Diário de uma viagem à Costa Rica XVI
Dia 16
Seis e meia da manhã mas o sol já ia alto quando saímos de Orosí. Tínhamos planeado um dia bastante cheio e não queríamos perder tempo, pelo que parámos numa espécie de padaria, perto de Cartago, para tomarmos um café e comprarmos mantimentos para comer durante o dia. O nosso primeiro objectivo era o vulcão Irazú e queríamos estar lá assim que as portas do Parque abrissem.
Com 3432 metros de altura, o Irazú é o vulcão mais alto da Costa Rica e ainda está activo, apesar de adormecido desde a última erupção, em 1963-65 (precisamente no dia em que o país recebia a visita do Presidente Kennedy). Existem quatro crateras, a principal das quais tem 300 metros de profundidade e 1050 metros de diâmetro, e revela no fundo um lago de cor verde-esmeralda. O parque é grande mas quase não tem vegetação nem grande variedade de vida selvagem, pelo que antes das oito e meia já estávamos de regresso ao estacionamento. E foi então que tivemos um dos “encontros imediatos” mais engraçados de toda a viagem. Surgindo de trás de umas moitas e ignorando tudo o que o rodeava, um coatimundi atravessou o parque de estacionamento e dirigiu-se com determinação aos caixotes do lixo de madeira que ali se encontram à disposição dos visitantes, trepando para um deles sem dúvida à procura de comida.
Apesar dos nossos esforços para atrairmos a sua atenção, só nos ligou importância quando lhe oferecemos uns bocadinhos de pão. Familiares dos guaxinins, os coatis têm uma cauda peluda e muito comprida, por vezes do tamanho do próprio corpo, e um focinho afilado. Este possuía uma pelagem espessa entre o preto e o castanho, com peito branco, e fazia lembrar um ursinho ternurento. Depois de chegar à conclusão de que os caixotes do lixo estavam vazios e nós não lhe iríamos dar mais comida, desapareceu tão rapidamente como tinha surgido. Mas eu tinha finalmente conseguido ver um dos bichinhos mais emblemáticos da Costa Rica, onde são conhecidos por pizotes.
O nosso objectivo seguinte era Zarcero, uma cidadezinha situada a 1736 metros de altura na Cordilheira Central, e a mais ou menos 70 km de distância da capital, para noroeste. O problema foi chegar lá. Não houve outra alternativa a não ser atravessar San José, e isso revelou-se quase um pesadelo devido ao trânsito intenso e à falta de placas indicadoras das saídas da cidade. No troço final do percurso para Zarcero, a estrada estreita sobe e continua a subir, em curvas e contracurvas apertadas, e a progressão é lenta principalmente por causa dos muitos veículos de carga que percorrem o trajecto a passo de caracol. Foram quase três cansativas horas para fazermos cento e poucos quilómetros de asfalto, e quando chegámos o depósito do nosso Jimny já acusava o desgaste – a bomba de gasolina foi paragem obrigatória antes de sairmos de Zarcero. Felizmente que a gasolina na Costa Rica é substancialmente mais barata do que cá: custa cerca de 80 cêntimos por litro, para bem do nosso orçamento de férias.
As atracções de Zarcero são indubitavelmente a Igreja de São Rafael e o parque que se situa mesmo em frente. A igreja foi construída no início do séc. XX e é um original edifício com duas torres simétricas, pintado de rosa-salmão com pormenores em azul. O interior tem chão de mosaico formando efeitos coloridos, tecto branco com frisos e medalhões pintados, e colunas também pintadas a imitarem o mármore. Frente à igreja, entre os dois lances de escadas semicirculares que permitem o acesso à entrada principal, foi colocada uma fonte encimada pelo arcanjo que dá o nome à igreja. Tal como a igreja, a fonte foi pintada pelo artista plástico Misael Solís Alvarado (1912-1999) em tons pastel de azul e rosa.
O parque Francisco Alvarado é notável pelo seu jardim de topiaria, concebido e mantido pelo jardineiro Evangelisto Blanco desde os anos 60. Neste parque, inúmeros arbustos foram esculpidos em arco ou numa enorme variedade de outras formas, desde animais até criaturas excêntricas estilizadas e outras abstracções. A igreja ao fundo, em plano mais elevado, e o parque que a enquadra formam um conjunto colorido e original, que surpreende quem chega ao centro da cidade.
De Zarcero a Sarchí são 27 km de estrada rodeada de campos de café, que desta vez fizemos em cerca de meia hora, uma média consideravelmente mais razoável do que o habitual. Sarchí é o centro artesanal mais famoso da Costa Rica, com cerca de 200 lojas e pequenas fábricas espalhadas pela sua área. Para destacar esta característica da região, o Parque Central da cidade exibe a maior carreta do mundo, construída em 2006 com o intuito de colocar o nome da localidade no Livro dos Recordes Guinness, o que efectivamente aconteceu. As carretas pintadas com motivos florais e geométricos são uma das imagens de marca da Costa Rica. Em tempos usadas na vida comercial e agrícola do país, puxadas por bois sobretudo para transportarem o café até aos mercados, hoje têm essencialmente uma função decorativa, quer em tamanho real – vêem-se muitas em jardins ou à entrada de casas ou restaurantes, com as suas enormes rodas de madeira multicoloridas – quer em miniatura como peça de artesanato tradicional para levar de recordação.
A igreja de Sarchí é também um dos motivos para visitar a localidade. Edificada entre 1950 e 1958, insere-se na linha das igrejas “bolo de aniversário” da região, ostenta a cor marfim e está ornamentada com duas torres e inúmeros frisos intrincadamente elaborados e pintados de rosa claro, com uma escadaria de acesso em verde suave. Formando um todo harmonioso, em frente à igreja o piso do Parque está decorado com enormes círculos em cores claras.
A paragem seguinte foi em Grécia, a apenas 8 km de Sarchí. O monumento mais importante da cidade, e principal motivo de visita, é a Igreja Metálica, de seu nome Iglesia de la Nuestra Señora de las Mercedes. Esta original igreja, inteiramente construída com chapas de aço pintadas de vermelho-ferrugem e enfeitada com motivos brancos, foi pré-fabricada na Bélgica no final do séc. XIX, enviada por barco para o porto de Limón e depois transportada peça a peça para Grecia em carretas puxadas por bois. É decorada por dentro com abóbadas e arcos em ogiva em madeira pintada de branco com frisos dourados, e tem um belíssimo altar feito em mármore sólido, ornamentado com inúmeras figurinhas de santos, quase kitsch.
Passava da uma da tarde quando saímos de Grecia e ainda tínhamos de voltar a atravessar San José para regressarmos a Cartago. Gastámos duas horas no trajecto. Não foi difícil encontrar lugar para estacionar mesmo ao pé da Basílica de Nuestra Señora de los Ángeles, o nosso objectivo da visita. Esta catedral tem o nome da santa padroeira do país, também chamada de La Negrita, e é o edifício religioso mais importante da Costa Rica. A lenda conta que em 1635 uma camponesa encontrou uma pequena estatueta de uma Virgem negra numa rocha. Tendo sido levada por duas vezes para casa, a estátua reapareceu miraculosamente outras tantas vezes na mesma rocha. Foi nesse lugar que edificaram a Basílica, destruída por um terramoto em 1926 e reconstruída em 1929. É um edifício majestoso em estilo bizantino, com paredes feitas de aço galvanizado e estucadas com cimento, decorado exteriormente com frisos, arcos e pilares em branco, além de um sem número de anjos e outros motivos ornamentais. A nave em forma de dupla cruz é toda de madeira pintada, com decorações florais de alabastro branco. O tecto mostra uma cúpula octogonal também forrada de madeira e apresenta janelas em toda a volta, que deixam passar a luz do sol. A restante iluminação é reduzida e difusa, produzindo um ambiente envolvente de paz e recolhimento, propício à oração. A pequena estátua de La Negrita (tem apenas 20 cm de altura) está encerrada num belíssimo relicário de ouro e pedras preciosas colocado acima do altar principal. Como não podia deixar de ser, num dos corredores laterais da nave encontrámos um pequeno altar de madeira com embutidos onde pontificava uma estatueta do nosso Santo António de Lisboa (que é internacionalmente referido como Santo António de Pádua), sempre com o seu menino ao colo.
No exterior, dando a volta à Basílica, desce-se até à cripta que contém a rocha onde a imagem da Virgem foi alegadamente encontrada. Uma cópia da estatueta encontra-se colocada sobre ela, ambas devidamente protegidas por um gradeamento de ferro, onde os devotos colocam flores e outras ofertas. Existe também uma nascente de água benta, muito procurada pelos visitantes. O dia 2 de Agosto é o dia da padroeira e milhares de pessoas juntam-se em procissão para percorrerem a pé os 24 km que separam San José de Cartago. Nesse dia, a estátua da Virgem sai do seu relicário e desfila pelas ruas da cidade.
Fundada em 1563 pelo conquistador espanhol Juan Vásquez de Coronado, Cartago foi a primeira cidade e capital colonial da Costa Rica. Destruída pela erupção do Irazú em 1723, voltou a sofrer violentamente com os terramotos de 1841 e 1910. As ruínas da Iglesia de la Parroquia são a memória dos fortíssimos abalos sísmicos que afectaram a cidade ao longo dos séculos: iniciada em 1575, nunca ficou totalmente concluída, destruída que foi cinco vezes por terramotos até ser por fim deixada como está hoje. Actualmente, além da capital religiosa do país, Cartago é apenas uma pouco atractiva cidade agro-industrial.
O dia começava a declinar rapidamente quando regressámos ao vale de Orosí, já bem depois das quatro da tarde. Parámos no caminho para comermos qualquer coisa e tomámos depois a estrada para Ujarrás. Sendo pouco mais que um lugarejo, ficámos surpreendidos com o intenso movimento de pessoas e veículos no acesso à localidade. O mistério não tardou a ser percebido: era dia de festa e já estavam montadas e em actividade inúmeras barraquinhas de comidas e produtos locais. Tivemos de deixar o carro num parque de estacionamento improvisado e firmemente controlado por alguns jovens, que não se coibiram de nos cobrarem 1000 colones (cerca de 1 Euro e meio) pelo direito a estacionar.
Ujarrás alberga as ruínas da mais antiga igreja da Costa Rica, cuja construção primitiva data de 1575-80. O complexo da Igreja de Ujarrás servia de apoio aos peregrinos que se dirigiam a Cartago, e tinha dormitórios, convento, escola e cemitério. A fachada da Iglesia de Nuestra Señora de la Límpia Concepción del Rescate, cujas ruínas se podem hoje observar, tem uma clara influência renascentista, e o edifício foi o primeiro a mostrar um sistema de reforço com quatro contrafortes. Foi destruída numa inundação, em 1833.
Seguindo pela estrada que nos levaria a Orosí, passámos pela represa de Cachí, uma barragem hidroeléctrica abastecida pelo rio Reventazón e por outros riachos que correm das montanhas que começou a funcionar em 1966. Tem configuração em arco, sendo a única do género no país.
Um pouco à frente, do lado esquerdo da estrada, encontra-se a Casa del Soñador. É uma casa estranhíssima de madeira e bambu feita pelo escultor Macedonio Quesada, falecido em 1994 mas cujos filhos ainda seguem hoje a tradição do pai, esculpindo os mais variados objectos e figuras a partir de raízes da planta do café. Na fachada principal, ao lado da porta, um baixo-relevo em madeira representa a Última Ceia, e os pilares e balaustradas ostentam figuras humanas rusticamente escavadas em troncos de madeira. Fomos simpaticamente convidados a entrar e passear pelo atelier, onde acabámos por comprar uma pequena escultura do rosto de um homem com barbas, engenhosamente elaborada para aproveitar a forma da raiz onde foi esculpida.
Por esta altura já eram cinco e meia e as luzes eléctricas faziam a sua aparição. Antes de regressarmos ao Lodge ainda fomos abastecer mais uma vez o depósito do carro – feitas as contas, ao todo tínhamos percorrido mais de 300 quilómetros durante o dia.
Como era a nossa última noite na Costa Rica, decidimos presentear-nos com um jantar típico num restaurante que nos recomendaram no Lodge. Na rua a norte do campo de futebol, quase ao pé da igreja, o restaurante Coto é um dos mais conhecidos e frequentados de Orosí. A noite estava suficientemente amena para optarmos por uma mesa no alpendre coberto. Também ali servem os pratos mais tradicionais em pequenos recipientes sobre um pedaço de folha de bananeira colocada num tabuleiro de madeira com pés. A carne estava apetitosa, acompanhada pelos sempiternos arroz, feijão e batatas fritas, além de muitas verduras. E, como já se tinha tornado um hábito, sumo de “guanávano” para acompanhar.
Ainda não tínhamos ido embora, mas a verdade é que as saudades já começavam a apertar.
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