Duas semanas em Itália
Estar em Itália é assim como que voltar a casa de uma avó: estou num sítio diferente mas tudo parece familiar. Sinto-me à vontade, não estranho as pessoas, os hábitos ou as comidas. A língua é outra mas não é desconhecida, sabe-me bem ouvir as palavras ditas meio a cantar, e mimetizo-lhes a pronúncia sem dar por isso. As pessoas com quem me cruzo podiam ser portuguesas, não as distingo de nós tão facilmente como acontece noutros países. E só me ocorre perguntar-me porque é que ainda conheço tão pouco de Itália.
Barga Corniglia
Na verdade, a resposta até nem é muito complicada, e as razões são bastante comezinhas. A Itália está perto de Portugal, mas não está propriamente aqui ao lado; é muito pressionada pelo turismo, e eu detesto confusões; e sempre foi um país caro, pelos nossos modestos padrões portugueses (e continua a ser, apesar de agora a clivagem ser menor). Aparte a Sardenha e Veneza, até há pouco tempo a Itália era apenas um país que o avião onde eu ia sobrevoava (às vezes) para chegar a outro lado.
Mas havia dois lugares em Itália que eu tinha mesmo muita vontade de conhecer, e as restrições às viagens que continuam a existir, entre outros motivos, fizeram-me finalmente decidir que este seria um dos destinos das minhas férias deste ano. Em Julho, um voo directo deixou-me em Milão, onde começou uma viagem de duas semanas que me levou às Cinque Terre, à Toscana e a Bolonha.
É impossível resumir esta viagem em poucas palavras, mas uma coisa é certa: as expectativas eram bem altas, e ainda assim foram excedidas. Apesar de ser Verão e já haver mais turismo do que estava à espera, não havia demasiada confusão – os níveis de visitantes estrangeiros continuam muito abaixo do que era habitual. A máscara já não era obrigatória na rua, o que ajudou a suportar o calor, e em todo o lado havia medidas de higiene e segurança implementadas, algumas até mais eficazes do que as nossas (termómetros automáticos de medição de temperatura, ou entradas e saídas diferenciadas nos transportes públicos, por exemplo), embora por vezes fossem um bocado atropeladas, sobretudo pelos estrangeiros.
O plano
Os objectivos principais desta viagem eram conhecer Florença e as Cinque Terre (Monterosso, Vernazza, Corniglia, Manarola e Riomaggiore). Claro que, indo a Florença, seria um disparate não aproveitar para conhecer outras cidades e vilas da Toscana, portanto fiz um roteiro para dedicar metade do tempo a visitar esta região. Acrescentei Bolonha por uma questão prática – fica relativamente perto de Florença, e a partir desta cidade tinha voos de regresso a Portugal todos os dias. Por azar, poucos dias antes da viagem a companhia aérea decidiu cancelar o voo de Bolonha e tive de o trocar por um a partir de Florença, que entretanto apareceu precisamente para a mesma data. Mas como já tinha reservado alojamento em Bolonha, mantive a cidade nos meus planos (e ainda bem!). Também pelo mesmo motivo, na ida optei por voar de Lisboa para Milão, que fica a pouco mais de 200 km da região das Cinque Terre.
Os transportes
Optei por só alugar carro para a viagem pela Toscana. A rede ferroviária em Itália é boa e funciona bastante bem, além de que nas cidades maiores e nas Cinque Terre o estacionamento é complicado e caro. Tanto Florença como Bolonha conhecem-se facilmente a pé, e em ambos os casos as estações de comboio ficam no centro da cidade.
As Cinque Terre têm uma linha de comboio especial, entre Levanto e La Spezia, para a qual existe um passe – o Cinque Terre Card – que nos permite viajar sem limite durante o número de dias que escolhermos. Também é possível ir de uma aldeia a outra a pé pelos trilhos que eram antigamente a única forma de acesso. O mais famoso e mais fácil é o Sentiero Azzurro, mas é necessário pagar uma autorização especial para o percorrer, e alguns troços estão fechados devido a derrocadas. Outra alternativa é o barco, que também opera regularmente entre Levanto e La Spezia, com paragens em todas as aldeias com excepção de Corniglia. É mais caro e mais lento do que o comboio, mas oferece outras perspectivas.
Corniglia Riomaggiore
Aluguei carro em La Spezia, e devolvi no mesmo local. A diferença de preço entre alugar em La Spezia e Florença era enorme, e mais do que compensou o preço dos bilhetes de comboio. É comum ouvir dizer que o trânsito em Itália é uma loucura e que os condutores não são fiáveis. Pessoalmente, não achei que o comportamento nas estradas italianas fosse fora do normal. E apenas apanhámos um engarrafamento na auto-estrada, no último dia do roteiro na Toscana, provocado por obras. No entanto, é preciso ter cuidado com o sistema de estacionamento, que em muitos sítios é gratuito apenas por uma hora, mesmo nas terrinhas pequenas. Os carros têm um dístico no pára-brisas, onde é necessário marcar a hora de chegada, e não convém ultrapassá-la porque há de facto vigilância, sobretudo nos lugares mais procurados. Nas localidades mais turísticas, os estacionamentos que ficam à entrada dos centros históricos são sempre pagos.
Quanto aos comboios, há que notar que não são baratos, sobretudo os rápidos (Frecciarossa, Frecciargento e Frecciabianca). Nos que não são rápidos, por vezes há atrasos, o que pode complicar a viagem se for necessário apanhar mais do que um. Ao comprar o bilhete (o ideal é comprar online, já que as máquinas são um bocado complicadas e nas grandes estações as filas são sempre enormes), a reserva é logo feita para todos os comboios que será necessário apanhar para chegar ao destino final, e um atraso pode pôr em risco a ligação ao comboio seguinte. Passei por essa experiência num percurso que implicava três comboios, e só por sorte não perdemos o último. Como têm muita procura, sobretudo os que fazem percursos maiores e na época alta, convém reservar com alguma antecedência, porque por vezes já estão esgotados um ou dois dias antes da data.
Os alojamentos
Mais uma vez, sobretudo por ser época alta, decidi sair daqui já com tudo marcado – num país com tanto turismo, o risco de ficar sem grandes opções de escolha é sempre real, e marcar com antecedência acaba por ser menos um factor de preocupação. Na maior parte dos casos ficámos em alojamento local e só raramente em hotel. Seja qual for o caso, os preços são um bocado altos e não incluem pequeno-almoço, que tem sempre de ser pago à parte (quando há essa opção) e também não é barato. Mas como a comida é de um modo geral cara, acaba por valer a pena aproveitar o que o alojamento propõe, sobretudo porque se poupa o tempo de andar à procura de um sítio para comer logo de manhã.
O roteiro
Apesar de serem duas semanas, planear esta viagem foi um pouco como tentar meter o Rossio na Rua da Betesga: há tanto para ver que para fazer uma selecção entre o que se visita e o que se deixa de fora é preciso ter alguma força de vontade. Quero sempre ver tudo, faço pesquisas, ouço sugestões, e acabo com uma lista interminável de sítios para conhecer; mas gosto de viajar devagar (mesmo assim, nunca é tão devagar como eu quereria), e portanto tenho de fazer escolhas, que me deixam na dúvida sobre se estarei a descartar algum lugar interessante em detrimento de um outro de que se calhar não vou gostar tanto. Enfim, são os dilemas de viajar…
Calculo que estranhem não ter incluído Pisa neste roteiro – e passei lá perto duas vezes. Foi uma escolha intencional, por causa de opiniões de quem já lá esteve e diz que a cidade não tem nada de interessante – tem a Torre e a igreja, ambas inclinadas, muita gente a tirar fotografias, e nada mais. Foi um dos sítios que ficou de reserva para o caso de ter tempo, mas como no último dia em que tivemos carro apanhámos o tal engarrafamento de que já falei, acabámos por não ter oportunidade para parar em Pisa. Não estou arrependida, e tenho mais pena de não ter tido tempo para ver outros lugares.
Este foi o roteiro completo:
Dia 1: Voo Lisboa-Milão; comboio Milão-Levanto-Vernazza
Dia 2: Vernazza; Riomaggiore; Manarola; Corniglia; Monterosso; Vernazza (sempre de comboio)
Dia 3: Vernazza; La Spezia; Verrucola; Piazza al Serchio; Pontecosi; Castelnuovo di Garfagnana; Barga; Lucca
Dia 4: Lucca
Dia 5: Lucca; Lari; Palaia; Certaldo; Volterra
Dia 6: Volterra; San Gimignano; Colle di Val d’Elsa; Monteriggioni; Siena
Dia 7: Siena
Dia 8: Siena; Montalcino; Bagno Vignoni; Madonna di Vitaleta; Pienza; Montepulciano
Dia 9: Montepulciano; Sinalunga; Monte San Savino; Arezzo; La Spezia
Dia 10: La Spezia; Florença
Dias 11 e 12: Florença
Dia 13: Comboio Florença-Bolonha
Dia 14: Bolonha
Dia 15: Comboio Bolonha-Florença; voo Florença-Lisboa
Certaldo Verrucola
O que mais me surpreendeu
A maior surpresa de toda a viagem foi sem dúvida Bolonha. Adorei o ambiente da cidade, onde o muito antigo e o mais recente convivem em absoluta harmonia. Tem muita gente jovem, muitas bicicletas, uma arquitectura característica, e um centro histórico interessante e bem preservado. Não é uma cidade de que se ouça falar como destino turístico de excepção, mas merecia ser.
O melhor da viagem
Toda a região do Val d’Orcia é ainda mais bonita ao vivo do que nas fotografias. As colinas ondulantes, cor de palha, com os ciprestes escuros alinhados ao longo das estradas de acesso às quintas, ou agrupados no meio do nada… O contraste é tão grande que parece irreal.
Montepulciano é um encanto, é tal e qual a Toscana do meu imaginário. Também gostei muito de Volterra, uma vila bonita, bem conservada e com muita vida. Bagno Vignoni tem uma atmosfera bucólica e relaxante, apetece ficar por ali a “esplanadar”, ou a ler um livro à sombra, passar uns dias dedicados ao dolce far niente. Barga, uma vila muito antiga de que nunca tinha ouvido falar até começar a preparar esta viagem, foi outra boa surpresa.
Volterra Montepulciano
Bagno Vignoni Barga
Em Pontecosi, junto ao lago com o mesmo nome, há uma zona de lazer perfeita para desligar do exterior e simplesmente “estar”. Foi um dos lugares mais agradáveis de toda a viagem, embora na verdade seja um sítio muito simples e sem nada que se possa considerar excepcional.
A Catedral de Siena é um dos monumentos religiosos mais bonitos que já visitei até hoje. Exteriormente, não é tão impressionante como a de Florença, mas o interior é maravilhoso – muito mais do que o de outras catedrais bem mais famosas.
Salvo algumas excepções, as igrejas estão todas abertas. Há imensas, de todas as espécies e em todos os estilos, na sua maioria muito antigas. Além de serem artística e historicamente interessantes, foram sempre um intervalo agradável longe do calor que se sentia na rua.
Monte San Savino
As Cinque Terre não desiludiram, apesar de estarem um bocado cheias de gente e demasiado viradas para o turismo.
Vernazza Manarola
Estranhamente, porque também é uma localidade quase exclusivamente dedicada ao turismo, gostei mais de San Gimignano do que estava à espera. Talvez por não haver carros, ou porque as torres criam uma paisagem visual diferente… Não consigo explicar bem a razão, mas gostei.
O facto de qualquer restaurante, café, chafarica ou seja o que for ter mesas na rua e à sombra. Tomar o pequeno-almoço num jardim ou varanda, almoçar à sombra das árvores, lanchar numa rua sossegada ou jantar à luz dos últimos raios de sol, foram momentos privilegiados de descanso e convívio durante toda a viagem.
Bolonha Certaldo
E já disse que adorei Bolonha?
O assim-assim da viagem
Por uma questão prática que teve a ver com o aluguer do carro, deixei Florença para depois do roteiro na Toscana. Talvez por isso, porque já tinha passado vários dias em ambientes semelhantes, a cidade impressionou-me menos do que estava à espera. Não me desiludiu: a arquitectura é maravilhosa, ver a escultura original do David foi um desejo tornado realidade, o exterior da Catedral deixou-me de boca aberta, e comer um gelado de caramelo salgado (o melhor gelado do mundo!) enquanto via o pôr-do-sol a partir de uma das pontes sobre o Arno reconciliou-me definitivamente com a vida. Mas não senti aquele clique de afinidade que aconteceu noutros lugares. Ou talvez fosse porque havia muita gente por todo o lado e às vezes parecia-me sentir no ar um certo frenesim, que não condiz nada com o meu espírito de férias. Tal como também me sucedeu em Siena, outra cidade lindíssima mas muito movimentada.
Algumas das vilas toscanas que visitei revelaram-se menos interessantes do que eu esperava. É certo que todas elas têm edifícios históricos e uma atmosfera própria, mas não as achei particularmente bonitas ou estimulantes. É o caso de Castelnuovo di Garfagnana, que me pareceu demasiado agitada e urbana, e também de Palaia, Lari, Monteriggioni e Sinalunga, que achei um bocado insípidas.
Palaia Lari
O menos bom da viagem
Definitivamente, os milhares de degraus e as ladeiras que é preciso subir em quase todo o lado. Vale muito a pena o esforço, porque as vistas são maravilhosas, tanto as rurais como as urbanas, mas aumentam o factor cansaço, sobretudo quando além disso também andamos quilómetros.
Barga Corniglia
O facto de estar bastante calor não ajudou, e fez aumentar o esforço. É muito agradável poder andar com roupa leve e ter noites com temperaturas amenas em que nem sequer um casaco de malha faz falta, mas o calor excessivo constante (na ordem dos 20 e muitos ou mesmo mais de 30 graus nas horas do meio do dia) torna a viagem mais cansativa. Note-se que eu gosto muito de calor, mas para estas viagens fisicamente mais exigentes acaba por atrapalhar.
O “coperto” e/ou o “servizio” que os restaurantes cobram na conta final. São valores de pagamento obrigatório, desde que estejam indicados no menu, e aumentam bastante o preço da refeição. Normalmente só cobram um ou outro, mas aconteceu-nos cobrarem ambas as taxas. O “coperto” varia geralmente entre 1,5 e 2,5€ por pessoa, mas em Bolonha (onde estive sozinha) cobraram-me 4€! Habitualmente colocam pão na mesa, assim como que para justificar o valor, mas nem sempre. Quanto ao “servizio”, é menos comum, e anda entre os 10 e 15% do valor total. Se somarmos a isto sobremesas a 6€, um copo de vinho por 5€ ou mais (nem vale a pena pensar em garrafas…!) e cafés a 1,5€, dá para perceber que é fácil uma refeição ficar pelo dobro do preço do prato principal. E não contem com doses para duas pessoas, que isso é coisa que não existe, embora na maior parte dos casos os pratos venham bem servidos.
Esta prática de acrescentar valores que não se justificam também é seguida noutros sítios. Para a Galleria dell’Accademia além do preço normal do bilhete, que já não é pequeno (12€), cobraram mais 4€ por cada reserva – sendo que a “reserva” foi chegar lá e dar o nome a uma senhora, que verificou a hora para que havia bilhetes disponíveis (online já estavam esgotados), e nos passou para a mão um papelinho com um número que apresentámos depois na bilheteira à hora estipulada (menos de 1 hora mais tarde). Se tivéssemos reservado online, teríamos pago o mesmo valor de reserva. Como os visitantes são muitos, não há qualquer outra hipótese de conseguir bilhete – o que significa que temos sempre de pagar 16€, em vez dos supostos 12€.
Onde gostaria de ter ficado mais tempo
A conselho de quem já lá tinha estado, reservei apenas um dia para as Cinque Terre. É verdade que deu para ver tudo (de comboio, são apenas poucos minutos entre cada aldeia), mas gostava de as ter conhecido com mais vagar, para apreciar melhor cada uma delas. Mais um dia ou dois seriam o ideal.
Também ficaria mais uns dias em Lucca. É uma cidade bonita, não demasiado turística, e com o equilíbrio certo entre animação e tranquilidade. Tem muito para conhecer e visitar, de preferência com calma e tempo, para a experiência ser menos cansativa.
A Montepulciano já chegámos quase ao fim do dia, por isso só fomos conhecer melhor a vila na manhã seguinte, antes de irmos para outras paragens. Soube-me mesmo a muito pouco…
Bagno Vignoni também foi uma visita de passagem, mas seria um lugar óptimo para descansar durante uns dias.
Decidimos parar em Arezzo no último dia do roteiro na Toscana, antes de regressar a La Spezia. Tínhamos algumas horas disponíveis, que obviamente apenas foram suficientes para ver uma parte do centro histórico. Gostei da cidade, e merece sem dúvida uma visita mais prolongada.
Também não me importava nada de ter estado mais uns dias em Bolonha, e irei certamente regressar um dia a esta cidade.
***
Dizer que esta viagem me deixou encantada é dizer pouco. Foram duas semanas de imersão numa cultura que é muito próxima da nossa, em certos aspectos, mas tem diferenças suficientes para que uma viagem seja tudo menos monótona. Poderia ter lá ficado mais tempo sem me fartar – e acho também que é um daqueles países em que conseguiria gostar muito de viver.
Irei publicar posts mais detalhados sobre estas duas semanas por terras italianas. Fiquem por aí, podem ter a certeza de que vão ter vontade de ir conhecer este pedaço da Itália. Perguntem tudo o que quiserem saber, e se já conhecem, deixem nos comentários a vossa opinião e sugestões de outros lugares que valha a pena visitar nesta região.
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