Dias tranquilos em Annecy
Sabem aquelas alturas em nos apetece desanuviar, mudar de ambiente durante uns dias, ver um lugar diferente do habitual, mas ainda assim não gastar demasiadas horas em viagem e poder passear com calma e descansar? A solução ideal está numa única palavra: Annecy.
Annecy surgiu-me por acaso, quando um dia dei de caras com uma foto do Palais de l’Isle – que é provavelmente de certeza o edifício mais fotografado da cidade – e depois de meia dúzia de pesquisas entrou para a minha lista dos sítios a visitar logo que pudesse. Aproveitei uma ponte, meti mais um dia de férias, e lá fui eu.
Uma vez mais, o meu instinto não me deixou ficar mal. À chegada ao terminal dos autocarros, Annecy pareceu-me à primeira vista uma cidade normal e algo pacata. Mas assim que passámos na ponte sobre o rio Thiou, a caminho do hotel, a minha percepção mudou completamente.
Annecy define-se pela água. Chamam-lhe “a pequena Veneza dos Alpes”, mas francamente não tem nada a ver com Veneza. (Aliás, chamar a uma cidade “a Veneza de qualquer coisa” é um desmerecimento para ambas – para a original, e para a suposta cópia.)
Define-se pela água do Thiou, um dos rios mais pequenos de França, que apenas viaja três quilómetros e meio até desaguar no rio Fier, a norte da cidade. Em Annecy, o Thiou divide-se em volta de umas ilhotas minúsculas, e mão humana engenhosa aproveitou as águas para o ramificar num braço maior, o canal do Vassé (que em tempos alimentou o fosso das muralhas da cidade) que ora desaparece, ora aparece, originando mais dois ou três pequenos canais antes de finalmente se reunir ao Thiou. Foram estes cursos de água que permitiram alimentar as oficinas e manufacturas da cidade, cujas sedas atingiram grande fama no séc. XIX, e são eles que dão ao centro histórico de Annecy o seu ambiente peculiar.
E define-se também (e principalmente) pelo Lago de Annecy, onde o rio Thiou tem origem e em cuja margem norte a cidade se aninha. É fascinante esta grande massa de água rodeada de montanhas, onde a neve espreita dos picos mais altos – mesmo quando cá em baixo o sol queima a pele. É no lago e à volta dele que (quase) tudo se passa, é para ele que os nossos olhos convergem assim que nos aproximamos, é nas suas margens que a cidade respira e as pessoas se libertam.
Por ser uma cidade pequena, Annecy explora-se idealmente a pé e sem pressas. Mas apesar da sua aparente pacatez, não se pense que é monótona. Há muito para ver e fazer, e para todos os gostos.
Passear no centro histórico. Se fizerem uma pesquisa na net sobre Annecy vão encontrar imagens lindíssimas – e fiquem já a saber que correspondem inteiramente à verdade (apesar de muitas estarem bastante “photoshopadas”). As flores por todo o lado existem mesmo, assim como as ruas pedonais estreitas e cheias de lojas e restaurantes, os recantos com pormenores deliciosos, as esplanadas, as casas em tons ocres e rosados, as arcadas de pedra, as bicicletas, os cisnes no canal… está lá tudo, só que em muito melhor, por ser ao vivo.
Um bom ponto para começar o passeio é no Quai de l’Évêché, seguindo junto ao canal até chegar o Palais de l’Isle à direita. Uma ponte minúscula liga a rua ao palácio, que na verdade de palácio tem pouco e parece mais uma fortaleza. Na realidade, foi desde o séc. XII essencialmente uma prisão, função que acumulou com outras – residência, finanças, palácio da justiça – e isso explica o seu aspecto robusto. Só deixou de ser prisão após a Segunda Guerra, e actualmente está aberto ao público como museu e espaço expositivo.
Seguindo para a esquerda, o centro histórico é plano e estende-se até pegar com a parte nova da cidade. Em poucas centenas de metros quadrados encontramos várias igrejas, todas de épocas diferentes, e a Catedral de S. Pedro, que não é de perto nem de longe o edifício religioso mais chamativo ou bonito de Annecy. Bem mais imponente é a Igreja de Nossa Senhora de Liesse, que fica praticamente ao lado, apenas separada por um canal, com o simpático Jardin de l’Évêché atrás e um largo com uma engraçada fonte-obelisco à frente.
É também aqui que começa a zona pedonal com mais comércio e menos “turística” do bairro histórico, a partir do cruzamento onde se situa o Puits Saint Jean (Poço de S. João), velho de seis séculos, escavado pelos cavaleiros da Ordem de S. João de Jerusalém e várias vezes destruído e reconstruído até ser classificado como monumento histórico em 1976.
Do outro lado do canal do Thiou, corre paralela a Rue Sainte-Claire, cheia de cafés e restaurantes, e onde às terças, sextas e domingos se instala o mercado ao ar livre, no largo que tem o mesmo nome. Quando a rua termina encontramos à direita uma subida íngreme que nos leva ao Castelo.
Visitar o Castelo de Annecy (https://www.tourisme-annecy.net/chateau-annecy.html). Cidade histórica a sério tem de ter um castelo, e o dito cujo tem de ficar num ponto alto. Por isso, toca a subir… A vantagem principal é poder ver a cidade de cima. Apesar de rodeada de montanhas, Annecy é substancialmente plana, e o castelo é dos raros sítios de onde se pode ter uma perspectiva ampla sobre os telhados das casas, bastante inclinados, com as suas telhas vermelhas escuras e lisas. Para a direita, o contraste do azul da água do lago, e as montanhas em cinza e verde.
Não é um castelo particularmente fascinante do ponto de vista estético, mas oferece um espaço simpático. Construído sobre uma escarpa a partir de algures no séc. XII, funcionou como residência e como caserna militar, até ser desafectado destas suas funções nos anos 50 do século passado e a partir daí transformado em museu. Tem várias colecções, mostradas em espaços separados - arte regional e religiosa, objectos etnográficos, arte contemporânea - e um observatório regional dos lagos alpinos, onde ficamos a conhecer todas as especificidades deste sistema ecológico.
Passear à volta do lago. O Lago de Annecy é um dos lagos mais limpos do mundo e o lago urbanizado (com uma bacia hidrográfica habitada) mais puro da Europa. A sua água é considerada potável, por isso a água canalizada distribuída na cidade provém directamente do lago – e se já estão a franzir o nariz à ideia, saibam que a taxa de nitratos e de pesticidas desta água é muito inferior à que é autorizada para as águas engarrafadas. Aliás, esta pureza excessiva (fruto dos investimentos feitos na recolha e depuração de todas as águas usadas em rigorosamente todos os municípios que se situam em redor do lago) está agora a criar um outro problema ecológico: a diminuição do zooplâncton e dos nutrientes presentes na água tem vindo a causar um decréscimo na quantidade de peixes presentes no lago e no seu tamanho. A transparência da água vai até aos 14 metros de profundidade (sendo que a profundidade média do lago pouco ultrapassa os 40 metros), e a penetração dos raios solares até zonas mais fundas provoca uma redução do oxigénio diluído na água, o que afecta igualmente a sua fauna. Também a população de patos e cisnes tem vindo a diminuir, em virtude do menor desenvolvimento das plantas aquáticas por culpa da falta de fosfatos.
Tivemos a sorte de praticamente não ter chovido durante os dias que passámos em Annecy, apesar de a previsão meteorológica não ser das mais favoráveis. Mas a Primavera é mesmo assim, promete chuva e depois traz sol e calor, e com este súbito bom tempo as margens do lago transformaram-se numa espécie de local de romaria para onde toda a gente convergiu, miúdos e graúdos, cães, atletas, turistas como nós… Annecy parecia estar em festa.
Ao sair do centro histórico, o primeiro sítio junto ao lago que chama a atenção é o Parque Jardins de l’Europe. É um lugar agradabilíssimo, com árvores muito altas, enormes canteiros com túlipas de todas as cores, bancos e relva para descansar. Em frente, a Ilha dos Cisnes, um pequeno maciço artificial completamente arborizado.
A paisagem, os canais, o lago, as flores, os recantos, os cisnes, tudo faz de Annecy uma cidade muito romântica. Não fosse tudo isto suficiente, ainda há mais um motivo: a Ponte dos Amores, que liga os Jardins da Europa ao extenso parque que dá pelo nome de Promenade Jacquet. É uma ponte pequenina e simples, com protecção em ferro forjado, sem nada de muito especial a não ser o nome e a vista para o canal do Vassé de um lado e o lago do outro, mas claro que é sítio obrigatório de paragem para mais umas fotos.
Continuámos o passeio sempre à beira do lago, na avenida arborizada que nos levou até um outro parque junto ao magnífico e já centenário Hotel Impérial Palace, um edifício de linhas clássicas que se orgulha de ter alojado figuras ilustres de todo o mundo. Foi aqui que encontrei o spot que elegi como o meu preferido de Annecy: uma espreguiçadeira em madeira, à sombra (contrariando as previsões, o dia estava fabuloso, melhor que muitos dias de Verão), com vista para o lago e para a avenida, e um ambiente muito tranquilo. Simplesmente magnífico!
Depois do hotel, a praia de Albigny. É verdade que não é bem uma praia, pelos nossos padrões, mas é o que Annecy tem de mais parecido, e naquele dia surpreendentemente bom estava cheia de gente.
O lago também estava bem movimentado, com regatas, barcos de recreio e praticantes de stand-up paddle.
O caminho pedonal de cimento transforma-se depois em passadiço de madeira, a seguir em trilho de terra batida, e depois novamente em passeio cimentado junto à estrada, onde começa a afastar-se da orla do lago para dar lugar às propriedades privadas, onde as casas se escondem atrás de árvores e muros altos e os relvados terminam na água.
Um passeio de barco. A Compagnie des Bateaux du Lac d’Annecy (https://www.annecy-croisieres.com/) possui várias embarcações que nos levam a conhecer o lago e as suas margens de uma outra perspectiva. Têm percursos de uma ou duas horas, com várias saídas ao longo do dia (dependendo da época do ano), e é também possível fazer o passeio enquanto se almoça ou janta. O jantar é a opção mais sofisticada, pois inclui soirée dançante. Ao longo do percurso há um guia que vai mostrando os pontos mais interessantes do percurso e dando todas as informações sobre o lago. O circuito de duas horas contempla paragens entre 10 e 20 minutos em várias localidades situadas nas margens do lago e é possível sair e entrar à vontade (tipo “hop on-hop off”), mas só é disponibilizado nas épocas média e alta. Os barcos têm uma parte interior e outra exterior – que é a que enche mais depressa (por isso convém ir cedo para a fila, se fizerem mesmo questão de ir no exterior). Também convém comprar os bilhetes com bastante antecedência, porque geralmente esgotam, pelo menos nas horas mais populares.
O rio Thiou atravessa toda a cidade, e mesmo fora do centro histórico vale bem a pena passear junto à margem, por onde se estende uma espécie de parque arborizado com um percurso pedonal e ciclável, muito bonito e agradável.
Outros passeios. A sul do centro histórico, também num ponto alto, a Basílica da Visitação impõe o seu volume sobre a cidade, uma silhueta elegante facilmente identificável desde longe, com os cumes do monte Veyrier, dos Dents de Lanfon e da Tournette a servirem-lhe de cenário de fundo. Terminada em 1930, tem ao lado mosteiro com o mesmo nome, ainda em actividade. Abriga os túmulos de Francisco de Sales e de Joana de Chantal, os co-fundadores da ordem, e a sua torre imponente atinge 72 metros em altura.
Fora da cidade há muitas hipóteses de percursos pedestres (hei-de aqui falar-vos de um deles) e para quem for de carro ou quiser alugar um, há uma grande variedade de locais a descobrir, desde estâncias de Inverno nas encostas das montanhas até lugares de veraneio nas margens do lago, ou mesmo outras cidades e vilas que distam relativamente poucos quilómetros de Annecy.
Como chegar a Annecy:
Os aeroportos mais próximos são os de Lyon (125 km) e de Genebra (cerca de 45 km). Nós optámos por Genebra; apesar de ser noutro país, as ligações acabam por ser mais fáceis. Do aeroporto, o comboio deixa-nos 10 minutos depois na Gare Cornavin, em pleno centro da cidade, e dali basta seguir em frente descendo a Rue des Alpes até chegar ao largo onde se encontra a Gare Routière. A empresa Flixbus tem autocarros regulares que ligam Genebra a Annecy várias vezes por dia em cerca de 50 minutos, sem paragens, bastando para isso comprar o bilhete online antecipadamente (porque às vezes esgotam) e imprimir o voucher ou levar a reserva na aplicação que a Flixbus tem para smartphones. Não é possível comprar o bilhete no local (não existe escritório nem bilheteira da Flixbus) nem ao motorista. Se tiverem receio de algum atraso no voo e não quiserem comprar com muita antecedência, esperem até ao início do embarque no avião (para terem a certeza das horas a que o voo chega) ou então procurem um lugar com rede wifi no aeroporto de Genebra e comprem os bilhetes através da aplicação. Atenção: o roaming de dados incluído nos nossos pacotes não se aplica à Suíça, porque este país não pertence à EU; ou seja, quando usamos os dados móveis na Suíça vamos ter de os pagar à parte, e a peso de ouro. Portanto, toca a desligar os dados móveis antes de sair de Portugal e só voltar a ligá-los já depois de entrar em França, caso contrário preparem-se para a factura. Apesar de poderem ser comprados por uma única pessoa, os bilhetes são individualizados (são reservados com o nome de cada pessoa) e por isso é preciso mostrar uma identificação ao motorista. Em Annecy o autocarro pára mesmo junto à estação de comboios, numa zona muito central da cidade e bastante perto do centro histórico.
Onde comer:
A dificuldade está na escolha, porque porta sim porta não há um restaurante, um café, uma gelataria, um bar... Quem for amante de queijo (que não é de todo o meu caso) estará certamente no paraíso, que aqui nota-se nitidamente a influência da paixão da vizinha Suíça pelas raclettes. Aparte isso, há de tudo para todos os gostos e para todas as bolsas – nunca esquecendo que os preços são sempre mais altos do que os nossos porque estamos em França, e porque estamos numa cidade muito turística.
Nos vários dias que passámos em Annecy tentámos ir variando, mas acabámos por repetir alguns sítios de que gostámos mais, e que obviamente aconselho.
Les Tables (http://les-tables.com/) – Nas arcadas da Rue Sainte-Claire, interior agradável decorado em estilo rústico, pessoal muito simpático, serviço rápido e comida bem confeccionada. Sem dúvida o melhor sítio onde comemos.
231 East Street (https://www.231-east.fr/restaurants/6/annecy) – Também na mesma rua, pertence a uma cadeia de hamburguerias mas está alguns furos acima do habitual, e é óptimo para quando não há muito tempo para comer. A carne dos hambúrgueres é excelente.
Crêperie du Thiou – Em frente à igreja de S.Francisco de Sales e ao lado do canal e do Palais de l’Isle, é ideal para um lanche ou para quando não há muito apetite. Os crepes são óptimos – ainda melhores quando acompanhados de um chá – e também têm saladas e outras coisas leves.
Outros sítios onde comemos: La Galéjade (bem localizado, mas demasiado caro para a qualidade da comida, que é apenas razoável); CreaBistro (comida asiática em estilo fast food, razoável); Crêperie Kastell (na Rue Perrière, crepes e outras comidas leves, razoável).
Onde ficámos:
Como não tínhamos intenção de alugar carro, optámos por um hotel situado mesmo à entrada do centro histórico, paredes-meias com a Rue Sainte-Claire. O Adonis Annecy Icone Hotel (http://www.adonis-hotel-annecy.com/) é um hotel simples mas suficientemente confortável, instalado num edifício do séc. XVI cujo interior foi completamente modernizado. Os empregados são simpáticos q.b. e o pequeno-almoço é suficiente, mesmo não sendo muito imaginativo – e foi-nos oferecido como cortesia quando fizemos o check-out.
E então, já estão a fazer planos para a próxima viagem? Seja para Annecy ou outro lugar, já sabem: o importante é ir.
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