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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Sex | 30.10.20

Cemitérios surpreendentes

 

Associados à morte, ao luto e à tristeza, os cemitérios não são genericamente considerados como lugares “turísticos” ou sequer dignos de visita. E no entanto, a relação que temos com o culto pós-morte (ou a sua ausência) vai muito para lá das questões meramente religiosas. Sendo uma característica muito específica da cultura de cada povo ou grupo social, ajuda-nos por vezes a ter uma visão mais abrangente de como funciona a sociedade do lugar que visitamos. Além disso, muitos deles são locais com uma estética própria, artisticamente interessantes, e habitualmente carregados de história.

 

Não tenho quaisquer tendências mórbidas, mas nas minhas viagens faço por vezes questão de ir conhecer este ou aquele cemitério. Outras vezes são eles próprios que se atravessam no meu caminho, por estarem junto a igrejas que visito. Na Roménia, fui propositadamente até um dos extremos do país para visitar o cemitério de Săpânţa, e uma boa parte das horas que estive na cidade de Zagreb foram dedicadas ao cemitério de Mirogoj. São imagens de alguns destes cemitérios mais fora do comum que hoje partilho aqui com vocês, em jeito de homenagem simples àquelas pessoas que já só vivem nas nossas memórias e no nosso coração, nesta época em que tudo nos faz pensar nelas ainda mais do que é habitual.

 

ÁUSTRIA

Petersfriedhof, Salzburg

 

É um dos cemitérios mais antigos desta cidade austríaca, e também ponto de passagem obrigatória para quem visita a cidade. Ao longo dos caminhos que rodeiam a capela gótica de Santa Maria, alinham-se sobre a relva sepulturas delineadas com pedra, que mais parecem canteiros floridos. Nesta atmosfera colorida, as cruzes são em ferro, muito adornadas, ou em pedra clara. Este é o lugar onde descansam muitas personalidades famosas que viveram em Salzburg, incluindo a irmã de Mozart e o compositor Michael Haydn. Mas a razão principal pela qual este cemitério é tão popular entre os visitantes são as suas catacumbas, que datam dos primórdios do Cristianismo. Serviam ao mesmo tempo de local de sepultamento e de eremitério, como o provam duas capelas medievais, muito simples, que podemos ver no seu interior.

1 Petersfriedhof, Salzburg

2 Petersfriedhof, Salzburg

3 Petersfriedhof, Salzburg

4 Petersfriedhof, Salzburg

 

CROÁCIA

Cemitério de Mirogoj, Zagreb

 

O cemitério de Mirogoj (Groblje Mirogoj, em croata) é qualquer coisa de monumental. A sua construção teve início em 1876 e só ficou terminada em 1929. Sucessivas obras e acrescentos foram feitos, culminando na construção de um crematório em 1984. Com uma área de mais de 8000 m2, nele repousam os restos mortais de pessoas de todas as confissões religiosas e também, como é óbvio, ateus. Além dos túmulos e jazigos particulares divididos pelos vários sectores, na sua maioria elaboradíssimos, existem vários memoriais referentes a períodos trágicos onde pereceram muitos croatas. A entrada principal do cemitério é, por si só, uma maravilha. Ao centro ergue-se a Capela do Cristo Rei, com a sua cúpula verde a dominar todos os outros elementos arquitectónicos. Arcadas estendem-se para cada um dos lados, cobertas de trepadeiras na face virada ao exterior. Do lado de dentro, o piso decorado com mosaicos e as colunas em mármore contrastam com o amarelo-claro das paredes, na sua maioria cobertas de lápides trabalhadas, candeeiros de metal, e toda uma variedade de elementos decorativos que evocam e prestam homenagem aos muitos notáveis aqui sepultados desde há quase um século e meio.

5 Cemitério de Mirogoj, Zagreb

6 Cemitério de Mirogoj, Zagreb

7 Cemitério de Mirogoj, Zagreb

8 Cemitério de Mirogoj, Zagreb

9 Cemitério de Mirogoj, Zagreb

10 Cemitério de Mirogoj, Zagreb

 

ESPANHA

Cemitério de Vilavella, As Pontes de Garcia Rodríguez

 

Este minúsculo e curioso cemitério anexo à Igreja de Santa Maria de Vilavella (com origens no séc. XIII mas restaurada em estilo barroco) surpreende sobretudo pela incongruência da sua localização. É em As Pontes que se ergue, mesmo antes da entrada na vila, a maior central térmica de Espanha, cuja gigantesca chaminé é a construção mais alta do país e a chaminé com mais volume do mundo. Praticamente encostado às instalações, tão escondido que podemos passar na estrada sem dar por ele, está o conjunto arquitectónico de Vilavella: três casas abandonadas e semi-recuperadas, parcialmente invadidas pela vegetação, um pequeno espigueiro, um cruzeiro, e a igreja, que nesta altura é o único edifício ainda visivelmente utilizado. O cemitério é quase essencialmente constituído por gavetões encostados aos muros, na vertical, e algumas campas assinaladas no solo.

11 Cemitério de Vilavella, As Pontes de Garcia Rodríguez

12 Cemitério de Vilavella, As Pontes de Garcia Rodríguez

13 Cemitério de Vilavella, As Pontes de Garcia Rodríguez

14 Cemitério de Vilavella, As Pontes de Garcia Rodríguez

 

ISLÂNDIA

A Islândia só começou a ser habitada de forma permanente na segunda metade do séc. IX, por povos pagãos de origem nórdica e céltica. Por volta do séc. X, o Cristianismo começou a espalhar-se entre os habitantes, tendo a Reforma Luterana chegado no séc. XVI. Existem actualmente no país cerca de 350 igrejas e, obviamente, muitas delas têm um cemitério. Estes cemitérios são na maioria bastante singelos, tal como as próprias igrejas, mas alguns têm um encanto especial.

 

Cemitério da Hofskirkja, Hof

 

A pequeníssima igreja de Hof, no extremo sul da região de Austruland, foi a última igreja de turfa a ser construída no país, perto do final do séc. XIX. Restaurada nos anos 50, está protegida como monumento histórico, pertencendo ao Museu Nacional da Islândia. Tem ao lado um pequeno cemitério totalmente aberto onde se perfilam, por entre a erva alta e à sombra das árvores, poucas dezenas de cruzes de madeira – todas idênticas e muito minimalistas, pintadas de branco, cada uma com uma placa preta onde estão escritos os detalhes da pessoa que ali está enterrada.

15 Cemitério da Hofskirkja, Hof

16 Cemitério da Hofskirkja, Hof

17 Cemitério da Hofskirkja, Hof

 

Cemitério de Keldur

 

Keldur é uma povoação histórica onde se encontra a quinta de turfa mais antiga do sul da Islândia. A igreja, feita de madeira e metal, data de 1875 e por trás dela existe um cemitério com sinais funerários de várias espécies, desde cruzes de madeira simples até placas de pedra polida, que marcam as campas relativamente mais recentes. Apesar do aspecto geral bastante espartano, como de resto é comum na maior parte da Islândia, algumas sepulturas estão marcadas com pormenores enternecedores.

18 Cemitério de Keldur

19 Cemitério de Keldur

20 Cemitério de Keldur

21 Cemitério de Keldur

22 Cemitério de Keldur

 

ITÁLIA

Cemitério de San Michele, Veneza

 

A ilha de San Michele, entre Murano e Veneza, está praticamente toda ocupada pelo monumental cemitério desta cidade, criado em 1813 por ordem de Napoleão, quando a Sereníssima se encontrava sob o domínio do Imperador. Estende-se por uma área de cerca de 450x400 metros e está dividido em vários sectores religiosos – católico, ortodoxo e evangélico – com espaços específicos para militares, padres e freiras. Refrescado por ciprestes e buxos, tem muros, recantos e caminhos que reduzem a sensação de grandeza e proporcionam um ambiente mais intimista, e nele há de tudo um pouco, desde simples campas em pedra no chão ou nas paredes, até grandiosos jazigos e monumentos. Aqui estão sepultadas muitas personalidades oriundas de todo o mundo, o que mostra bem o fascínio que Veneza sempre exerceu também fora das suas fronteiras. O ambiente é profundamente silencioso, mais ainda do que é costume nestes locais, o que se deve à ausência do ruído do trânsito automóvel que é pano de fundo habitual nas grandes cidades.

23 Cemitério de San Michele, Veneza

24 Cemitério de San Michele, Veneza

25 Cemitério de San Michele, Veneza

26 Cemitério de San Michele, Veneza

27 Cemitério de San Michele, Veneza

 

PORTUGAL

Jazigos do Cemitério Velho, Cortegaça

 

Junto à icónica Igreja de Santa Marinha, os jazigos do Cemitério Velho de Cortegaça chamam a atenção. Datam de fins do séc. XIX ou inícios do século passado e, tal como a igreja, alguns têm paredes cobertas com azulejos. Estão ornamentados com cantarias trabalhadas e lindíssimos portões em ferro forjado. Vários destacam-se por ostentarem o nome da família a que pertencem, pelo seu formato diferente, pelo interior mais cuidado ou pela extravagância da sua decoração, mas todos são testemunhos de uma época em que, mesmo na morte, “parecer” era tão ou mais importante do que “ser”.

28 Jazigos do Cemitério Velho, Cortegaça

29 Jazigos do Cemitério Velho, Cortegaça

30 Jazigos do Cemitério Velho, Cortegaça

31 Jazigos do Cemitério Velho, Cortegaça

32 Jazigos do Cemitério Velho, Cortegaça

 

ROMÉNIA

Maramureş é uma região setentrional da Roménia, e uma das mais isoladas e culturalmente singulares e preservadas do país. Típicas desta região são as suas monumentais igrejas de madeira, algumas datando dos sécs. XVII a XIX, mas que continuam a ser construídas actualmente, pois a Roménia é um dos países mais religiosos da Europa. São igrejas ortodoxas ou, nalguns casos, greco-católicas, e há quase sempre um cemitério associado a cada uma delas.

 

Cemitério da Igreja de Sat Șugatag

 

O cemitério rodeia três lados desta igreja do séc. XVII. Os sinais funerários que marcam as sepulturas são de várias épocas e têm estilos variados, desde simples cruzes de madeira até estelas funerárias, com predominância para cruzes em metal mais ou menos ornamentadas, ferrugentas na sua maioria. Este cemitério tem um ar desordenado e meio abandonado, quase “selvagem”, o que lhe confere um encanto particular.

33 Cemitério da Igreja de Sat Șugatag

34 Cemitério da Igreja de Sat Șugatag

35 Cemitério da Igreja de Sat Șugatag

36 Cemitério da Igreja de Sat Șugatag

37 Cemitério da Igreja de Sat Șugatag

 

Cemitério da Igreja de Cuvioasa Paraschiva, Deseşti

 

A igreja dedicada a Santa Paraskeva em Deseşti é uma das oito igrejas inscritas como Património Mundial da UNESCO, por isso não admira que o seu cemitério se mostre extremamente bem cuidado. Apesar de algumas campas com uma estética mais “moderna”, predominam os ferros forjados e as ornamentações com flores, à mistura com madeira trabalhada, inscrições manuais ou meio toscas, placas de cimento pintadas, mármores com baixos-relevos, e tudo o mais que a imaginação pode conceber como decoração funerária. A atmosfera é algo kitsch, muito colorida e nada sombria.

38 Cemitério da Igreja de Cuvioasa Paraschiva, Deseşti

39 Cemitério da Igreja de Cuvioasa Paraschiva, Deseşti

40 Cemitério da Igreja de Cuvioasa Paraschiva, Deseşti

41 Cemitério da Igreja de Cuvioasa Paraschiva, Deseşti

42 Cemitério da Igreja de Cuvioasa Paraschiva, Deseşti

 

Cemitério Feliz de Săpânţa

 

Este cemitério é um lugar único, que celebra as vidas das pessoas que ali estão enterradas em vez de chorar a sua morte. As lindíssimas cruzes de madeira que assinalam cada sepultura, esculpidas e pintadas em azul forte (conhecido como azul Săpânţa) e outras cores igualmente chamativas, num estilo naif, ilustram cenas que caracterizam a pessoa que morreu ou a forma como morreu, em conjunto com uma descrição divertida ou um poema. Stan Ioan Pătraş foi o artista local que deu origem a esta tradição e até à sua morte, em 1977, produziu quase 700 destas cruzes. Como não podia deixar de ser, é neste cemitério que se encontra sepultado, precisamente à frente da porta da igreja, com a sua imagem encimada por duas pombas brancas. A obra de Pătraş tem sido desde essa altura continuada pelos seus aprendizes.

43 Cemitério Feliz de Săpânţa

44 Cemitério Feliz de Săpânţa

45 Cemitério Feliz de Săpânţa

46 Cemitério Feliz de Săpânţa

47 Cemitério Feliz de Săpânţa

 

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Cemitérios surpreendentes

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