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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qua | 26.03.25

A História tem nome de ilha: Malta - parte 1

 

Fui a Malta assim meio por acaso. Voo directo de poucas horas, comida e alojamentos em conta, bom clima, país suficientemente grande para ter muito que ver e pequeno para não precisar de mais dias do que os que me restavam de férias. De quem já lá tinha estado, as opiniões eram mistas: havia quem tivesse adorado, quem achasse que não era nada de especial, e quem tivesse detestado. Fui sem expectativas, vim de lá cativada. Malta é ideal para explorar ao sabor do momento, para apreciar fins de tarde com o mar à vista, para relaxar numa esplanada com um belo prato de peixe à frente. Nesta ilha onde se cruzam culturas desde há milhares de anos e que foi palco de tantas batalhas, hoje respira-se tranquilidade e História.

Malta 01 Grande Porto.JPG

 

Um país para visitar com calma

 

Se tivesse de resumir esta viagem numa palavra, ela seria “descontracção”. Não fiz grandes planos, nem preparei nenhum roteiro específico. Limitei-me a decidir que iria distribuir os dias por Malta e Gozo (estive três dias completos em Gozo, de que já falei aqui), com uma breve visita a Comino. Marquei os sítios que queria visitar e depois fui decidindo de dia para dia aonde ir, tendo apenas como baliza os horários de funcionamento de cada lugar, quando existentes.

Decidi também optar pelos transportes públicos em vez de alugar carro. O sistema de autocarros funciona muitíssimo bem tanto na ilha de Malta como em Gozo, é barato (têm vários tipos de passe), e leva-nos a todo o lado. Demoramos mais tempo, é claro, mas evita o cansaço da condução e dá-nos a possibilidade de observar melhor os lugares por onde vamos passando. Além dos autocarros, há os barcos que ligam as ilhas, várias vezes por dia, e os que fazem o transporte regular de passageiros entre Valeta e as localidades circundantes (as Três Cidades e Sliema).

Autocarro antigo                                    Autocarro actual

 

Foram 9 dias completos num mês de Setembro quente, mas sem exagero, com apenas alguns minutos de chuva numa das manhãs, e que em nada comprometeram o passeio desse dia. Dormi em alojamentos locais e num palacete. Experimentei a comida tradicional, que é excelente, mas também fiz refeições leves. Tirei milhares de fotografias, como já é costume, e andei quilómetros a pé (embora muitos mais de autocarro). Aprendi muito sobre um país de que quase nada conhecia. Depois de regressar a Portugal, alguém que já tinha visitado Malta há uns anos perguntou-me se eu voltaria. E eu respondi, sem hesitar: sim!

Malta 04 Três Cidades.JPG

 

O princípio

 

Malta é um livro de História ao vivo. Com uma posição estratégica no coração do Mediterrâneo, foi habitada ao longo dos milénios por diferentes civilizações, e cada uma deixou a sua marca na cultura e na arquitectura. Os vestígios arqueológicos mais antigos datam do período Neolítico, por volta de 5200 a.C., quando os primeiros habitantes chegaram às ilhas maltesas, provavelmente vindos da Sicília.

Em Paola, nos arredores de Valeta, há um santuário subterrâneo datado entre 4000 e 1500 a.C. que é único no mundo. O Hipogeu de Ħal Saflieni foi usado inicialmente como local de culto e mais tarde como necrópole. Construído em três níveis, que correspondem a diferentes períodos temporais, é conhecido pela sua acústica peculiar e pelas representações de arte rupestre. Um lugar que concentra dois mil e quinhentos anos de vidas de pessoas que por ali passaram ou foram enterradas. Pessoas que prestavam reverência a alguma coisa (ou coisas, mais provavelmente) e se preocupavam em sepultar os seus mortos com dignidade. Mais do que apenas sencientes, eram pessoas com sentimentos. Ou assim parece, o que já é alguma coisa.

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Também do período Neolítico, os Templos de Ħaġar Qim e Mnajdra são pedras sobre pedras e ao lado de pedras. Ficam junto à costa sul de Malta, numa área vasta e sem nada à volta, com o mar por horizonte. Tal como na maior parte da ilha, o solo é um misto de rocha com vegetação rasteira, e no sossego do ar quente de Verão o ruído das cigarras sobrepõe-se a tudo o mais. Os templos estão protegidos por grandes estruturas de metal e lona em forma de iglu, parecem naves de outro planeta abandonadas na paisagem despida. Não há muito mais a fazer do que vaguear por ali, ler os painéis ilustrados colocados no local, atentar num ou noutro pormenor, e especular.

Os templos foram construídos com técnicas arquitectónicas que se rotulam de avançadas para a época, sobretudo porque incluem um monólito de 57 toneladas e cinco metros de altura. O alinhamento de certas aberturas com os astros – favorecendo a entrada, orientada para determinados pontos, dos raios de sol nos solstícios ou nos equinócios – sugere terem sido lugares de culto, teoria reforçada por ali terem sido encontradas estatuetas com a forma de uma mulher avantajada e pelos temas vegetais esculpidos em pilares de pedra. Os restos de ossadas de animais domésticos que foram achados nos locais dos templos apontam para sacrifícios rituais – ou então simplesmente que serviram para abrigar gado.

Malta 12 Templos de Ħaġar Qim e Mnajdra.JPG

Nem mesmo os estudiosos conseguem o milagre de adivinhar histórias com milénios de esquecimento. Como é costume, muitos achados já não estão expostos no local, e por isso tudo o que vemos são pedras. Falta-lhes a majestade das pirâmides de Gizé, a aura enigmática de Stonehenge, ou a beleza de Petra. Sem menosprezar a sua importância como testemunho do que poderá ter sido uma civilização tão antiga e a sua contribuição para conhecermos um pouco mais do passado, não me impressionaram sobremaneira.

Mesmo vendo ao vivo, nos sítios arqueológicos, as evidências de civilizações que existiram há milhares de anos, é-me difícil imaginar como seria a vida nessa altura. Bom, é verdade que tenho pouca imaginação. Mas creio que é sobretudo pela falta do elemento humano. Não há imagens concretas, nem escritos, nem roupa, e na maior parte das vezes nem objectos – que são desenraizados da sua origem, removidos dos locais para serem expostos num qualquer museu. Há esqueletos, ocasionalmente. Só que ossos… não me dizem nada (por muito que possam dizer aos arqueólogos e antropólogos). As pessoas que viveram naquele tempo e lugar são tão estranhas para mim como seres que possam eventualmente viver noutros planetas. Alienígenas que talvez se me assemelhem na forma física, mas de quem não sei o que pensavam ou faziam, como comunicavam, de que gostavam (será que existia gosto como o entendemos hoje?), como era a sua vida no dia-a-dia para além da sobrevivência básica.

 

Ecos de Roma em Rabat

 

Os Fenícios estabeleceram-se em Malta por volta de 700 a.C., usando a ilha como um entreposto comercial. Mais tarde, foi controlada pelos Cartagineses, até ser conquistada por Roma em 218 a.C. durante a Segunda Guerra Púnica. Deste período não restam na ilha muitos indícios.

Em Rabat, no local onde existiu a casa de um nobre romano, foi construída uma estrutura para preservar os mosaicos e os poucos objectos que sobreviveram aos séculos, estrutura essa mais tarde transformada no museu a que dão o nome de Domvs Romana. O espaço foi reformulado para servir de repositório para todos os artefactos romanos encontrados na ilha e para ilustrar, em forma de exposição, os vários aspectos de uma família aristocrática romana e de um agregado familiar.

Segundo o Livro dos Actos dos Apóstolos, atribuído a Lucas, o navio em que São Paulo viajava para Roma (onde iria ser julgado pelo imperador Nero) terá naufragado perto de Malta no ano 60 d.C. O local onde se acredita que ocorreu o naufrágio é hoje conhecido como Baía de São Paulo, no norte da ilha. Diz a lenda que enquanto por ali esteve, São Paulo terá realizado vários milagres. Certo é que foi por volta dessa altura que o cristianismo se disseminou em Malta, de que São Paulo é até hoje o padroeiro.

Representação de São Paulo                                    Colegiata de São Paulo em Rabat

Grande parte dos vestígios da época romana datam deste período cristianizado, como é o caso das várias catacumbas e túmulos escavados na rocha que existem também em Rabat. As mais conhecidas são as Catacumbas de São Paulo e de Santa Ágata, onde se encontram frescos e nichos funerários. Por baixo da igreja que tem o mesmo nome (e que é um dos exemplos mais interessantes da fusão entre os estilos normando e árabe na arquitectura maltesa), as Catacumbas de São Cataldo foram usadas principalmente entre os séculos III e V d.C., numa época em que os primeiros cristãos em Malta praticavam os seus ritos funerários em necrópoles subterrâneas. Apresentam túmulos escavados na rocha, com nichos para deposição dos corpos, além de algumas inscrições e símbolos cristãos gravados nas paredes.

Rabat significa “subúrbio” em semítico. A cidade fica na região oeste da ilha de Malta, paredes-meias com Mdina mas muito menos visitada pelos turistas. Aqui o quotidiano maltês desenrola-se nas ruelas labirínticas, em casas de pedra calcária desgastada pelo tempo e pelo vento salgado que sopra do mar, no ar o perfume das flores de jasmim que crescem nos jardinzinhos escondidos atrás de muros altos. As paredes das casas são um mosaico de tons ocres e dourados que reflectem o brilho dos dias soalheiros, quase sempre ornamentadas com imagens religiosas, motivos em cerâmica tradicional, flores e trepadeiras, ou pormenores singulares que as tornam únicas.

As portas de madeira estão pintadas de cores vivas, tal como as “gallariji”, as icónicas varandas maltesas que avançam sobre a rua como miradouros secretos. Algumas, envelhecidas pelo sol e pela brisa, exibem madeiras gastas e vidro levemente ondulado, outras são recentes, restauradas com um toque de verniz que lhes devolve o esplendor original.

Malta 27 Rabat gallariji.JPG

Por todo o lado, em esquinas, nichos e fachadas, pequenas imagens religiosas espreitam entre as molduras de pedra, vigiando discretamente o esparso movimento das ruas. São estátuas de santos, virgens e anjos, protegidos por cornijas ou coberturas de ferro trabalhado, um costume que remonta ao tempo em que Rabat era um refúgio fervoroso para peregrinos e devotos.

 

Mdina: herança muçulmana e bastião do catolicismo

 

Após a queda do Império Romano do Ocidente, Malta ficou sob domínio bizantino até ser conquistada pelos Árabes em 870 d.C. Foi neste período que a agricultura se modernizou e a língua maltesa adquiriu as suas influências árabes, que permanecem até hoje. O maltês é um idioma híbrido singular, e o único de base semítica que é oficial na União Europeia. Escreve-se com o alfabeto latino, mas mantém características fonéticas e estruturais árabes. A sua construção e vocabulário resultam de uma fusão de diferentes influências linguísticas ao longo dos séculos. Tem origem no árabe siciliano, um dialecto falado entre os séculos IX e XIII. Durante o domínio normando e aragonês (séculos XI-XVI), absorveu muitas palavras do italiano e do siciliano, que constituem mais de metade do vocabulário, e no período colonial britânico (1800-1964) foram incorporadas muitas palavras inglesas. Ouvir falar maltês é ao mesmo tempo estranho e familiar: não se percebe nada do que dizem, mas no meio de qualquer conversa saltam palavras que reconhecemos com facilidade. Independentemente disso, e porque o inglês é a outra língua oficial de Malta, não existem dificuldades na comunicação com os estrangeiros – pelo menos com aqueles que souberem o inglês básico.

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A presença muçulmana também foi fundamental para a configuração de algumas das cidades maltesas. É o caso de Mdina, cidade fortificada que foi reduzida em tamanho pelos árabes, tornando-se mais defensável, uma estratégia comum nas cidades islâmicas da época. Antiga capital de Malta, entre a antiguidade e o período medieval, foi fortemente danificada pelo terramoto de 1693 na Sicília. Curiosamente, uma das personalidades que mais contribuiu para a sua recuperação foi António Manoel de Vilhena, nobre português eleito Príncipe e Grão-Mestre da ordem de São João de Jerusalém em 1722.

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Mdina é hoje em dia um museu a céu aberto, onde se misturam as influências de todas as civilizações que por ali passaram. Chamam-lhe “Cidade Silenciosa”, pois na maior parte das suas ruas estreitas e labirínticas só é possível andar a pé. O trânsito de veículos motorizados é limitado e apenas são permitidas charretes – que no entanto não conseguem passar em todo o lado, tão reduzida é a largura das ruas. O próprio governo maltês promove Mdina como um local de paz e contemplação.

A arquitectura é essencialmente barroca e há edifícios e símbolos religiosos por todo o lado. Outra coisa não seria de esperar numa ilha que foi bastião do catolicismo durante tantos séculos e continua a ser profundamente religiosa. Também aqui a pedra domina. A pedra que protege e abriga, que é resistente e duradoura, que representa força e instila respeito. Do cinza quase branco ao ocre alaranjado ou praticamente rosa, desde a Porta Principal ao Bastião, da Catedral de São Paulo ao Palazzo Falson (um dos edifícios mais antigos, datando do séc. XIII), em Mdina as pedras dos edifícios são velhas de séculos e de histórias.

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Mdina está rodeada de planície. Da Praça do Bastião vê-se a ilha em 180 graus, com a cúpula da Rotunda de Mosta a destacar-se no caminho até ao mar. É aqui que entendemos o porquê de ter sido capital durante séculos, quando a melhor estratégia de defesa era detectar os atacantes com antecedência suficiente para lhes barrar a entrada. Hoje, em tempos de turismo e redes sociais, é mais provável que o bastião seja lugar para encontro romântico ao sol-pôr.

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Outro miradouro em Mdina com uma vista incrível sobre a ilha – e também ideal para momentos a dois, a julgar pelo grande número de casais que lá vi – é o Fontanella, café famoso pelas suas tartes e bolos e que serve refeições leves. Os árabes também deixaram uma marca duradoura na gastronomia maltesa, de que são exemplo o ftira, um pão achatado e crocante tradicionalmente recheado com azeite, tomate, atum, alcaparras, azeitonas e ervas aromáticas, os pastizzi (pastéis folhados recheados com ricotta ou ervilhas), ou a tarte de tâmaras e nozes – e estas são apenas algumas das várias delícias que fazem parte do menu do Fontanella.

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Marsaxlokk: peixe, tradição e muita cor

 

O mar Mediterrâneo dita o ritmo da vida em Malta, e à mesa não poderia ser diferente. Os pratos de peixe são uma presença constante, seja em modo tradicional ou moderno. Nos típicos, há um parente das caldeiradas portuguesas: a aljotta, uma sopa de peixe perfumada com tomate, alho, cebola e ervas frescas. Simples e reconfortante, esta sopa era em tempos um alimento básico dos pescadores, feita com os peixes mais pequenos ou menos valorizados da pesca do dia. O stuffat tal-qarnita (polvo estufado com tomate, alho, cebola, vinho tinto e ervas) e a empada de lampuki (dourado-do-mar) também são pratos tradicionais feitos com produtos do mar. Mas dos pitéus que provei, o meu preferido foi mesmo o tris di pesce marinato alle erbette (há muita influência italiana na culinária maltesa), fatias fininhas de peixe cru, de várias espécies, marinadas num molho delicioso.

Tris di pesce                                    Aljotta

 

Se há um lugar onde este legado pesqueiro se sente de forma mais autêntica, esse lugar é sem dúvida Marsaxlokk, a maior aldeia piscatória de Malta. Embora já esteja muito virada para o turismo e tenha inúmeros restaurantes e barraquinhas que vendem produtos malteses “típicos”, ainda mantém os seus barcos de pesca tradicionais e um ambiente tranquilo e pouco sofisticado.

No porto natural de Marsaxlokk, que faz parte da cultura marítima mediterrânica desde a Antiguidade, há dezenas de luzzijiet (plural de luzzu), barcos de madeira tradicionais pintados de azul, amarelo e vermelho. Balançando suavemente sobre a água, têm na proa o “olho de Osíris”, símbolo de protecção herdado dos tempos fenícios, que continua a velar pelos pescadores que saem ao amanhecer em busca do peixe do dia.

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O mercado de Marsaxlokk, realizado aos domingos, é um espectáculo de cor e movimento. Entre as bancas apinhadas de peixe fresco, os clientes locais e os visitantes curiosos misturam-se num burburinho constante e o cheiro a mar funde-se com os aromas das especiarias. Os restaurantes alinhados ao longo da baía aproveitam esta abundância de peixe e marisco, e oferecem pratos que vão do simples peixe grelhado, servido com batatas assadas e salada fresca, ao marisco — desde espaguete com ouriços-do-mar a ensopados de lagostim e mexilhão. Observar o movimento deste porto secular, na água e fora dela, enquanto descansava numa esplanada a comer uma bela refeição foi um dos pontos altos da minha viagem a Malta (um entre muitos, note-se). Já escrevi um artigo inteiramente dedicado a Marsaxlokk, que podem ler aqui.

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A força da paisagem

 

O que falta em verde a Malta sobra-lhe em azuis. Os limites da paisagem são ditados pelo mar. Num dia em que o sol se escoa por entre um rebanho de nuvens, a linha do horizonte é um choque entre o brilho eléctrico da água e o azul-gelo do céu. A costa sudoeste de Malta é um cenário de magnificência natural, recortes debruados a falésias estratificadas e sulcos rasgados na pedra pelas garras do vento. Esta é a face mais selvagem da ilha, um território de rochedos escarpados, grutas escondidas e desfiladeiros que mergulham abruptamente no Mediterrâneo.

No topo das Falésias de Dingli – o ponto mais alto da ilha de Malta – , a terra está como que suspensa sobre as águas e vem-me à memória a “Jangada de Pedra” de Saramago. Estamos 250 metros acima do nível do mar, e a perspectiva só é suportável para quem não tiver vertigens: o muro natural de calcário cai a pique até lá abaixo, onde a textura rugosa da falésia dá lugar a uma bainha diáfana de espuma, transição momentânea para a superfície levemente encrespada da água. Na neblina difusa do horizonte, o ilhéu Filfla parece o casco abandonado de um navio.

O vento sopra forte, carregado de sal, e os arbustos rasteiros agarram-se à terra seca, resistindo à força dos elementos. Igualmente resistente, e apesar da sua simplicidade e dimensão modesta, a Capela de Santa Maria Madalena destaca-se na paisagem. Na sua forma actual remonta ao ano de 1646, mas crê-se que a estrutura original será do século XIII ou XIV, um período em que pequenas capelas rurais surgiam em Malta como locais de devoção para comunidades isoladas.

A capela reflecte a tradição cristã de associar locais remotos e elevados a figuras bíblicas ligadas ao arrependimento e à contemplação. Construída num local tão isolado, faz eco dessa espiritualidade religiosa, mas o seu aspecto mais prático não foi descurado: servia como um ponto de referência para os navegadores que cruzavam a costa oeste de Malta, ajudando a identificar a localização das falésias traiçoeiras. Hoje em dia a sua utilidade será decerto bem mais reduzida, pois a poucas centenas de metros de distância destacam-se a cúpula geodésica e as torres metálicas do radar de aviação de Dingli.

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Mais a sul, a uns meros 15 minutos de autocarro do Centro de Visitantes de Parque de Ħaġar Qim, o lugar a que chamam Gruta Azul é um dos postais mais conhecidos de Malta. Escondida na base da falésia, nesta formação natural de arcos e cavernas esculpidas pelo mar a luz do sol reflecte-se na água límpida, tingindo-a de diferentes tonalidades de azul – do topázio transparente ao cobalto profundo. Ao meio-dia, quando os raios solares penetram as fendas na rocha, a água parece iluminada por dentro e as sombras criam jogos de cor que transformam o interior da gruta num santuário de luz líquida.

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Malta é uma ilha de contrastes vincados, onde as pedras contam histórias do passado e o mar e o vento moldam pacientemente a paisagem. Das cidades amuralhadas às enseadas escondidas, a ilha revela-se em camadas sobrepostas de história e natureza, cada época acrescentando novos contornos à narrativa. Há ainda muito mais para descobrir, mas isso fica para o próximo post.

 

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