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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qua | 17.11.21

Trás-os-Montes, a terra fria que é quente

 

Trás-os-Montes é terra de extremos: de frio agreste no Inverno e calor fervente no Verão; de paisagens largas onde o olhar se espraia por muitos quilómetros e de aldeias pequenas e isoladas; de mesa farta com carnes e enchidos, mas de onde o peixe anda arredio; de pessoas que trabalham no duro, mas também festejam como se não houvesse amanhã. Região com muito para ver e conhecer e cheia de segredos que só revela a quem se propõe visitá-la com calma, este roteiro que hoje vos sugiro é apenas um “aperitivo”, pois tenho a certeza de que vai abrir-vos o apetite para voltarem a Trás-os-Montes – onde a terra às vezes pode ser fria, mas as pessoas têm um coração quente.

 

 

Dia 1

 

Azibo → Podence → Bragança

 

Desengane-se quem acha que Trás-os-Montes é árida, e para prová-lo o nosso itinerário começa junto a um dos reservatórios de barragem mais belos de Portugal: a albufeira do Azibo. Esta barragem simples, de terra batida (construída nos anos 80, foi considerada a maior deste tipo na Europa e uma das maiores do mundo), deu origem a um lago muito vasto, com contornos irregulares e ilhotas, que oferece uma multitude de perspectivas diferentes, qual delas a mais bonita, quando percorremos o seu perímetro.

 

E vale bem a pena percorrê-lo, parando aqui e ali, mesmo correndo o risco de não apetecer voltar ao carro. Entre os pontos que é obrigatório conhecer está, como é óbvio, a praia fluvial da Ribeira, considerada uma das melhores do país, com boas infra-estruturas e adaptada para todos os tipos de visitantes, onde no Verão a água chega a atingir (à superfície) temperaturas de 24°C.

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Mais pequena e tranquila, a praia fluvial da Fraga da Pegada é outro local excelente, tanto para apreciar a paisagem como para apanhar sol, se o tempo estiver convidativo.

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Imperdível é também ir até Santa Combinha, onde há não só um dos melhores miradouros sobre a albufeira, como também um parque de merendas maravilhoso, no meio de uma extensa zona arborizada. Além disso, é daqui que saem os barcos que fazem cruzeiros pelo lago (um deles, adição recente, é movido a energia solar), sem dúvida a melhor forma de ficar a conhecer a biodiversidade e o enquadramento geológico desta área. E se for ao pôr-do-sol, a experiência será certamente ainda mais inesquecível.

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Quase colada à albufeira, encontramos a aldeia de Podence. Famosa pelos seus caretos, reconhecidos como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO desde Dezembro de 2019, esta aldeia é uma delícia mesmo fora da época do Carnaval. Como não podia deixar de ser, os caretos são omnipresentes, tanto na numerosa arte de rua como no museu que lhes é dedicado, a Casa do Careto.

 

Casa do Careto
http://www.caretosdepodence.pt/casa-do-careto.html
5340-392 Podence
Horário: 10h30-11h50 e 15h-18h
Contactos: telefone 919 750 771  email geral@caretosdepodence.pt

 

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Num dos extremos da aldeia de Podence, a igreja é outro dos pontos de visita obrigatória e surpreende pelo seu interior, riquíssimo em talha dourada.

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Este primeiro dia vai terminar em Bragança, a capital da região, cidade cheia de motivos para uma visita mais demorada e de bons locais para dormir e comer. Se a visita for na altura do Carnaval, Bragança vai estar cheiinha de animação, tanto por causa dos festejos próprios da época, que aqui assumem um cariz muito particular, como pelo Festival do Butelo e das Casulas, duas especialidades da região que é mesmo obrigatório provar, pois não as encontramos noutras zonas do país.

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Dia 2

 

Bragança

 

Bragança tem tanto que ver que é preciso dedicar-lhe pelo menos um dia inteiro – e ainda assim não será possível ver tudo. O passeio pode começar pelo seu local mais icónico: o castelo. O edifício e as muralhas que vemos hoje datam essencialmente de 1409, embora algumas partes sejam mais antigas, desde finais do século XII, quando a povoação instalada no outeiro de Benquerença recebeu foral de D. Sancho I. Dentro da muralha, a atmosfera e os vários recantos para descobrir retardam-nos os passos. O edifício mais conhecido, verdadeiro ex libris da cidade, é a Domus Municipalis, exemplar único da arquitectura civil de estilo românico em toda a Península Ibérica. Ao lado fica a Igreja de Santa Maria, a mais antiga de Bragança, construída no século XIV mas muito modificada no período barroco.

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Igreja de Santa Maria
http://diocesebm.pt
R. da Cidadela s/n, 5300-025 Bragança
Horário: 9h30-17h30
Contactos: telefone 273 329 182  email diocesebragancamiranda@gmail.com

 

No lado norte da muralha, a Torre de Menagem chama a atenção, ela própria rodeada de altos muros de granito, uma fortaleza dentro de outra – e local sem dúvida adequado para alojar o Museu Militar, cujo acervo inclui peças de armamento ligeiro desde o século XII até à Primeira Grande Guerra. Mais atrás espreita a Torre da Princesa, uma torre-alcáçova onde em tempos esteve instalado o Paço do Alcaide.

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Museu Militar de Bragança
https://www.exercito.pt
R. da Cidadela s/n, 5300-025 Bragança
Horário: de terça a domingo 9h-12h e 14h-17h (encerra à segunda-feira e nos feriados religiosos)
Contactos: telefone 273 322 378  email musmilbraganca@mail.exercito.pt

 

O curioso e muito antigo Pelourinho de Bragança, que em tempos se erguia junto à Domus Municipalis, está actualmente colocado no lado oeste da muralha da Torre de Menagem. Embora a maior parte dos seus originais elementos sejam quinhentistas, o berrão que constitui a base é proto-histórico (cerca de 500 a.C.).

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As ruas da cidadela são floridas e as casas estão bem recuperadas e cuidadas. Na via principal para quem entra pela Porta da Vila encontramos o Museu Ibérico da Máscara e do Traje, pequeno mas muito interessante, com uma exposição riquíssima de máscaras, trajes, adereços e objectos usados nas festas de Inverno e de Carnaval em Trás-os-Montes e Alto Douro, e nas Mascaradas de Invierno e festas do Antruejo da região de Zamora.

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Museu Ibérico da Máscara e do Traje
https://museudamascara.cm-braganca.pt/
Rua D. Fernão "O Bravo", 24/26, 5300-025 Bragança
Horário: de terça a domingo 9h-13h e 14h-17h (encerra à segunda-feira, excepto segunda-feira de Carnaval, e nos dias 1 Janeiro, 1 Maio, domingo de Páscoa, 22 Agosto e 25 Dezembro)
Contactos: telefone 273 381 008  email museu.iberico@cm-braganca.pt

 

No exterior da cidadela, o centro histórico de Bragança estende-se pela encosta até à Praça da Sé. A descida pela Rua Abílio Beça é coisa para demorar várias horas, pois é com razão que lhe chamam a rua dos museus. Aqui, quase porta-com-porta, encontramos uma variedade de museus incontornáveis, cada um dentro do seu género, e todos de inegável qualidade. O Museu do Abade de Baçal é o mais antigo de todos eles, e o seu acervo abrange desde peças arqueológicas e etnográficas a obras de arte de valor inestimável, além de muitos outros objectos de vários géneros.

 

Museu do Abade de Baçal
https://www.museuabadebacal.gov.pt/
Rua Abílio Beça, 27, 5300-011 Bragança
Horário: de terça a domingo 10h-12h30 e 14h-18h
Contactos: telefone 273 33 15 95  email mabadebacal@culturanorte.gov.pt

 

Quase em frente, o Memorial e Centro de Documentação Bragança Sefardita, que complementa o Centro de Interpretação da Cultura Sefardita do Nordeste Transmontano, situado um pouco mais abaixo num espaço projectado por Souto de Moura. Este mesmo arquitecto concebeu a remodelação do edifício contíguo, onde está instalado o Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, imperdível para quem aprecia o trabalho desta pintora, mas que também expõe obras e instalações de outros artistas plásticos, nacionais e estrangeiros.

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Centro de Interpretação da Cultura Sefardita do Nordeste Transmontano
http://www.sefarad-braganca.com/pt/visita-virtual/centro-interpretacao-cultura-sefardita/
Rua Abílio Beça, 103, 5300-011 Bragança
Horário: de terça a domingo 10h-13 e 14h-18h
Contactos: telefone 273 240 022  email cicsefardita@cm-braganca.pt

 

Centro de Arte Contemporânea Graça Morais
https://centroartegracamorais.cm-braganca.pt/
Rua Abílio Beça, 105, 5300-011 Bragança
Horário: de terça a domingo 10h-18h30
Contactos: telefone 273 302 410  email centro.arte@cm-braganca.pt

 

 

Os amantes da fotografia não podem deixar de visitar o Centro de Fotografia Georges Dussaud, onde estão expostas imagens captadas por este fotógrafo na região de Trás-os-Montes.

Centro de Fotografia Georges Dussaud
http://www.dussaud-g.fr
Rua Abílio Beça, 75/77, 5300-011 Bragança
Horário: de terça a domingo 9h-12h30 e 14h-17h30
Contactos: telefone 960 461 430 email cfgdussaud@cm-braganca.pt

 

No nosso passeio pelo centro histórico ficamos também a conhecer vários edifícios religiosos notáveis, seculares e cheios de História, como o Convento de São Francisco, as igrejas de São Bento e de Nossa Senhora das Graças e a igreja conventual de São Vicente, ou ainda a Igreja da Misericórdia, seiscentista e original pelas suas fachadas cobertas de azulejo, e finalmente a antiga Sé Catedral (a nova é um edifício moderno situado perto da Câmara Municipal, já fora do centro histórico), de aspecto exterior sóbrio mas possuidora de um portal renascentista e barroco fora do comum.

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Na cidade não faltam também solares e casas apalaçadas dos séculos XVI e XVII, como a Casa do Arco ou o Solar dos Teixeiras, que contrastam com a modernidade e criatividade das obras de arte de rua que estão espalhadas um pouco por todo o lado – resultado do SM’ARTE-Festival de Street Art de Bragança, organizado a cada dois anos.

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Dia 3

 

Bragança → Gimonde → Babe → Rio de Onor

 

Região eminentemente rural, na terra fria de Trás-os-Montes as aldeias compensam o isolamento com a riqueza e singularidade dos seus usos e costumes, e cada uma tem histórias particulares para contar.

 

Gimonde é desde há séculos uma encruzilhada – de rios, pois é aqui que o Malara desagua no Sabor, de pontes, e de estradas. Por aqui passava a via romana XVII, que ligava Bracara Augusta (a nossa Braga) a Asturica Augusta (a hoje espanhola Astorga), como o testemunha a ponte romano-medieval que sobreviveu até aos nossos dias, e que é uma das relíquias da localidade. Atravessada pela EN218, Gimonde continua a ser local obrigatório de passagem para quem viaja por estes lados – e também de paragem, seja para passear pelas ruas, ver burros e cegonhas, apreciar o espaço de lazer junto ao rio Malara e arriscar um salto sobre as poldras, ou comer num dos afamados restaurantes da aldeia.

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O destino seguinte é Babe, a aldeia a que chamam varanda da cidade, pelas vistas panorâmicas que nos oferece sobre Bragança e a serra de Montesinho. Pequena, pacata e desconhecida, tem no entanto muitas histórias para contar. Foi por estas bandas que, em 1387, D. João I de Portugal e o Duque de Lencastre assinaram o Tratado de Babe, o último do processo que estabeleceu a aliança diplomática mais antiga do mundo ainda em vigor, entre Portugal e a Inglaterra. Na Igreja de São Pedro, medieval mas com traços exteriores e riqueza de interiores nitidamente barrocos, uma placa conta que foi também aqui que D. Filipa de Lencastre se despediu dos seus pais para assumir em pleno o papel de uma das rainhas portuguesas mais influentes da nossa História.

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Babe tem ainda reminiscências de outros séculos, como a capela de São José e o bebedouro seiscentistas, a fonte de mergulho, e o casinhoto de pedra a que dão o nome curioso de Tulha das Almas. E é, além de tudo isto, uma aldeia onde as pessoas são de convívio fácil e abrem os braços e o coração a quem os visita.

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Da ignorada Babe seguimos para a bem famosa Rio de Onor. Encostada à sua (menos bonita) irmã espanhola Rihonor de Castilla, a fama ainda não “subiu à cabeça” desta aldeia comunitária, embora já se note que várias das suas casas estão agora convertidas em alojamento para visitantes. Mas continua a ter um ambiente sossegado e a manter vivas algumas das suas tradições, sem se vergar demasiado aos requisitos turísticos. A memória cultural e histórica da aldeia está agora preservada na Casa do Touro, em tempos local onde se acolhia o touro cobridor, também pertença de toda a comunidade, e convertido desde 2018 em espaço expositivo.

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Casa do Touro
https://turismo.cm-braganca.pt/tradicoes-e-experiencias/museus/geo_artigo/casa-do-touro
Aldeia de Rio de Onor, 5300-821 Rio de Onor, Bragança
Horário: de quarta a domingo 14h-18h
Contactos: telefone 273 304 200

 

As casas alinham-se de um lado e do outro do rio, com campos cultivados ao longo de uma das margens. No extremo norte, quase em cima da linha de fronteira, a azenha comunitária nasceu ao lado de uma pequena queda de água. Do outro lado da ponte romana há um telheiro feito de troncos de árvore e com cobertura de placas de xisto, que abriga uns “modernos” tanques de pedra, sem dúvida substitutos de algum antigo lavadouro. No extremo oposto da povoação, ao lado do cemitério, ergue-se a pequena igreja de xisto dedicada a São João Baptista, que se presume ter sido construída no século XVI mas teve muitas alterações posteriores.

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Espero que este “aperitivo” tenha sido suficientemente saboroso para vos entusiasmar a irem conhecer este canto remoto do nosso país – onde, de resto, há muito mais para ver e apreciar.

 

(Este artigo foi publicado pela primeira vez no website Fantastic)

 

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Trás-os-Montes, a terra fria que é quente

 

Sex | 05.11.21

Jardins japoneses neste lado do mundo

 

Um jardim japonês é, por conceito, um lugar de paz, onde a mente se acalma e as preocupações desaparecem, e onde a convivência entre o ser humano e a natureza flui fácil e intuitivamente. A qualidade intrínseca dos princípios que regem os jardins japoneses tornou-os imensamente populares, e hoje em dia existem em todo o mundo. Alguns seguem fielmente os princípios espirituais e estéticos que estiveram na sua origem, outros adaptam-nos livremente, e qualquer que seja a opção o resultado é sempre feliz.

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Admiradora que sou destes jardins (e cada vez mais!), não perco a oportunidade de visitar todos aqueles que vão “surgindo” nas minhas viagens. Alguns são espaços completos, verdadeiros jardins criados de raiz para um determinado local, outros apenas recantos, pequenas áreas dentro de outros maiores ou de parques. Estes de que vos vou falar agora ficam suficientemente perto de nós para serem facilmente visitáveis… quando pudermos.

 

 

Jardim Tropical Monte Palace (Funchal, Madeira)

 

Situado na encosta a sul da igreja do Monte, sobranceira ao Funchal, o Jardim Tropical Monte Palace estende-se por uma área de 70.000 m2 e está estruturado em vários ambientes diferentes, sendo uma grande parte desta área ocupada por dois jardins orientais cuja inspiração de base é o Japão (embora com elementos chineses à mistura).

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Dois grandes cães de Fó guardam a entrada do Jardim Oriental Norte. A partir daqui, o vermelho das portas japonesas e dos corrimões trabalhados contrastam com o verde intenso, declinado em todos os seus tons, da vegetação exuberante. A espaços encontramos esculturas, bancos e lanternas orientais em pedra, além de pagodes em várias versões. E água, muita água por todo o lado, em pequenos apontamentos ou extensões mais alargadas. Bambus, cicas, fetos arbóreos camélias e orquídeas são apenas algumas das milhares de espécies diferentes de plantas que povoam o jardim, em pacífica coexistência com as muitas outras que são típicas da floresta Laurissilva da Madeira.

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Grandes atracções do jardim são as lagoas com os peixes Koi situadas no Jardim Oriental Sul. Em número e variedade impressionante, os peixes estão tão habituados aos visitantes que se aproximam em cardume mal notam a sombra de alguém, e é vê-los a competirem pelo mais pequeno vislumbre de possível comida. Descendentes da carpa negra com o nome de Magoi, os Koi existem no Japão desde o séc. II a.C., e os deste jardim têm uma enorme variedade de cores e tamanhos. Como não sobrevivem em água estagnada, as lagoas tiveram de ser dotadas de um sistema de filtragem tecnologicamente avançado e sem recurso ao uso de produtos químicos.

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O painel “A Aventura dos Portugueses no Japão” é uma obra de fôlego constituída por 166 azulejos que contam a história do intercâmbio cultural e comercial entre o nosso país e o Japão que teve início no séc. XVI. Rodeado de bambus e “protegido” por um buda em pedra, é um dos lugares mais harmoniosos deste jardim.

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Jardim Japonês Pierre-Baudis (Toulouse, França)

 

Ocupa uma área bastante generosa do Parque de Compans-Caffarelli, em Toulouse, e surpreende logo desde que entramos – não é sem razão que está classificado como Jardim Notável pelo Ministério da Cultura francês. Com quase 7000 m2, é uma síntese dos jardins japoneses criados entre os séculos XIV e XVI e composto por todos os elementos característicos desses jardins: composições que evocam os mundos mineral, vegetal e aquático, pontuados por elementos decorativos típicos. Estes cenários desenvolvem-se em torno de um lago onde se debruça um pavilhão de chá aberto, e nem sequer falta uma ponte – bem vermelha, como é tradicional nestes ambientes. O jardim foi criado em 1982 e Pierre Baudis, que era na altura o Presidente da Câmara de Toulouse, foi o seu promotor, razão pela qual lhe deram o seu nome.

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Kyoto Garden (Londres, Reino Unido)

 

O Kyoto Garden é uma bolha de paz e tranquilidade na agitação de Londres, um pedacinho do Japão recriado numa das mais vibrantes e populosas cidades da Europa. Oferecido pela Câmara de Comércio e Indústria de Quioto como parte do Festival do Japão realizado na cidade em 1991, foi concebido pelo designer de jardins japonês Shoji Nakahara no estilo chisen kaiyushiki-en, que significa “jardim para passear com lago”. Nele estão presentes inúmeros elementos que remetem para a cultura japonesa e os seus valores espirituais, em que o espaço entre os vários “objectos” que constituem os pontos fulcrais do jardim, cada um deles com significado próprio, é tão ou mais importante do que esses mesmos componentes. O resultado é um lugar cheio de beleza e harmonia. Todo o jardim está pensado para ser percorrido no sentido dos ponteiros do relógio, para que as suas várias facetas se vão desenrolando aos nossos olhos como se fosse um pergaminho.

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Embora vocacionado para proporcionar calma e uma atmosfera indutora da contemplação e meditação, não se pense que é um jardim estático ou monótono. A cascata abundante, com as pedras a contrastarem com o branco da água a cair (representando o contraste entre o yin e o yang), os coloridos peixes koi do lago e as galinhas d’água dão movimento ao ambiente, que os típicos esquilos londrinos e os pavões acentuam.

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Fukushima Garden (Londres, Reino Unido)

 

Adjacente ao Kyoto Garden foi mais recentemente, em 2012 (na véspera da abertura dos Jogos Olímpicos), criado um outro espaço a que deram o nome de Fukushima Memorial Garden. Este jardim é um agradecimento dos japoneses aos britânicos pelo apoio que prestaram após o tsunami e subsequente desastre nuclear de Fukushima. Idealizado por Yasuo Kitayama, que desde 2011 é responsável pelos jardins japoneses do Holland Park, tem um caminho em cascalho ladeado por rododendros e hortênsias, bancos para descansar e meditar, e um elemento simbólico composto por três pedras que “crescem” do solo – estão ali para evocar uma das divindades mais amadas pelos japoneses, Jizo, que protege as crianças, as mulheres e (nem de propósito…) os viajantes, e para lembrar que a vida nunca pára.

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Kew Gardens (Londres, Reino Unido)

 

Os maravilhosos Jardins Botânicos Reais de Kew, na periferia de Londres, são uma das maiores atracções turísticas da capital inglesa, e o seu valor como paisagem histórica é tão grande que estão desde 2003 classificados como Património Mundial pela Unesco.

 

Também nestes jardins existem algumas “paisagens” de inspiração japonesa. O Jardim de Bambu, que foi criado em 1891, continha na altura 40 espécies de bambu originárias essencialmente do Japão. Hoje tem cerca de 1200, vindas também da China, dos Himalaias e das Américas. Como algumas destas espécies crescem rapidamente e são muito invasivas, estão contidas entre pesadas barreiras de material plástico.

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No Jardim de Bambu encontramos a Casa Minka, uma casa tradicional das quintas japonesas. Originária da região de Okazaki, no sul do Japão, está colocada sobre uma base de grandes lajes – as minkas não tinham fundações de cimento, para permitir a sua flexibilidade na ocorrência de um terramoto. Com uma estrutura feita de troncos de pinheiro atados com cordas, foi construída sem pregos e os seus diversos elementos estão unidos por um sistema de juntas. Até meados do séc. XX, nos ambientes rurais, a maioria das pessoas vivia em casas deste tipo (minka significa literalmente “casa de pessoas”).

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Em 1996 foi concebido um jardim adaptando os estilos de jardim do período Momayama: caminhos desenhados entre lanternas japonesas, bacias de água gotejante, gravilha e grandes pedras, rododendros e anémonas japonesas. Este pequeno jardim desenvolve-se em torno de um portão – Chokushi-Mon, traduzido como “Portão do Mensageiro Imperial” – que é uma réplica à escala de quatro quintos do Portão de Nishi Hongan-ji em Quioto, no Japão. Foi criado para a exposição nipo-britânica que teve lugar em Londres em 1910 e depois reconstruído nos jardins de Kew. Construído no estilo rococó japonês (Momayama), a madeira foi primorosamente trabalhada em relevo com flores e animais estilizados.

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***

 

É talvez algo estranho que um jardim japonês, cuja concepção implica domar e manipular a natureza e os elementos de forma algo rígida, consiga a proeza de harmonizar perfeitamente aquilo que mais nos caracteriza como humanos – o nosso espírito – com o que existe de mais original e menos adulterado na Terra – os mundos vegetal e mineral. Mais do que o gosto pela encenação e pelo rigor que está subjacente à criação de qualquer jardim japonês, talvez a sua essência seja precisamente essa: despertar no ser humano o que lhe é mais natural, humanizando a natureza para que ela ressoe em nós.

 

 

(Este artigo foi publicado pela primeira vez no website Fantastic)

 

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Jardins japoneses neste lado do mundo