Croácia - diário de viagem - VIII - Šibenik ou a cidade resistente
Šibenik é mais uma cidade croata cheia de passado. Apesar de ter muito para ver, a zona histórica está bastante concentrada e por isso é perfeita para uma tarde de passeio.
Depois de mais uma manhã a apanhar sol e descansar – ou seja, basicamente sem fazermos nada de nada – sacudimos a preguiça e decidimos ir visitar Šibenik, que já estava nos nossos planos. Situada a pouco mais de 40 quilómetros a norte de Seget Donji, a estrada mais bonita para percorrer até Šibenik é a que segue o contorno da costa. Cheia de curvas e contracurvas, o tempo a mais que se demora a chegar ao nosso destino é largamente recompensado pela espantosa paisagem que vamos vendo pela janela do carro, com o verde da vegetação a fundir-se nos azuis do mar.
No caminho, particularmente interessante é a cidadezinha de Primošten, o núcleo antigo concentrando-se numa minúscula península arredondada ligada ao continente por uma estreita nesga de terra, a igreja destacando-se um pouco mais elevada no centro do casario de telhados cor de tijolo. Dá para perceber tudo isto de longe, quando vamos na estrada – porque lamentavelmente acabámos por não a visitar. Na ânsia de chegarmos a Šibenik, não quisemos estar a parar e decidimos guardar Primošten para o regresso; só que acabámos por voltar já um pouco tarde e por isso optámos por tomar a estrada mais curta, que vai pelo interior e não passa ao pé de Primošten. Uma pena! Mas, como eu costumo dizer, é bom deixar alguma coisa por ver, para assim haver sempre um motivo para voltar.
Šibenik está situada na recortada baía onde o rio Krka desagua no Adriático, um porto naturalmente protegido e pitoresco. Ligado ao mar pelo Estreito de Santo António, foi este mesmo porto que permitiu o desenvolvimento dos negócios marítimos, do comércio e da prosperidade económica da cidade durante séculos. A história da cidade começa no séc. VII quando foi estabelecida por croatas, ao contrário da maioria das cidades da costa adriática, que foram criadas por outros povos. No séc. XI, O rei croata Petar Krešimir IV chegou a ter aqui a sua corte durante algum tempo.
Historicamente rica também em termos arquitectónicos, os vestígios dos muitos séculos de vida de Šibenik são imensos e atestam o carácter resistente desta cidade ao longo do tempo, confirmado mais uma vez na recente guerra da independência da Croácia (1991-1995), quando foi fortemente atacada por tropas dos exércitos jugoslavo e sérvio. A batalha que ficou conhecida como a “batalha de Setembro” durou seis dias e os bombardeamentos danificaram muitos edifícios e monumentos – incluindo a cúpula do ex libris da cidade, a Catedral de São Tiago. Apesar de já recuperada desse período difícil, a cidade faz questão de preservar a sua memória. Neste painel afixado no largo em frente à Catedral lê-se: locais do centro histórico protegido de Šibenik danificados pelos ataques sérvios durante a guerra nacional.
Nos sécs. XV e XVI, Šibenik foi um dos mais importantes expoentes do movimento renascentista na Croácia, e a jóia da cidade é o melhor exemplo arquitectónico dessa corrente: a Catedral de S. Tiago. Demorou mais de cem anos a ser construída, e também ela é um testemunho da persistência, do sacrifício e das crenças de gerações de habitantes de Šibenik. Monumento de carácter original, não só pela mistura dos estilos renascentista e gótico mas sobretudo pela técnica de construção que foi utilizada, semelhante à dos edifícios de madeira: grandes blocos de pedra, pilastras e reforços unidos sem o uso de cimento ou qualquer outro material de ligação. Único também por ter uma fachada dividida em três partes e abóbadas com o formato de meio barril. Por não possuir torre sineira. E pelo seu friso de 72 cabeças humanas esculpidas de forma realista, cada uma delas com um rosto diferente. Faz parte da lista do Património Mundial da Unesco desde o ano 2000.
Dos vários mestres que dirigiram a construção da Catedral, aquele que mais marca deixou na obra foi Giorgio da Sebenico, ou Juraj Dalmatinac na língua croata. Está representado na estátua que se encontra em frente à Catedral, esculpida por Ivan Meštrović.
No largo que se abre ao lado da Catedral, a Câmara Municipal de Šibenik é mais um magnífico exemplo da arquitectura renascentista, com as suas harmoniosas colunas, arcos e balaustrada – apesar de estarem meio escondidos pelos chapéus-de-sol de uma ampla esplanada. Embora muito danificado por um raide aéreo durante a Segunda Guerra Mundial, o edifício foi depois totalmente reconstruído de acordo com as plantas originais.
A pequena igreja gótica de Stª Bárbara, situada mesmo por trás da Catedral, é mais um edifício interessante. A sua construção teve início por volta do ano de 1400. Tem uma original fachada com aberturas irregulares, e no seu interior abriga uma notável colecção de esculturas e quadros dos sécs. XIV a XVII.
Outra igreja notável é a igreja de S. João, construída no séc. XV no estilo gótico-renascentista. Um dos seus aspectos mais peculiares é a escada erigida na fachada sul, que dá acesso ao coro e está decorada com baixos-relevos. Na torre do relógio, a cúpula foi removida na sequência de um forte terramoto que ocorreu em 1862.
Grande parte da zona histórica de Šibenik desenvolve-se na encosta que sobe até ao Forte de S. Miguel. Ruas estreitas com escadinhas que passam por baixo de arcadas, um labirinto de pedra que nos envolve completamente e nos protege do calor e do vento que se fazia sentir na zona ribeirinha. O céu é apenas uma fitinha azul que se entrevê aqui e ali. Há pátios floridos por trás de portões de ferro forjado, e mesinhas de esplanada em cada canto. A cidade gosta de receber bem os seus visitantes.
Sempre a subir, chegamos ao Jardim Mediterrâneo Medieval do Mosteiro de S. Lourenço. Restaurado há poucos anos depois de um século de esquecimento, é um tipo de jardim particularmente raro na Europa. Os caminhos seguem um padrão em cruz com um ponto de água no centro, e existem quatro secções onde crescem plantas e ervas medicinais. Em volta estão plantadas roseiras aromáticas e algumas árvores de fruto. Uma acolhedora esplanada, coberta com um amplo toldo, seduz quem passa a tomar uma bebida fresca na tranquilidade do jardim.
Algures numa ruela, uma corda esculpida em pedra rodeia uma porta vulgar. No cimo, uma frase em latim: recte faciendo neminem timeas. Nada temas se fizeres o bem. Parece-me ser um belo lema de vida.
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