Puglia, Matera e Costa Amalfitana: duas semanas pelo sul de Itália
Este ano voltei à Itália. Andava com a pulga atrás da orelha para conhecer uma região que está agora a ser muito promovida em termos turísticos, e achei por bem visitá-la antes que fique (mais) apinhada de gente e impossível de visitar sem ser na época baixa: a Puglia (ou Apúlia, em português, mas prefiro o termo italiano para não se confundir com a nossa).
Bari
Fui em Junho, e mesmo assim já havia muita gente nas zonas balneares e nas localidades mais famosas. Esteve sempre calor, com céu nublado e uma chuva ocasional e breve nos primeiros dias. Calculo que em Julho e Agosto as temperaturas sejam tórridas, por isso são meses que não aconselho – até mesmo porque a afluência turística será ainda maior, e a experiência portanto menos agradável.
Positano
A Puglia é a região que ocupa o “calcanhar” da Itália. Banhada a leste pelo Mar Adriático e a sul pelo Mar Jónico, estende-se desde Foggia e o Parque Nacional de Gargano até Taranto, e por todo o “salto da bota”. Tem zonas montanhosas que alternam com grandes planícies, e é predominantemente agrícola, com muita produção de trigo, azeite e vinho, além do sempiterno tomate. Por isso, e por ter 865 km de zona costeira, a gastronomia tradicional é puramente mediterrânica, com particular incidência no peixe, marisco e legumes. E na pasta, claro. Sou uma fã assumida da culinária italiana, e as massas são as principais responsáveis por esta minha tendência. Em Itália, mesmo o mais simples prato de pasta é sublime. O facto de estar a comê-lo lá mesmo é um factor que pesa, obviamente, mas não é o único.
"Orecchiette" de Bari
A cultura da Puglia é rica e diversa. Foi fortemente influenciada pelas civilizações que ocuparam a região ao longo dos séculos, incluindo a grega, romana, bizantina, normanda e árabe. Toda esta mistura de influências está reflectida na arquitectura, nas tradições e no dialecto local, que varia consideravelmente de zona para zona. Como de resto em toda a Itália, os pugliese têm um forte sentido de comunidade e família, e são genericamente muito religiosos. Até agora, foi a região italiana que achei ter mais pontos em comum com o nosso país, e senti-me muito “em casa” – mesmo nos aspectos menos positivos…
Gravina in Puglia
O plano
Planear esta viagem não foi fácil. Olha-se para o mapa e parece que é tudo perto e que duas semanas vão chegar e sobrar, mas depois chega-se à conclusão de que há tanto para ver que não vai ser possível ir a todo o lado e é preciso fazer escolhas. Penosas, algumas delas, mas as horas de um dia não esticam. E como não gosto de andar a correr e de um modo geral prefiro sempre ficar mais do que uma noite no mesmo sítio, tive de “ignorar” muitos lugares. Ainda assim, faço sempre um programa um bocadinho mais extenso do que aquilo que provavelmente vou conseguir ver. Se der, dá; se não der, paciência, fica para a próxima. Fico com motivos para voltar, mesmo que não saiba se algum dia o farei.
Uma das prioridades da viagem era fazer alguma praia, por isso optámos maioritariamente por alojamentos em localidades perto ao mar. Nesse aspecto, o plano acabou por sair algo furado, sobretudo porque nos primeiros dias o tempo não esteve convidativo para a praia, e noutros o vento tornou menos apetecível ficar muito tempo na areia. Mas ainda deu para apanhar bastante sol e molhar o pé (e não só) na água.
Praia Frascone
Na minha wishlist da Puglia tinha algumas localidades obrigatórias: Alberobello, Ostuni e Lecce. Visitar Matera, já numa outra região mas suficientemente perto (tão perto que há quem a inclua na Puglia, apesar de na verdade se encontrar na região da Basilicata), era outra paragem obrigatória no roteiro. Finalmente, porque era um desvio curto no caminho de regresso, decidimos dedicar um ou dois dias à Costa Amalfitana, que ainda não conhecíamos.
Alberobello
Ostuni
Lecce
Os meios de transporte
Por questões de orçamento (eram os voos mais baratos nas datas que queríamos), optámos por ir via Roma, pese embora Nápoles ser muito mais perto. E como o roteiro era ambicioso e não dava para estar dependente de transportes públicos, decidimos alugar carro para toda a duração da viagem. A excepção foi o dia inteiro que passámos na Costa Amalfitana, em que só andámos de autocarro e barco. Ainda fiquei indecisa entre usar os transportes ou levar o carro, mas depois de fazer a dezena de quilómetros pela estrada da costa entre Salerno e Cetara (onde ficava o alojamento) e deixar o carro estacionado num parque coberto que “só” custava 25€ por dia, tive a sensação de que seria melhor esquecer o carro e optar por outros meios para visitar Amalfi e Positano. Decisão ajuizada, como perceberão mais à frente.
Os alojamentos
Apesar de ser Junho e a minha preferência ser não marcar tudo antecipadamente, decidimos ir já com todos os alojamentos reservados. Reservar com antecedência tem a vantagem de se poder seleccionar com calma e ter mais por onde escolher. Mesmo assim, entre a data das primeiras pesquisas e aquela em que fiz as reservas, muitas das minhas escolhas prévias esgotaram, até porque desta vez queria só alojamentos locais. É a opção que tenho vindo a privilegiar nas minhas viagens de há uns anos para cá, sobretudo porque me parece ser mais sustentável de um modo geral. Quase todos tinham pequeno-almoço incluído, embora o que serviram fosse quase sempre básico – o que é algo surpreendente numa região com tão boa comida. Mas a verdade é que não é fácil encontrar pequenos-almoços tão bons como aqueles a que estou habituada nos alojamentos em Portugal.
Cetara Matera
O roteiro
Tentei que fosse variado, misto de paisagem, cultura e praia, e incluir bastantes localidades pequenas e com motivos de interesse. A vertente cultura acabou por pesar mais, porque qualquer terrinha em Itália tem um monte de igrejas, monumentos e outros lugares históricos que merecem ser visitados. A Puglia é de facto uma região com muita diversidade, e cada lugar tem características especiais que o tornam diferente dos outros. Alguns sítios revelaram-se uma surpresa, outros ficaram um pouco abaixo das expectativas, mas valeu bem a pena visitar cada um deles.
Gravina in Puglia
Este foi o roteiro completo:
Dia 1: Voo Lisboa-Roma; viagem de carro até Peschici (alojamento 1 noite)
Dia 2: Vieste; Monte Sant’Angelo; Trani; Torre a Mare (alojamento 3 noites)
Dia 3: Ostuni; Monopoli; Polignano a Mare
Dia 4: Bari
Dia 5: Alberobello; Locorotondo; Martina Franca; Porto Cesareo (alojamento 5 noites)
Dia 6: Praia Torre Chianca; Punta Prosciutto-Praia Lido degli Angeli
Dia 7: Lecce
Dia 8: Gallipoli; Praia del Frascone
Dia 9: Otranto; Lago Alimini (praias)
Dia 10: Taranto; Matera (alojamento 2 noites)
Dia 11: Matera
Dia 12: Gravina in Puglia; Castelmezzano; Vietri sul Mare; Cetara (alojamento 2 noites)
Dia 13: Amalfi; Positano (de autocarro e barco)
Dia 14: Sant’Agata de’ Goti; Sermoneta (alojamento 1 noite)
Dia 15: Sermoneta; voo Roma-Lisboa
O que mais me surpreendeu
Matera superou tudo aquilo de que estava à espera – que, de resto, não era nada de particularmente concreto. Já conhecia uma parte da história da cidade, que afinal era só a ponta do icebergue, pois Matera tem imenso para descobrir (como certamente já perceberam, se tiverem lido o primeiro e segundo posts que escrevi sobre a minha visita).
Otranto e Ostuni foram duas boas surpresas, cada uma dentro do seu género, assim como as sumptuosas igrejas barrocas de Lecce. E Bari revelou-se uma cidade multifacetada e atraente, tanto no seu centro histórico como na parte mais moderna.
Otranto
Ostuni
Lecce
Castelmezzano não estava no plano inicial, e é a prova de que é sempre bom deixar espaço para o imprevisto. Foi uma sugestão quase em cima da hora, quando o Rui Batista do blogue BornFreee percebeu que estávamos em Matera e me enviou uma mensagem a perguntar se estava previsto passarmos por Castelmezzano. Seguir o seu conselho foi uma das melhores decisões desta viagem.
O Santuário de San Michele em Monte Sant’Angelo tem a sua capela principal numa gruta escavada no subsolo, à qual se acede por uma escadaria medieval. Estava a decorrer uma missa na altura da nossa visita e a atmosfera era deveras especial, com a iluminação fraca e as paredes e o tecto de rocha a acentuarem o ambiente de recolhimento e oração.
O melhor da viagem
As várias pequenas localidades que visitámos, algumas quase completamente fora do radar turístico, como Sermoneta e Sant’Agata de’ Goti, nenhuma delas na região de Puglia e talvez por isso ambas muito tranquilas.
Sermoneta
Sant'Agata de' Goti
Mais movimentadas mas nem por isso menos encantadoras, Locorotondo, Martina Franca e Monopoli. As duas primeiras ficam no encantador Vale de Itria, onde há algumas outras vilazinhas que gostaria de ter tido tempo para conhecer. Casas brancas, ruas floridas e pormenores deliciosos por todo o lado. Quanto a Monopoli, é um porto muito antigo, com um centro histórico cheio de vida e de belos detalhes.
Locorotondo
Martina Franca
Vale d'Itria
Como é óbvio, Matera está incluída neste grupo. É uma cidade com uma energia incrível e diferente de tudo o que já vi até agora.
A comida nunca é o motor das minhas viagens, e contento-me com facilidade. Mas nesta viagem acabou por ser um motivo de satisfação, porque no sul de Itália come-se realmente bem. A cozinha tradicional é excelente e até mesmo os pratos mais simples e a comida de rua são bem confeccionados e saborosos.
Tiramisù Capunti com camarão e curgete
Porto Cesareo é uma localidade de veraneio no mar Jónico com várias boas praias nas redondezas. Foi o local onde pernoitámos mais tempo, e um dos maiores prazeres foi poder passear à noite, depois do jantar, pela marginal junto à água e no caminho pedonal ao longo da praia, encaixada numa baía. Temperatura do ar amena, as luzes a reflectirem-se no mar sem ondas, e sem confusão de gente. Um luxo que nem sempre é possível.
O assim-assim da viagem
Os pequenos-almoços nos alojamentos eram pouco variados e muito à base de produtos processados. Estranhamente, e com excepção de Matera, onde nos serviram o pão tradicional da região (delicioso, apesar de cascudo!), o pão era sempre “de pacote”, a fruta tinha pouca variedade, e só num dos alojamentos nos serviam ovos, além dos habituais queijo e fiambre.
Nas duas localidades em que não tivemos pequeno-almoço incluído no alojamento, os cafés onde comemos também estavam bastantes furos abaixo dos nossos em termos de variedade de comida e bebida.
A maioria das praias não são espectaculares, e algumas são mesmo uma desilusão completa. Sobretudo as da Costa Amalfitana, que são quase completamente privadas, com vedações que nem sequer deixam ver o areal. Sobram alguns metros de largura acessíveis a todos, que ficam completamente cheios de gente nas horas normais, e de lixo quando essas mesmas pessoas se vão embora. Além de que a areia tem cores entre o castanho e o cinzento, pouco convidativas – parece que está sempre enlameada.
Positano Vietri sul Mare
Cetara
Na Puglia há algumas boas praias de areia branca, pese embora as melhores também tenham grandes áreas concessionadas. Mas a maioria são pequenas praias com bastante rocha, e portanto pouco confortáveis, ou meio selvagens e de difícil acesso. A paisagem bonita de algumas delas e a temperatura morna das águas são, em parte, compensadoras.
Gallipoli Praia Torre Chianca
O menos bom da viagem
O estrado das estradas, na maioria dos trajectos, conseguiu ser pior do que o das nossas. Muitos buracos e bermas inexistentes ou em mau estado; obras com corte de via e falta de sinalização alternativa, que me obrigaram a dar grandes voltas; vias rápidas com limites de 50 km/hora (sem se perceber porquê), onde como é óbvio ninguém anda a essa velocidade.
Como se isso não bastasse, as estradas estão cheias de condutores italianos, que conseguem ser ainda mais chicos-espertos do que os portugueses. Os condutores de veículos comerciais são os piores. Eu percebo que estão a trabalhar e querem despachar-se, e apanhar estrangeiros que não conhecem a região é sempre uma maçada. Mas também não precisavam de ser tão tresloucados nas ultrapassagens e nos cruzamentos. Tive de conduzir com mil olhos e sempre em estado de alerta, o que se torna muito cansativo.
A estrada da Costa Amalfitana é um pesadelo: muito estreita, sinuosa, e cheia de milhares de veículos, só as motas é que conseguem safar-se no meio do caos quase permanente. Há muitos autocarros e camionetas, que quando se cruzam em sítios com pouco espaço e pouca visibilidade criam situações complicadas – mais ainda porque por vezes há carros estacionados onde não deveriam estar. Como há muito trânsito e vai tudo em fila indiana, recuar é quase sempre impossível, e o resultado são longos minutos de ginástica condutora e encaixes milimétricos, para que o engarrafamento se resolva sem material danificado. Uma boa decisão que tomámos nesta viagem foi optar por autocarro e barco para visitar Amalfi e Positano, mais ainda porque os estacionamentos são caros, quase inexistentes, longe dos centros e, como é óbvio, estão sempre cheios. Ir de autocarro tem como bónus, além do descanso e de poder usufruir de belas vistas sobre o mar, assistir ao espectáculo que são os condutores destes veículos: eles gesticulam, eles falam alto, eles buzinam, tudo num registo descontraído, desembaraçado e competente, pois conseguem cumprir os horários com atrasos ínfimos. Quanto às ligações de barco, permitem ver o melhor da paisagem e são a única maneira de nos apercebermos da verdadeira beleza desta costa.
Taranto desiludiu-nos um bocado. O centro histórico, que é uma ilha, tem partes ainda muito mal preservadas, sujas, com casas abandonadas e um aspecto geral de degradação, sobretudo na metade norte. O lado sul, nas redondezas do castelo, já está mais recuperado. É uma cidade portuária grande, com uma bela localização, junto às águas do Jónico e do mar Piccolo, que é uma espécie de mar interior bipartido; mas não é particularmente atractiva.
Os locais que estão sobrevalorizados
Alberobello, a vila tornada famosa pelos seus bairros de “trulli” (construções tradicionais seculares), é uma colmeia turística. É verdade que é atractiva e interessante do ponto de vista histórico-cultural, mas a maior parte das suas casas típicas estão hoje em dia vocacionadas para o turismo, seja como alojamento local ou lojinha onde se vende artesanato (muitas vezes não genuíno). Vale a pena a visita, mas não me deslumbrou.
Polignano a Mare é outra das localidades mais fotografadas da Puglia, sobretudo por causa de Lama Monachile, uma pequena praia encaixada entre falésias. Vista da ponte estrategicamente localizada sobre a ravina, a praia é encantadora, e para quem passa de barco este pedaço da costa é igualmente belo, com as casas empoleiradas sobre as rochas. Mas, tirando isso, Polignano é só mais uma localidade como tantas outras, com um centro histórico medianamente engraçado e muito turismo.
A Costa Amalfitana vale a pena pela paisagem, e pouco mais. As praias são fracas, como já disse mais acima, mas as localidades têm alguma graça, sobretudo pela cor. Para quem gostar de muito movimento e confusão, é uma zona ideal. Esplanadas e restaurantes cheios, lojas porta sim, porta sim, preços hiper inflacionados, filas para os transportes, para entrar na Catedral de Amalfi, nas ruas estreitas de Positano… Enfim, gente por todos os lados.
Amalfi
Positano
Onde gostaria de ter ficado mais tempo
Matera merece vários dias de visita, para usufruir ainda mais do seu ambiente especial. Ideal seria estar lá no início de Julho, na altura das festas dedicadas à Madonna della Bruna, a santa padroeira da cidade. A cultura materana é única, e creio mesmo que vale a pena conhecê-la melhor.
Gostei de Pescichi, que nesta viagem foi apenas uma “escala técnica”. Toda a região de Foggia e arredores parece-me ser mais tranquila do que as localidades mais a sul, e igualmente merecedora de ser descoberta.
Como também já aqui disse, Castelmezzano foi uma bela surpresa. Embutida numa vertente rochosa das Dolomiti Lucane, na região da Basilicate, mais parece coisa de filme. Está incluída na lista oficial dos “Borghi Più Belli d’Italia” (aldeias mais belas de Itália), e é uma terrinha encantadora, sossegada, envolta em paisagens de montanha e com muitos recantos e caminhos para explorar.
A Itália nunca desilude!
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