Croácia - diário de viagem XII - Dubrovnik e a ilha da Guerra dos Tronos
Aborrecimento é palavra que não rima com Dubrovnik. Em nenhum sentido. Difícil é mesmo conseguir em poucos dias ver tudo o que vale a pena visitar. Já para não dizer impossível.
Com tanto para ver, há que fazer opções, e foi com este espírito que saímos para o nosso primeiro dia completo em Dubrovnik. Com o fato de banho por baixo da roupa e a toalha no saco, que os planos incluíam praia.
Mas “first things first”, e o mais importante era mesmo ver de dia o que ainda só tínhamos visto à noite: a cidade antiga.
Se à noite as ruas de Dubrovnik são animadas, de dia podem tornar-se insuportáveis – e nem consigo imaginar como será em época alta…! A cidade vive nitidamente do e para o turismo, e o turismo responde-lhe de volta com igual dedicação. Em volta da cidade antiga há carros e autocarros por todo o lado, pequenas bancas onde se anunciam excursões e passeios, e magotes de turistas, muitos deles em grandes bandos, grupos de gente rodeando guias de todas as línguas, uma babel que os nossos antepassados nunca teriam ousado imaginar. Tanta gente acaba por tornar cansativo qualquer passeio, mas o charme e a popularidade de Dubrovnik parecem manter-se imunes (pelo menos em parte) a este excesso de gente.
Voltámos a entrar pela Porta de Pile, encimada pela estátua de São Brás, agora já sem os guardas-figurantes da noite anterior mas com muito mais movimento.
Passámos depois por baixo das muralhas da cidade – que podem ser percorridas (desde que se pague, e não é pouco) e cuja entrada fica logo a seguir, do lado esquerdo – e encontrámo-nos na Stradun, ou Placa, a artéria principal e mais larga da cidade antiga de Dubrovnik.
Dubrovnik, cujo nome inicial foi Ragusa, tem um passado histórico turbulento e esteve sob o domínio veneziano entre os sécs. XIII e XVI. Esta será uma das razões pelas quais na cidade antiga se nota tanto a influência renascentista italiana na arquitectura, apesar das raízes da traça serem nitidamente medievais.
Do lado esquerdo da Stradun ergue-se no início a Igreja de São Salvador, com o Mosteiro Franciscano logo a seguir. Neste Mosteiro existe um Museu e uma farmácia, a mais antiga da Europa ainda em funcionamento: abriu em 1316.
Do lado direito, a Fonte Grande de Onófrio, que foi buscar o nome ao seu arquitecto, o italiano Onofrio della Cava. A água é abastecida pela rede pública, por isso pode ser bebida à vontade.
Em 1667, um enorme terramoto destruiu Dubrovnik na sua quase totalidade, matando 5000 pessoas e marcando o início do declínio da cidade e da República de Ragusa. O Palácio Sponza, situado ao fundo da Stradun, do lado esquerdo, foi um dos poucos edifícios que resistiu à devastação. Abriga actualmente os arquivos históricos municipais. Ao lado do Palácio, a Torre do Relógio, um dos pontos de referência e ex libris da cidade.
A Stradun transforma-se depois na Praça Luża, com esplanadas repletas de gente e a Coluna de Orlando ao centro, outro dos símbolos da cidade. Durante quatro séculos, foi esta coluna que sustentou a bandeira da república independente de Ragusa. A medida do braço direito da estátua - 51,2 cm - foi durante muito tempo a unidade de medida da região (cúbito ragusano).
Na mesma Praça ergue-se a Igreja de São Brás, patrono da cidade, erigida no séc. XVIII em estilo barroco, e do outro lado o Palácio do Reitor, agora transformado em Museu Municipal.
Nas traseiras da Igreja de São Brás, a Praça Gundulić é outro dos lugares especiais de Dubrovnik. Os pombos competem pelo espaço com as bancas do mercado de rua e no ar sente-se o cheiro a lavanda. A Croácia é também famosa pelos seus campos de alfazema, cultivada sobretudo na ilha de Hvar, e é possível comprá-la sob todas as formas, desde as tradicionais almofadinhas para perfumar gavetas até aos produtos cosméticos mais sofisticados. Ivan Gundulić (1589-1638), cuja estátua ocupa o centro da praça, foi o maior poeta barroco da República de Ragusa e ocupou vários cargos públicos de importância em Dubrovnik. Os altos-relevos que ornamentam a base da sua estátua representam os principais temas e princípios abordados nas suas obras. Está sepultado no Mosteiro Franciscano.
Numa das esquinas desta praça, a Fonte de Amerling (muito danificada durante a Guerra Civil e reconstruída em 1995) é também um dos poisos preferidos dos pombos ragusanos.
Conta a lenda que Ricardo Coração de Leão naufragou quando regressava das Cruzadas em 1192 e foi parar à ilha de Lokrum (e dela já irei falar daqui a pouco). Em agradecimento, quis construir no local do seu salvamento uma grande igreja, mas foi habilmente persuadido pelos governantes da cidade a mudar as suas preferências de localização para Dubrovnik. No entanto, esta igreja foi mais um dos edifícios completamente destruídos pelo terramoto de 1667. No seu lugar foi erigida em 1713 a igreja romano-barroca que resiste até hoje, a Catedral da Anunciação de Santa Maria, cuja planta inicial foi idealizada pelo arquitecto Andrea Buffalini.
O interior da catedral tem vários pontos de destaque, o mais importante e atractivo sendo sem dúvida o políptico que vemos na parede atrás do altar: “A Ascensão de Maria”, da autoria de Ticiano.
E claro que também não poderia lá faltar o “nosso” Santo António, sempre presente em qualquer igreja católica.
A sul da Praça Gundulić, uma imponente escadaria barroca desenhada por Pietro Passalacqua leva-nos até à porta da também magnífica igreja jesuíta de Santo Inácio de Loiola.
As paredes interiores estão decoradas com frescos barrocos que retratam cenas da vida de Santo Inácio, pintadas por Gaetano Garcia, e o efeito é absolutamente impressionante. Numa nota algo estranha, uma das capelas desta igreja reproduz (vagamente, note-se) a gruta da aparição de Lourdes, o santuário mariano francês bem conhecido.
A paragem seguinte foi no porto antigo. Localizado na área leste da cidade, hoje mais parece uma marina do que propriamente um porto. Está protegido por dois pontões: o Porporela, contíguo ao forte de São João, do lado direito de quem desemboca no porto vindo do interior da cidade antiga, e o Kaše, situado perpendicularmente e quase invisível atrás dos muitos barcos ancorados na marina. Construído em finais do séc. XV para proteger o porto em alturas de tempestade, este quebra-mar foi danificado por um sismo em 1979 e depois também na Guerra Civil, tendo sido entretanto restaurado.
O passeio largo que contorna a marina e o Forte de São João até ao Porporela é parcialmente utilizado como “praia”, e além do mais ideal para um passeio romântico a qualquer hora.
Mas a nossa visita ao porto naquela altura teve um motivo bem mais específico do que um simples passeio: é lá que se apanha o barco para a ilha de Lokrum.
Lokrum fica a uns meros 700 metros e 15 minutos de barco a sul de Dubrovnik. É reserva natural e a sua área está coberta quase na totalidade por uma vegetação frondosa – o lugar ideal para passar um dia tranquilo e relaxante, mais ainda se estiver muito calor. E se não houvesse mais motivos para visitar Lokrum, só a viagem de barco já valeria a pena, mesmo sendo curta.
O cais fica quase no extremo sul da ilha, numa enseada também frequentada por outras embarcações particulares. Saúda-nos à entrada um cartaz com o mapa da ilha e os seus pontos de interesse; mais à frente e para nossa surpresa, quem nos dá as boas vindas (embora displicentemente) são os vários pavões que por ali andam a passear. Pavões e mar são uma combinação incomum, mas a verdade é que Lokrum tem uma enorme população destas aves, descendentes de antepassados trazidos das Canárias há cerca de 150 anos, e que disputam a soberania do lugar com os também numerosos coelhos – as escaramuças entre uns e outros são frequentes e agitadas, como testemunhámos.
Mas ainda há mais: tal como a cidade antiga de Dubrovnik, a ilha de Lokrum já foi cenário para as gravações da série “Guerra dos Tronos”, facto que tem sido exaustivamente rentabilizado em termos turísticos. No complexo do antigo mosteiro beneditino visitámos uma exposição sobre a famosíssima série – em que uma réplica do icónico trono de ferro era o elemento principal e onde, como é óbvio, nos sentámos para tirar a fotografia turística da praxe.
As origens do mosteiro beneditino de Lokrum parecem situar-se algures entre os séculos IX e X e a sua história, tal como a de toda a ilha, é riquíssima e demasiado extensa para a contar neste post. Certo é que uma grande parte do edifício ruiu também no devastador terramoto de 1667, e apenas ficaram de pé as alas sul e este, assim como o claustro. Podem conhecer mais pormenores no website oficial de Lokrum, que tem tudo o que há a saber sobre a ilha.
O ar do mar abre o apetite e estávamos mesmo na hora de almoço. Encostado ao mosteiro, o Rajski Vrt (tradução: jardim do éden) apareceu-nos na altura certa, e ali ficámos a aproveitar a frescura da sombra das árvores e – claro! – a comer. Lokrum tem um ambiente sereníssimo, a que não será certamente alheio o facto de não ter carros nem habitantes (humanos) permanentes, e este almoço foi para lá de agradável – pela comida e sobretudo pela atmosfera.
O extremo sudoeste da ilha é a “praia” local. Para nós praia é sinónimo de areia, mas na Croácia praia é qualquer lugar onde se possa estender uma toalha, apanhar sol e tomar banho. Neste caso, uma extensa zona rochosa cheia de reentrâncias onde o mar forma pequenas piscinas rasas aqui e ali, e até mesmo uma espécie de lago interior, conhecido por “Mar Morto”. A água é igual à de todo o Adriático: límpida, com um fantástico tom esmeralda, e meio tépida. Só os banhos de sol é que se tornam mais complicados porque as rochas, apesar de na sua maioria já terem a superfície muito polida, não são propriamente confortáveis para se estar deitado, e as espreguiçadeiras que por ali estão espalhadas são para uso exclusivo dos clientes de um qualquer hotel de Dubrovnik.
O barco que nos levou de regresso à cidade tinha bancos na zona lateral virados para o exterior e a viagem transformou-se numa espécie de mini-cruzeiro em que vimos desfilar à nossa frente os edifícios espalhados pela linha da costa a sudeste de Dubrovnik e a praia de Banje, a mais conhecida e frequentada das redondezas.
Aproveitámos o caminho de regresso ao apartamento para mais um passeio pelas ruelas do bairro antigo e depois para fazer compras num supermercado, porque o dia seguinte estava reservado para irmos conhecer um pequeno pedaço de outro país: Montenegro.
Conto-vos tudo num próximo post.
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