A igreja de Válega
Portugal é o país europeu onde a azulejaria atingiu um estatuto de destaque como arte com nome próprio, e a interacção desta técnica com manifestações artísticas de outros géneros faz do azulejo português um caso especial e muito provavelmente único no mundo.
Com origens no Oriente e trazido para a Europa com a expansão islâmica, o azulejo só chegou a Portugal pelas mãos de D. Manuel I em finais do séc. XV, após uma visita a Espanha em que o nosso rei se encantou com a sua utilização em edifícios de influência mourisca. Tendo na altura o nosso país uma já enraizada tradição cerâmica, não demorou muito até começarmos a produzir os nossos próprios azulejos, com técnicas e temas vindos da Itália e da Holanda – as primeiras oficinas de azulejaria foram aqui instaladas por ceramistas flamengos. A estética geométrica do azulejo islâmico, embora não desaparecendo completamente, foi depois ultrapassada pela estética figurativa e a utilização do azulejo em painéis acabou por concorrer com a pintura mural, sobretudo na arquitectura religiosa e palaciana. Numa outra vertente, sendo um material barato, durável e com propriedades isolantes, o azulejo passou também a ser largamente utilizado para revestimento e protecção de edifícios de todo o tipo; tendo aqui uma faceta mais utilitária do que artística, estes azulejos eram geralmente monocromáticos e repetiam um mesmo padrão.
O mais vistoso exemplo desta aliança entre o carácter decorativo e o aspecto prático do azulejo na arquitectura religiosa portuguesa é sem dúvida a Igreja de Válega.
Válega fica a meia dúzia de quilómetros de Ovar - um curto desvio para quem segue na A1 - e o adjectivo mínimo que é possível aplicar a esta igreja é “espectacular”. Também conhecida como Igreja de Nossa Senhora do Amparo, é surpreendentemente grande para uma localidade que parece ser tão pacata. Claramente de inspiração barroca, a sua construção teve início em meados do séc. XVIII e prolongou-se por mais de um século.
Mas o que torna esta igreja tão especial é o facto de ter as suas paredes completamente revestidas de azulejo: as laterais e a parte de trás num padrão simples em azul e branco, em franco contraste com a fachada multicolorida – que é inquestionavelmente o local onde os nossos olhos mais se demoram quando a vemos de fora. Os elementos estruturais da igreja, em granito cinza, servem de moldura a enormes painéis de azulejo, pintados em cores vivas, onde estão representadas várias cenas da iconografia católica.
O interior é igualmente impressionante, com a abóboda forrada de caixotões em madeira exótica e as paredes revestidas com faixas de mármore e também decoradas com azulejos pintados com figuras e cenas emolduradas por elaboradíssimas cercaduras. A pia baptismal é a peça mais antiga que ali se encontra, datando do séc. XVI, e foi feita em pedra da região de Ançã, uma pedra calcária muito macia e largamente usada em Portugal e no resto da Europa a partir do séc. XV, sobretudo para trabalhos escultóricos.
As características principais que fazem hoje da Igreja de Válega uma das mais espantosas igrejas do nosso país resultaram de obras executadas já no séc. XX, entre os anos 20 e 60. Em particular, os azulejos interiores e exteriores (pintados à mão) que constituem a sua principal atracção foram produzidos no final da década de 50 pela Fábrica Aleluia, situada em Aveiro – e que ainda hoje existe.
Um último pormenor curioso: a fachada principal da igreja não está virada para a estrada de acesso, mas sim para o cemitério da localidade, que se estende pelo terreno em frente. Como está orientada para oeste, a melhor altura para a visitar é à tardinha, quando o sol faz brilhar os azulejos da fachada e dá às cores uma tonalidade mais quente.
Coordenadas: 40° 50' 01" N 08° 34' 49"O
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