Diário de uma viagem à Costa Rica XIV
Dia 14
Levantámo-nos cedo para tomar o pequeno-almoço e fazer algumas compras nas tendinhas de rua. Pouco depois das 10 da manhã já estávamos de volta à estrada, novamente em direcção a sul. O nosso objectivo era ir até Sierpe e daí de barco até ao Parque Nacional de Corcovado, um dos refúgios mais selvagens e menos visitados da Costa Rica.
Menos de uma hora de viagem depois, entrámos na zona dos palmares. A Costa Rica é um dos maiores produtores mundiais de óleo de palma, tendo a exploração da palma africana sido iniciada em grande escala nos anos 40 do século passado com a finalidade de substituir algumas das enormes plantações de banana que estavam a ser dizimadas por pragas. Os palmares ocupam agora vastas áreas do território, especialmente nesta região, e percorremos por vezes vários quilómetros com palmeiras de um lado e do outro da estrada até onde a vista conseguia alcançar.
Apenas com uma curta paragem em Punta Dominical para darmos uma vista de olhos à praia – também conhecida pelas excelentes condições para a prática do surf – os 120 km entre Manuel Antonio e Sierpe foram cumpridos em menos de três horas. O céu mostrava-se carregado de nuvens, a ameaçar chuva, pois a região é uma das mais húmidas do país. Quando chegámos a Sierpe tivemos a desagradável notícia de que o último barco para o Parque de Corcovado tinha sido às 11 horas, e como não tínhamos feito reserva no hotel onde pensávamos alojar-nos, teríamos de ficar mesmo por ali.
Sierpe é uma localidade muito pequena e tem um ar sonolento, resumindo-se a uma dezena de ruas com casas baixas e de aspecto pouco atractivo, que na sua maioria abrigam lojas e escritórios de empresas de serviços, muitos deles ligados ao turismo. Situada no luxuriante vale de Diquis, serve essencialmente como porto de rio e é a principal porta de entrada para a maior reserva de mangais da América latina, o Humedal Nacional Térraba-Sierpe, localizado na confluência dos dois rios com os mesmos nomes.
Após um breve “reconhecimento do terreno”, decidimos tentar encontrar um lugar agradável para nos alojarmos. Um letreiro na estrada para Palmar Sur, por onde tínhamos chegado, indicava o Eco Manglares Sierpe Lodge. Para lá chegar foi necessário atravessar o rio Estero Azul, passando sobre uma pequena ponte com um ar decrépito e que não inspirava muita confiança – a curta travessia foi feita cuidadosamente, e mesmo assim sentíamos a estrutura a balançar de modo preocupante. Soubemos depois que a ponte existe há várias dezenas de anos sem nunca ter havido qualquer problema e que, a despeito do seu ar frágil, aguenta até com os maiores veículos.
O Sr. Eduardo, um dos donos do eco-resort, recebeu-nos amavelmente no seu escritório e prestou-nos várias informações sobre a zona e a história da sua família antes de nos levar ao nosso quarto – na realidade um grande bungalow de madeira erguido sobre estacas e pintado de amarelo e verde, perfeitamente integrado na vegetação abundante e variada do enorme jardim onde se encontram a grande casa principal e as várias cabinas. A decoração do quarto condizia com o ambiente circundante, com chão e paredes de madeira escura envernizada e três camas parcialmente feitas com troncos de árvores. Grandes cortinas de algodão alinhado branco com aplicações bordadas pendiam das janelas. Como habitualmente, a parte superior das paredes em toda a volta do quarto mostrava-se aberta, facilitando a circulação do ar, tendo um gradeamento de madeira pintada forrado de rede fininha, para evitar a passagem dos insectos.
Quando acabámos de nos instalar já passava das três da tarde e estávamos esfaimados. A conselho do Sr. Eduardo, fomos almoçar ao Las Vegas, que além de café e restaurante funciona também como loja de recuerdos e agência organizadora de excursões. Sentados numa espécie de grande varanda semi-fechada sobre o rio Sierpe, almoçámos olhando os enormes maciços de jacintos-de-água que desciam com a corrente, o caudal do rio subitamente engrossado pela enorme chuvada que começou a cair entretanto. Num barquito azul, uma mulher abriu o chapéu para se proteger da chuva, enquanto o homem colocava o motor a trabalhar, e lá foram eles rio acima.
O tempo não melhorou durante o resto da tarde, e acabámos por decidir descansar no quarto. À noite fomos até Palmar Sur, cerca de 15 km a norte de Sierpe, para levantar dinheiro no multibanco e comer qualquer coisa. Palmar Sur está separada de Palmar Norte pelo rio Térraba, o maior rio da Costa Rica, e as duas localidades são unidas por uma ponte metálica, do género das que são tão comuns na América Central e do Sul. Nenhuma das localidades é particularmente atraente, mas Palmar Sur tem um pequeno aeroporto doméstico que assegura ligações rápidas a San José – cerca de 40 minutos – aos muitos turistas que visitam diariamente a península de Osa e o Parque Nacional de Corcovado.
O bar La Pista, que também nos tinha sido recomendado pelo Sr. Eduardo, é uma casa de madeira com aspecto decrépito e um interior mantido à media luz, mas por volta das sete e tal da noite, quando entrámos, encontrava-se cheio de fregueses locais que bebiam, comiam e discutiam animadamente um jogo qualquer que passava na televisão. As mesas eram poucas e estavam ocupadas, pelo que tivemos de comer ao balcão, encarrapitados em cima de uns bancos altos de madeira. O menu não mostrava muitas opções e consistia exclusivamente em pratos verdadeiramente típicos, cujos nomes bem podiam estar escritos em chinês porque não fazíamos a mínima ideia do que eram. Depois de alguns esclarecimentos, lá escolhemos dois pratos, um deles uma espécie de sopa com carne e vegetais a que chamam “olla de carne”.
Cá fora, mesmo ao lado do bar, uma enorme e velha locomotiva de comboio, daquelas ainda a vapor, estava colocada sobre o que restava de uns carris. Não percebi se tinha sido ali posta de propósito, ou simplesmente deixada ficar depois de desmantelada a via férrea que em tempos servia para escoar as bananas produzidas nas inúmeras plantações da região. Do outro lado da estrada, um pequeno jardim arrelvado com árvores, alguns bancos e várias pedras esféricas de dimensões consideráveis espalhadas pela relva. Um letreiro explicava que aquelas pedras representam as centenas de esferas misteriosas encontradas na região, que datam de há vários milhares de anos e vão desde as que têm o tamanho de uma bola de bowling até outras que chegam a pesar mais de uma dezena de toneladas. Todas elas são monolíticas, ou seja, feitas de um único bloco de pedra, e até hoje os arqueólogos não conseguiram explicar completamente a sua origem ou o motivo da sua existência. Actualmente, estas esferas estão espalhadas por museus e locais públicos da Costa Rica, e algumas foram cedidas para exposições permanentes no estrangeiro.
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