquem a saber que no processo de fabrico deste queijo, por tradição, o corte é feito com apenas quatro movimentos, prática que tem por base crenças religiosas.

 

R

Redenho

A gordura que está agarrada aos intestinos dos suínos, e que é a base de um dos petiscos tradicionais do Alentejo (ver a letra T).

 

S

Salgadinho, O

O jardim deste restaurante (@o_salgadinho_) é o lugar ideal para almoçar nos dias de calor. A cobertura de cana protege do sol, há um poço, casas para pássaros nas árvores e até um mini parque infantil. Se houver choco frito, não hesitem em pedir – é tenro, quase sem polme e frito no ponto certo.

 

T

Tapinha, A

Restaurante despretensioso, fica numa rua tranquila e serve comida tradicional. Aconselho a que provem a sericaia.

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Talego

No Alentejo, é um saco feito com sobras de tecido, habitualmente usado para guardar o pão. Nos dicionários, o nome é “taleiga”.

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Torresmos

Os verdadeiros, caseirinhos, são feitos a partir de redenho de porco, fritos até perderem quase toda a sua gordura, e temperados com sal. Depois de coada e fria, a gordura que resulta da fritura é a tradicional banha de porco, também popular na culinária alentejana.

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U

Uva sem grainha

Sou consumidora de uva sem grainha e, na minha assumida ignorância, estava convencida de que esta uva era transgénica. Até que visitei a Herdade Vale da Rosa (@herdadevaledarosa), onde desde o ano 2000 se produz a uva de mesa que mais aprecio, e fiquei a saber que estava errada. A uva sem grainha existe há séculos, surgiu na Mesopotâmia e apenas era aproveitada para passas – as populares sultanas – por ter um bago muito pequeno. Com o cruzamento de castas, foi possível desenvolver este tipo de uva, de que actualmente existem muitas variedades, tanto de uva branca como preta e rosada: nos 270 hectares da Vale da Rosa cultivam mais de 30 variedades diferentes! Ficamos a saber isto e muito mais numa visita guiada de uma hora pela propriedade, parte dela a bordo de um atrelado puxado por tractor, ambos pintados com o rosa que faz parte da imagem de marca da herdade (e que a Barbie iria adorar!). O centro de visitas da Vale da Rosa está aberto todos os dias das 9 às 17:30.

 

V

Vinho da talha

O vinho da talha é uma técnica ancestral alentejana, originária da época romana, onde o mosto fermenta em grandes ânforas de barro. Após a colheita, as uvas são desengaçadas e pisadas, e o mosto é transferido para a talha, onde fermenta naturalmente durante 1 a 2 meses, sem aditivos químicos. A maceração prolongada com cascas e sementes confere ao vinho maior estrutura e intensidade. Após a fermentação, o vinho é retirado, passando por uma filtragem natural, e pode ser armazenado na talha antes de ser engarrafado. O resultado é um vinho rústico e encorpado, com sabores intensos e aromas terrosos, influenciados pelo barro das talhas. Uma expressão genuína da tradição vitivinícola artesanal.

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X

Xara

“Cabeça de xara” é um petisco típico de origem alentejana, feito a partir da carne da cabeça do porco, incluindo bochechas, língua e outras partes ricas em sabor e textura. A carne é geralmente cozida e depois desfiada ou picada, misturada com especiarias, como pimenta, alho, louro e às vezes vinho. Também conhecida por “queijo de cabeça de porco”, assemelha-se a uma galantine e é consumida fria. A origem deste pitéu remonta às práticas rurais e de subsistência do Alentejo, em que todas as partes do animal eram integralmente aproveitadas.

 

Z

Zambujeiro

Nome dado à oliveira brava, uma árvore comum no Alentejo e que faz parte do ecossistema do montado e da cultura olivícola da região.

 

***

 

Adenda à letra A:

 

ABVP-Associação de Bloggers de Viagem Portugueses

O nome já diz tudo. Foi a “culpada” deste (mais um) fim-de-semana memorável.

 

Amigos

Uma das coisas boas das Associações é conhecermos pessoas com os mesmo interesses que nós. E, com o tempo e o convívio, várias dessas pessoas acabam por ser mais do que simples conhecidos ou “colegas”. Alguns dos bloggers que participaram neste encontro da ABVP já fazem parte desse grupo, outros são conhecimento recente, mas o fim-de-semana não teria sido o mesmo sem eles. Fica aqui a lista:

42 Ferreira Grupo ABVP.jpgFoto de João Petersen (The Portuguese Traveler)

 

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