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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qui | 15.12.22

Coimbra, Lousã, Góis: cidade, serra e água num roteiro de 3 dias - parte 3

O Ceira e as praias

 

O curso do Rio Ceira vai ser o mote para o último dia deste roteiro por uma das mais deslumbrantes regiões do distrito de Coimbra. Vão ser poucos os quilómetros a percorrer, mas muita a beleza que nos vai entrar pelos olhos adentro. E encher a alma.

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Dia 3

 

O passeio de hoje começa na cativante vila de Góis, atravessada pela agora famosa Nacional 2 e também pelo Rio Ceira. Mesmo com uma manhã cinzenta e chuviscosa, o nosso destino é o parque que acompanha o rio até à Praia Fluvial da Peneda, onde a água escorrega por um declive artificialmente criado. No Verão, quando o caudal é menos volumoso, do leito do rio emerge uma zona pedregosa, a Ilha Branca, que é enriquecida com areia para ser aproveitada pelos banhistas e tornada mais acessível por uma pequena ponte. E as infra-estruturas da praia até incluem uma esplanada sobre a água, um cenário muito diferente daquele que encontramos agora, neste Outono chuvoso.

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Seguindo até ao fim do Parque Público Francisco Rosas, um passadiço de madeira facilita o caminho até outra queda de água mais à frente, que define a praia do Pêgo Escuro. Ao lado, um rego de água mantém em movimento a roda de um moinho recuperado.

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Regressamos pelo mesmo percurso até à Ponte Real, que data do século XVI e é o ex libris da vila. No extremo oeste, a invulgar e misteriosa capela do Mártir Sebastião. Invulgar por ser de planta hexagonal e ter uma sineira muito baixa, colocada lateralmente sobre um muro. Misteriosa porque se desconhece a data em que foi construída e o nome de quem a patrocinou, embora a sua decoração seja nitidamente barroca.

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Passando sobre a ponte e virando à esquerda, uma rua empedrada corre paralela ao Ceira. Ao longo da avenida há chaises-longues e bancos em cimento que convidam ao descanso, à sombra das árvores que crescem na margem do rio, e mesas e cadeiras onde imagino facilmente grupos de reformados a jogarem às cartas, ou famílias a piquenicar no Verão. Continuando junto à água, encontramos primeiro o parque de merendas e praia do Cerejal, e a seguir o Parque Hugo Miguel Piteira Barata. Um sem-fim de lugares para descontrair e aproveitar o ar livre e a tranquilidade do Ceira.

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Abandonamos Góis, mas não o rio. A M543 persegue o Ceira durante uma vintena de quilómetros, e é por ela que seguimos. O intuito é descobrir as aldeias que cresceram à sua beira, e também algumas das praias fluviais mais bonitas que ele oferece neste trecho.

 

A primeira aldeia a visitar é Cabreira, e para isso desviamos para a M543-1 à entrada da povoação. Encavalitada numa encosta, num primeiro relance parece algo descaracterizada. É depois de passarmos a ponte sobre o Ceira que temos dela a panorâmica mais bonita, com o campanário a destacar-se acima do casario. Embora muitas habitações já estejam revestidas com a habitual alvenaria pintada, algumas ainda mantêm à mostra as pedras de xisto de que são feitas, várias delas com ar de terem sido recuperadas há não muito tempo. Nas coberturas, a telha é o material mais comum, mas uma ou outra possuem telhado de ardósia.

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Logo a seguir à ponte, uma placa indica a entrada para a praia fluvial e parque de merendas do Eirão. Aqui não há estacionamento, o carro teve de ficar arrumado lá para trás. Uma descida leva-nos, para um lado, até uma zona ligeiramente acima do rio, delimitada por muros de xisto, mesmo a pedir manta e cesto de piquenique em dia de sol. Para o outro lado desce-se à água. A praia aproveita uma curva do rio por baixo da ponte, onde a corrente amansa e as árvores projectam alguma sombra.

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A aldeia da Cabreira é uma sortuda, porque dispõe não de uma, mas sim de duas praias fluviais. Regressando ao tramo principal da M543, ao fazer uma curva larga a menos de um quilómetro de distância vislumbramos, do lado direito, um conjunto de casas meio escondidas pela encosta. Uma placa tosca indica Ponte Velha (com o “A” pintado por cima de um “O”), apontando para o lado do rio. E a ponte está lá – há quanto tempo não sei, mas tem ar de ser bem antiga, a pedra manchada provavelmente por séculos, com musgo e plantas a crescerem nos interstícios. Faz a ligação à aldeia de Cadafaz, um trilho que não me negaria a percorrer se o tempo estivesse mais convidativo e o dia não fosse tão curto. Aliás, é precisamente aqui que se inicia o percurso pedestre circular designado por PR3GOI, com um total de 13 km e que passa também pelas aldeias de Sandinha e Candosa. O cenário de fundo é uma encosta que mais parece uma manta de retalhos, cada árvore com a sua cor: verdes em todos os seus matizes, amarelos que escurecem até ao castanho, vermelhos quase cor de vinho e tonalidades ruivas – a prova de que o Outono é a época mais bonita para viajar em Portugal.

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Numa região rica em oliveiras, este é o local em que se erguem o antigo lagar de varas e as casinhas das tulhas onde os aldeãos guardavam a azeitona que tinham apanhado nos seus terrenos, enquanto esperavam a vez para ser moída no lagar. Da ponte, a vista abrange as casas – abrigadas pelo declive do terreno, cujas terras são sustidas por paredes de xisto – o antigo moinho e o rio, represado por um muro, de onde cai depois em cascata.

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Apaixonei-me por este lugar quando o descobri pela primeira vez há uns anos (não muitos), num mês de Abril já bem quente. Na altura, o sítio ainda nem sequer estava assinalado no Google Maps, e foi uma daquelas surpresas que me deixou maravilhada e que, por si só, valeu toda uma viagem. Decidimos ficar por ali durante um bom bocado, sobretudo porque além de nós, apenas uma família aproveitava o sossego e a beleza ímpar deste sítio. Aproveitámos para molhar os pés na água fresca e comer a merenda que tínhamos trazido para o caminho, uma pausa muito relaxante num dia que já tinha muitos quilómetros de viagem.

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As casas continuam bem recuperadas, apesar da falta de uso. O xisto das paredes e a ardósia dos telhados contrastam com o verde brilhante da erva viçosa. Um ribeiro corre, cheio de força, entre o lagar e o telheiro que protege o assador posto à disposição de quem frequenta o local. As cores desmaiadas das oliveiras quase se fundem com a atmosfera acinzentada, e o rio é um lago escuro que se metamorfoseia em cascata, branca como uma manta de lã acabada de tosquiar. Nesta época do ano, apesar do tempo pouco simpático e tão diferente do da minha primeira visita, voltei a render-me à magia deste lugar.

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Nos funestos incêndios de Junho de 2017, as chamas lavraram em força por esta região, e ainda hoje estão à vista alguns vestígios dessa catástrofe. Sandinha foi uma destas aldeias mais atazanadas pelo fogo, que a ameaçou em várias frentes e obrigou à evacuação dos seus poucos habitantes (na altura eram apenas 10). Nesta aldeia, pequenina e compacta, as casas estão todas muito juntinhas, como que para se protegerem umas às outras, empoleiradas no cimo de uma elevação e com vistas para a serra que se agiganta do lado de lá do Ceira. Quase à beira da estrada, por entre arbustos espinhosos, uma roseira teimou em botar flores nesta época do ano. Talvez seja de uma espécie peculiar, ou esteja baralhada com as alterações climáticas, mas é sem dúvida uma visão invulgar nesta altura do ano.

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Seguindo sempre pela mesma estrada, cujas curvas caprichosas parecem competir com as do rio, há que fazer novo desvio para descer até Candosa. Não sendo grande, é uma aldeia arejada, com muito espaço, estendendo-se por uma zona plana e com várias casas de tamanho respeitável (algo que não é muito habitual por estas bandas), algumas sendo de construção moderna, outras de xisto. Na ponte de cimento que une as margens do Ceira, uma placa bem visível anuncia que “esta obra há muitos anos desejada” foi “inaugurada no dia 1 de Agosto de 1982” – portanto, este ano entrou nos “entas”. Uma escadaria, não íngreme nem grande, passa por baixo do seu tabuleiro para dar acesso ao rio, que também serve de praia no Verão.

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Quatro quilómetros depois chegamos a Colmeal. É uma das maiores aldeias do concelho, e também uma das mais antigas – a data da sua fundação é incerta, mas há documentos que atestam que já existia no século XVI. No entanto, é uma das mais modernizadas, e nela já não existem praticamente nenhumas edificações em que o xisto esteja à mostra. As casas espalham-se por várias ruas de traçado ondulante, formando núcleos meio separados uns dos outros; a aldeia parece ter crescido ao sabor das irregularidades orográficas. No cimo de uma das elevações destaca-se a Igreja Matriz, com o telhado da sua torre numa inabitual cor negra. O aspecto que esta igreja tem hoje deve-se essencialmente à remodelação feita no século XIX, mas escavações arqueológicas efectuadas há cerca de uma década mostram que a estrutura data do século XVI, no local de uma capela ainda mais antiga dedicada a São Sebastião.

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Apesar de ficar numa zona alta, apartada do rio, a aldeia do Colmeal também tem uma praia. Fica um quilómetro mais abaixo, junto à ponte da estrada que cruza sobre o Ceira, e dão-lhe, com alguma falta de imaginação, precisamente o prosaico nome de Praia Fluvial da Ponte. Em contraste, o lugar não tem nada de prosaico, muito pelo contrário. É mais um recanto delicioso, onde nem sequer falta um antigo moinho, meio disfarçado entre as árvores e a ponte, e um riacho que surge da vegetação, em cascata, para se juntar ao Ceira. Do lado oposto, a que acedemos por uma rampa e degraus, o piso foi revestido de pedra e alisado, para proporcionar algum conforto a quem aproveita o local para se refrescar nos dias quentes. Tal como nas outras praias fluviais que conhecemos nestes dias, a intervenção da mão humana não foi exagerada e manteve a rusticidade e o encanto do lugar – porque, a bem da verdade, o nosso engenho ainda não foi capaz de suplantar o da Mãe Natureza.

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Muito mais haveria para ver e contar sobre esta região tão cheia de belezas naturais, que este roteiro de três dias apenas aflorou. De Coimbra a Góis, passando pela Lousã, há uma infinidade de boas razões para regressar uma e outra vez, seja em escapadinha ou para uma estadia mais demorada, e em cada uma dessas vezes descobrir algo que nos vai surpreender – e deixar ainda com mais vontade de voltar.

 

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