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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qua | 11.04.18

Em Veneza, sem carteira - uma crónica de viagem

 

Há viagens que têm tudo para correr mal, mas afinal correm tão bem que até parece impossível – e deixam saudades. Em Junho do ano passado, acabadinha de chegar a Veneza, descobri que não tinha levado a carteira. Não seria grave se lá dentro não tivesse o dinheiro e todos os cartões bancários. A única coisa que escapou – e por essa razão não dei pela falta dela mais cedo – foi o cartão do cidadão, que eu tinha colocado numa divisória separada da bolsa que invariavelmente levo para férias. De resto, não tinha comigo nem a mais pequenina moeda, nem um único cartão. Sim, riam-se à vontade. Eu, a maníaca da organização, a rainha da prevenção contra todos os riscos, a maluquinha das listas, esqueci-me da carteira em casa e só dei por isso já bastante depois de chegar ao meu destino. Como ironia, não está mal…

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A razão do meu esquecimento foi simples (mas mesmo assim imperdoável). O voo para Veneza saía muito cedo de Lisboa e eu ia ter de me levantar de madrugada. Chegada na véspera de uma viagem aos Açores, tira roupa da mala, lava roupa, apanha roupa, volta a fazer a mala… o dia foi uma canseira. Finalmente, tudo já arranjado e eu cedo na cama para ainda dormir alguma coisa, vejo uma mensagem do alojamento a ensinar o melhor caminho para lá chegar a partir do aeroporto. Aí percebi que seria preferível ir de barco do que de autocarro, porque uma das linhas pára em Fondamente Nove, a menos de cinco minutos a pé do B&B Corte dei Miracoli. Descobri também que comprando os bilhetes online a viagem ficava significativamente mais barata. Só que o raio do site estava meio encravado e acho que perdi à vontade mais de uma hora até conseguir finalmente fazer a marcação. Para pagar tive obviamente de ir buscar a carteira e depois, cansada e já em pânico com as horas que (não) ia dormir, larguei-a em cima da mesa-de-cabeceira. Já estão a calcular o resto, não estão? Três horas depois, quando me levantei, um olho aberto e outro fechado, nunca mais me lembrei da dita cuja e só dei pela falta dela em Veneza quando precisei de pagar o almoço.

 

No entanto, o que poderia ser dramático se eu tivesse ido sozinha, resolveu-se facilmente com a boa vontade das duas amigas que foram comigo e me disseram logo que não me preocupasse, que elas pagavam tudo e até me emprestavam dinheiro para as minhas compras. Afinal, o mais caro – voos e alojamento – já estava pago antecipadamente, e portanto o resultado do meu esquecimento não era assim tão grave. O que seria de nós sem amigos, não concordam? Claro que ainda hoje falamos disso, e sou motivo de gozo geral para quem me conhece. Mas caramba, no melhor pano cai a nódoa, certo?

 

Um mês antes desta viagem, Veneza nem sequer estava nos meus planos remotos. Na verdade, eu estava mesmo era a planear uma viagem às Cotswolds, em Inglaterra. Muito parecido… Mas os dias que me sobravam para estas férias eram poucos e acabei por perceber que não iria dar para fazer o que queria. Não sendo uma das minhas viagens de sonho, era a de uma amiga, e numa “hora de boa vontade” decidi propor-lhe irmos a Veneza. Outra amiga com quem costumamos viajar decidiu também de repente juntar-se a nós, e foi assim que me encontrei numa soalheira manhã de Junho na Sereníssima com as minhas duas amigas… e sem carteira.

 

Felizmente, o meu despassaramento não tinha abrangido o smartphone, que o Google Maps é para mim a melhor coisinha que inventaram depois do pão fatiado, e não passo sem ele nas minhas viagens. Mala na mão direita, smartphone na esquerda, o Maps a mostrar o percurso, foi num instante que chegámos ao alojamento – que fica realmente muito perto de Fondamente Nove. Uma ruela estreita (como todas em Veneza), um portão alto de ferro, uma campainha para tocar. Uma vez, duas vezes, três vezes… e ninguém atendia. Smartphone mais uma vez em acção, liguei para o número de telefone de contacto que tinha recebido na mensagem (às vezes tento lembrar-me de como era viajar na época pré-telemóvel; eu sei que viajei bastante antes deles aparecerem, e nunca houve azares por aí além, mas sinceramente hoje em dia não concebo viajar como viajo sem ter um bichinho destes). A voz que me atendeu do outro lado era, como eu já tinha suspeitado pelas mensagens, brasileira. Que estava no hospital porque tinha escorregado nas escadas e magoado um pé, mas não iria demorar. Aproveitei para a avisar de que então íamos almoçar ali perto, para fazer tempo – e na verdade também porque a fome era tanta que já não víamos nada à frente.

 

Um delicioso spaghetti alle vongole e uma panacota de ir às lágrimas depois (com molho de amoras e verdadeiramente pecaminosa de tão boa que era), comidos à sombra na esplanada do Ristorante La Colonna, ligou finalmente a Cláudia para dizer que estava à nossa espera no alojamento. Por esta altura eu já tinha descoberto que estava sem carteira, mas nem isso nem o terceiro andar sem escadas do B&B nos tirou a boa disposição. O Corte dei Miracoli fica num antigo palazzo e não tem elevador. Mas tem um pequeno jardim depois do portão de ferro, e a seguir uma bela escadaria de pedra com patamares envidraçados e decorados a preceito – mais ou menos o que se espera de um edifício italiano. E teve também para nós a cereja no topo do bolo: um quarto com vista sobre um canal onde passam constantemente gôndolas com turistas em passeio. Cliché, mas encantador. Para além disso tudo, tem a simpatia e eficiência da Cláudia, e tem também um belíssimo pequeno-almoço incluído, tomado todas as manhãs na grande mesa de madeira da cozinha com o sol a entrar pelas janelas.

 

LA COLONNA

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B&B CORTE DEI MIRACOLI

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Mesmo não estando nos meus planos, apaixonei-me por Veneza. Não foi amor à primeira vista, mas também não precisei de muito: bastou-me chegar à ponte do Rialto. Sempre cheia de gente, é quase preciso tirar senha para conseguir um lugarzinho junto à balaustrada para tirar a selfie da ordem. Mas estar ali em cima a olhar para a imensidão do Canal Grando (como lhe chamam os venezianos), conhecer sem filtros o verde único da sua água, assistir ao vivo ao movimento incessante de vaporettos, gôndolas, barcos a motor e até mesmo kayaks, que sobem e descem e cruzam esta artéria coronária da cidade, as cores desmaiadas dos edifícios marcados pela água, tudo aquilo banhado pela luz meio velada de um sol já em curva descendente… Perante aquilo, que interessavam os magotes de pessoas à minha volta, as poucas horas dormidas ou a carteira esquecida? Quando nos apaixonamos por uma pessoa, tudo o resto perde importância e fica em segundo plano ou passa despercebido. Com os lugares é igual.

 

RIALTO

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Em Veneza, sê veneziano? Difícil, já para não dizer impossível para quem está na cidade pela primeira vez. Os venezianos sabem para onde vão e seguem decididos para o seu destino, pedindo licença aos turistas paspalhões, que julgam que as ruelas estreitas são só para eles e andam em magote e a passo de caracol. Nós, turistas paspalhonas, andávamos com um olho no ar a tentar ver os nomes das ruas e o outro fixo no círculo azul do Maps, que fazia um enorme esforço para receber o fraco sinal de satélite que mal penetra naquele emaranhado de edifícios. Como orientar-nos num espaço entre os telhados tão estreito que nem conseguimos ver o sol? A alternativa é perdermo-nos, e na verdade essa é uma das melhores actividades a que podemos dedicar-nos em Veneza. É perdendo-nos que descobrimos ruas que terminam na água, um ângulo diferente de uma hiper-escultura em exibição, janelinhas decoradas com vasos coloridos, um sottoportego que desemboca numa praça sem turistas (excepto nós, claro! E porque será que temos esta mania de achar que somos diferentes dos outros?). É perdendo-nos que temos a possibilidade de conhecer aquele canal com uma atmosfera diferente, a pontezinha meio escondida por onde pouca gente passa, alguns edifícios mais degradados mas ainda assim plenos daquele charme meio decrépito e afanado que a cidade tão orgulhosamente ostenta. 

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Veneza - Support.JPGVeneza - Corte Scala Mata.JPG

Veneza - Campo della Maddalena (1).JPGVeneza - Palazzo Soranzo Van Axel (1).JPG

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 Veneza também tem cadeados do amor.JPGVeneza - loja (2).JPG

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Veneza - janela

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Difícil será ser veneziano, certamente, porque a cidade continua a lutar com o excesso de turismo: qualquer coisa como 60 a 70 mil visitantes por dia na época alta, contra os apenas 55 mil habitantes do centro histórico (e este número tem vindo a reduzir). Os preços exagerados da habitação e da comida, inflacionados pela procura turística, fazem com que ser veneziano seja cada vez menos viver em Veneza e mais nos arredores. E ver a “nossa casa” invadida por hordas de bárbaros que julgam que a cidade é só para eles passearem deve ser um bocado custoso de engolir…

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Bom, mas numa coisa pelo menos pudemos ser um bocadinho venezianas: na comida. Os nossos magros ordenados de portuguesas não chegam para grandes extravagâncias, e em Itália nada é barato, por isso houve que tentar comer razoavelmente mas sem nos arruinarmos. A solução? Socorrermo-nos das casas onde comem os locais: as osterias, que são basicamente casas de petiscos em que tanto é possível comer pratos confeccionados como sanduíches; e as rosticcerias, uma mistura de churrasqueira com restaurante take away. O local onde comemos mais vezes foi a Osteria da Baco, situada muito perto da Praça de São Marcos, e na nossa deambulação pelo Ghetto, quase no extremo norte do bairro de Cannaregio, almoçámos na esplanada da Osteria Ai 40 Ladroni – que na realidade é mais um restaurante do que uma osteria. Perto do Rialto, e recomendada pela Cláudia, a Rosticceria S. Bartolomeo (que também tem o nome de Rosticceria Gislon, vá-se lá saber o porquê desta dupla denominação…). Quanto a restaurantes, e além do La Colonna onde comemos a primeira refeição, jantámos no Tre Spiedi, também na zona do Rialto. E em todos estes sítios comemos bem, se bem que eu sou suspeita porque escolhi quase sempre pratos de pasta (sou doida por massas!), e qualquer tasquinha italiana cozinha massa tão bem ou melhor do que grande parte dos bons restaurantes por esse mundo fora. A excepção foi o péssimo (em todos os aspectos) restaurante Antichi Splendori – tivesse eu tido o cuidado de olhar antes para o Tripadvisor e nunca teria passado da porta para dentro. Só que o raio do restaurante fica muito bem localizado, na Calle Larga San Marco, e nós tínhamos passado a manhã primeiro na fila para entrar na Basílica de São Marcos – que mesmo pagando o bilhete de entrada rápida (uns meros 2€ por pessoa) há sempre uma bela fila – e depois a percorrer o Palácio Ducal durante um bom par de horas; estávamos por isso esfaimadas, os preços pareciam razoáveis, e caímos na asneira de entrar. Além do ambiente ruidoso e muito abafado (estava cheio de gente, tudo turistas pategos como nós, e dava para perceber que muitos deles também não estavam satisfeitos), e da comida que mostrou não ser mais que sofrível, o pior de tudo foi mesmo o péssimo aspecto e a antipatia do empregado que nos atendeu. Despachámo-nos o mais depressa que pudemos e a seguir fomos consolar-nos com um belo gelado no Caffè Lavena, um dos mais icónicos e antigos cafés da Praça São Marcos. Um gelado italiano vale por dez más refeições e cura qualquer irritação, e o interior do Lavena, com a luz dos lustres e candelabros a reflectir-se no omnipresente dourado, é absolutamente encantador.

 

OSTERIA DA BACO

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OSTERIA AI 40 LADRONI

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ROSTICCERIA S. BARTOLOMEO

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TRE SPIEDI

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CAFFÈ LAVENA

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A envolvente da Piazza e da Piazzetta San Marco ocupam à vontade todo um dia de visita, com os seus monumentos e museus. E se achei a Basílica bem mais interessante por fora do que por dentro, já o Palácio Ducal teve em mim o efeito inverso. Da fachada exterior, em que as colunas e arcos ogivais típicos do gótico veneziano que hoje vemos são na sua maioria cópias executadas a partir de finais do séc. XIX (as peças originais são exibidas no Museo dell’Opera, dentro do Palácio), apenas a magnífica Porta della Carta é um presságio do que nos aguarda no interior. Entramos por um acesso que nos leva a um enorme e esplendoroso pátio, passamos pelas escadarias e por um sem número de salas com paredes cobertas de cenas grandiosas pintadas e tectos trabalhados com frisos, altos-relevos e pinturas, atravessamos o interior da Ponte dos Suspiros e depois descemos às lúgubres instalações onde mantinham os presos de condição inferior. Pelo caminho, as janelas dos sucessivos aposentos vão-nos mostrando ângulos diferentes do lado sul da laguna.

 

PRAÇA DE S. MARCOS  

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BASÍLICA DE S. MARCOS

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PALÁCIO DUCAL

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PONTE DOS SUSPIROS

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Mas é claro que as melhores vistas sobre toda a cidade são as que temos do topo do Campanile. Se nessa altura eu não estivesse já rendida a Veneza, de certeza que não teria resistido ao vê-la de cima. Daqui não conseguimos distinguir ruas nem canais, e a sensação é a de que as incontáveis construções brotaram como cogumelos furando as ilhas, cada edifício com uma forma e uma altura diferentes, entremeados com torres e cúpulas de igrejas, às vezes uma pequena mancha vegetal, cada ilha um aglomerado compacto rodeado pela massa de água da laguna, a sua superfície plana encarquilhada pela ondulação gerada pelos barcos rápidos que nela se deslocam em todas as direcções.

 

CAMPANILE

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Veneza - laguna e Dorsoduro

Veneza - Praça São Marcos

Veneza vista do Campanile

Veneza vista do Campanile

Veneza vista do Campanile

Veneza vista do Campanile

E depois há a arte. Os monumentos e as igrejas, as fachadas dos palazzi, as esculturas expostas inesperadamente em qualquer tipo de local – um jardim, as varandas de um hotel, a entrada de um edifício – os desenhos criados com pedrinhas no piso de uma praça, as exposições de todos os géneros. A cultura artística é parte integrante de Veneza, e fiquei encantada com essa facilidade de convivência, com a enorme quantidade de exposições de livre acesso para o público, e com a descoberta de obras surpreendentes até em situações aparentemente triviais, como aconteceu com a exposição organizada pela conhecida marca de café Illy, onde se conjugavam vários ambientes de grande impacto visual e sonoro, cada um deles associado de forma mais ou menos surreal às originais e icónicas chávenas de café daquela marca. Absolutamente fora de série.

Veneza - arte nas ruas.jpgVeneza - loja.JPGVeneza - Scuola Grande di san Marco (Ospedale Civile).JPG

Veneza - La Fenice.JPG

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Veneza - Hotel Saturnia.JPG

 

EXPOSIÇÃO ILLY - THE DISH RAN AWAY WITH THE SPOON concebida por ROBERT WILSON

Veneza - exposição Illy.JPG

Veneza - exposição Illy

Foi ainda sob o encantamento desta exposição que passámos por uma outra experiência que afectou igualmente todos os nossos sentidos, embora de maneira um bocadinho… digamos que diferente. Quase de um momento para o outro, começou a soprar um vento forte e o céu passou a um tom de cinza carregado e ameaçador. Os empregados de um restaurante por onde passámos corriam de um lado para o outro carregando as mesas e cadeiras da esplanada para o interior – e nós, tolas e desconhecedoras do humor climático da Veneza, achámos graça a tanta pressa. Estávamos no extremo oeste do Dorsoduro, na Punta della Dogana, e quando sentimos os primeiros pingos de chuva achámos que seria suficiente abrigarmo-nos por baixo da cobertura larga suportada por várias colunas do edifício que se ergue no local. Santa ingenuidade! Os pingos de chuva não tardaram em transformar-se em dilúvio, e o vento deu a volta e começou a soprar furiosamente do lado onde nos encontrávamos, levantando ondulação na laguna e empurrando contra nós um verdadeiro muro de água a que nenhum impermeável ou chapéu-de-chuva conseguia resistir. A chuva vinha de cima, de baixo, dos lados, escorria pelas paredes onde nos encostámos, e era tanta que nós mal conseguíamos ver o Campanile, localizado a umas poucas dezenas de metros, do outro lado do canal. A tempestade diluviana terá durado uns cinco minutos, mas ao fim do primeiro já nós estávamos encharcadas até aos ossos – nós e as muitas pessoas que também ali se abrigaram, e muitas outras que fomos encontrando depois no caminho de regresso ao alojamento. Havia até quem varresse água de dentro de lojas. Diz quem conhece que estes temporais súbitos e rápidos são típicos de Veneza, mas a verdade é que pelos vistos não fomos só nós a sermos apanhadas de surpresa naquele dia. Para mim e para as minhas amigas, essa tarde ficou marcada como aquela em que apanhámos a maior molha das nossas vidas.

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Na verdade, seja de que maneira for, Veneza marca. Há quem diga que marca pelo cheiro menos agradável dos canais, mas eu tive sorte porque o meu nariz (às vezes tão sensível) não se sentiu minimamente ofendido durante os dias que lá passei. Sim, Veneza tem um odor particular – que é na realidade muito superior ao característico cheiro a gases de escape da maioria das cidades. E é claro que também marca visualmente, pela cor, pelo movimento, pela beleza frágil e etérea que os meus olhos foram descobrindo diariamente. Mas o que mais me marcou, aquilo que a torna ainda mais especial e única, é a sua sonoridade. Não existe aquele ruído de fundo habitual, aquele barulho de motores e travagens e buzinas característicos de praticamente qualquer cidade. A água de onde Veneza se ergue parece “abafar” todos os sons, mesmo os dos barcos a motor – que de qualquer modo nunca podem andar a grandes velocidades. Mesmo inundada pelos milhares de visitantes, ou nas horas mais movimentadas, quando se enche com as pessoas que vêm de manhã trabalhar ou a abandonam ao fim do dia, ainda assim Veneza mantém a atmosfera que justifica o seu cognome de Serenissima.

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Como eu disse no início, há viagens que têm tudo para correr mal. Mas depois correm ainda melhor do que esperávamos. E sabem a pouco.

Veneza - gôndola

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