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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Ter | 30.03.21

7 aldeias portuguesas para conhecer

 

Apesar dos seus menos de 100 mil metros quadrados, Portugal é uma caixinha de surpresas boas, e nelas incluem-se muitas das nossas aldeias. Ricas em história, tradição, gastronomia, cultura e património artístico, muitas têm o dom de saberem preservar as suas características mais originais, conseguindo ao mesmo tempo reinventar-se e criar novos motivos de interesse para quem as visita. Algumas são muito conhecidas e visitadas, outras permanecem praticamente desconhecidas da maioria de nós. São algumas destas jóias que hoje vos convido a conhecer.

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Alte

 

No concelho de Loulé, aos pés da Serra do Caldeirão, Alte faz parte daquele Algarve que não tem praia e por isso não aparece nos postais ilustrados. Mas devia, porque esta aldeia é um encanto. O seu centro histórico mantém-se fiel às características algarvias mais genuínas: as paredes brancas contornadas a amarelo, azul ou encarnado; as típicas chaminés trabalhadas; as ruas estreitas que favorecem a sombra; as flores que embelezam as casas. O toque mais moderno é dado por várias pinturas murais, espalhadas pelos muros, que reproduzem figuras e actividades típicas da região. Há uma Igreja Matriz de aspecto simples, com raízes medievais mas cuja estrutura actual data do século XVI, como se percebe pelo portal manuelino.

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No extremo nordeste da aldeia encontramos a área das Fontes, onde a ribeira de Alte forma uma espécie de piscina natural rodeada de plátanos, oliveiras e muito verde. Uma escultura de Vítor Picanço que evoca Naia, a musa da ribeira, projecta-se das águas. Nas margens, unidas por uma ponte, existe um parque de merendas dos anos 40 que é ao mesmo tempo local de homenagem a Cândido Guerreiro, nascido em Alte. Há azulejos com sonetos do poeta e um pequeno monumento evocativo. Das três bicas da Fonte Pequena, decorada com um painel de azulejos que representa Santo António, a água corre permanentemente.

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Um caminho pedonal que começa junto ao cemitério leva-nos até um dos lugares mais fotografados e frequentados do Verão que passou: a Queda do Vigário, um dos melhores segredos do Algarve até há pouco tempo. Ao pé de uma ampla área arrelvada, a ribeira de Alte salta de 24 metros de altura e forma uma lagoa límpida e fresca, muito procurada para banhos nos dias mais quentes.

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Álvaro

 

Faz parte da Rede das Aldeias do Xisto – é uma das chamadas “aldeias brancas”, em que o xisto de que as casas são feitas está, na maioria delas, rebocado e pintado de branco – e tem uma localização verdadeiramente privilegiada, alongando-se na crista de uma colina debruçada sobre o rio Zêzere.

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A sua história já se perde no tempo, mas sabe-se que pertenceu à Ordem de Malta entre os séculos XII e XV. O carácter religioso desta aldeia está bem patente nas várias igrejas, capelas e alminhas que encontramos ao passear nas ruas estreitas e sinuosas que sobem e descem para acompanhar o relevo geográfico. Entre os pontos de interesse principal estão a Igreja Matriz, dedicada a São Tiago Maior, e a Igreja da Misericórdia, que tem um volume irregular e um telhado curioso que se projecta parcialmente, de ambos os lados, numa espécie de beiral suportado por barrotes. Esta pequena igreja de finais do século XVI ainda mantém algum do seu carácter original, expresso no portal de granito e na imagem de Nossa Senhora que se encontra por cima dele.

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Na aldeia permanecem em bom estado algumas casas do século XIX, ao lado de outras imaculadamente pintadas de branco e com uma faixa de cor discreta na base, cuja curiosidade maior é o facto de terem, ao lado da porta principal, uma porta muito pequena por onde é impossível um adulto passar sem ser de cócoras. Álvaro foi uma das aldeias afectadas pelos incêndios de 2017, e os efeitos da destruição ainda hoje são marcantes, com muitas casas em ruínas, meros esqueletos de pedra sem telhas nem vidros, as suas entranhas invadidas por matagal e lixo.

 

 

Casal de São Simão

 

É difícil acreditar que esta aldeia, hoje tão graciosa e bem cuidada, estava praticamente abandonada há cerca de duas décadas. A compra de várias casas por um grupo de amigos e a posterior criação da associação Refúgios de Pedra levou à recuperação de 23 habitações, todas em xisto, cada uma delas seguindo a traça original e embelezada com detalhes que atraem o olhar: uma varanda de madeira, trepadeiras que sobem pelas paredes, vasos com formas diferentes, uma chaminé decorada, um telheiro sobre a porta, varandins feitos de troncos, uma carroça antiga para guardar a lenha… Os pormenores fazem-nos atrasar o passo para reparar em tudo, e demoramos muito tempo a percorrer esta aldeia que praticamente só tem uma rua.

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Situada no cimo de uma encosta íngreme, da aldeia temos uma vista privilegiada para o maciço quartzíticos das Fragas de São Simão e também, desde o Verão passado, para a grande escadaria de madeira aí instalada, a que dão o nome de passadiço.

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Lá em baixo corre a ribeira de Alge, que alcançamos descendo por um trilho pedestre bem identificado e nos leva depois até uma das praias fluviais mais bonitas do nosso país, com um entorno paisagístico absolutamente idílico.

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Fonte Arcada

 

Ergue-se sobre a margem esquerda da Barragem de Vilar, que represa o rio Távora e é a maior do distrito de Viseu, e esta localização privilegiada faz com que um dos seus maiores atributos seja a espantosa paisagem que se avista dos pontos mais altos da aldeia. Com a sua história a perder-se na incerteza do tempo, o nome da povoação vem de uma fonte com arco ogival, que ainda podemos ver no sítio da Cova da Moura e data dos sécs. XIII ou XIV – ou até talvez XII, pois não se consegue precisar ao certo a sua origem.

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Nesta aldeia bonita há muito que ver: uma igreja românica, um pelourinho, vários solares do séc. XVII, casas antigas de pedra com varandas de madeira, um santuário dedicado à Nossa Senhora da Saúde, e uma peculiar Torre do Relógio, que na verdade não tem um relógio mas sim um sino (que em tempos idos marcava as horas pelas quais os aldeões se guiavam) e foi construída num local a que chamam Castelo, embora de algum castelo não existam quaisquer vestígios. É daqui que temos uma vista privilegiada sobre o casario da localidade, do lado nascente, e a barragem, do lado onde o sol se põe.

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Janeiro de Cima

 

É também uma Aldeia do Xisto, e aqui a pedra das casas permanece bem visível. Estendendo-se a partir da margem do rio Zêzere – onde foi criado o Parque Fluvial da Lavandeira, uma área com relva bem cuidada, que funciona simultaneamente como praia e parque de merendas – é em redor da Igreja Velha que encontramos a parte mais antiga de Janeiro de Cima, recuperada e com muitas das casas embelezadas com trepadeiras e vasos de flores. Estas casas apresentam a particularidade de mostrarem, nas paredes construídas, grandes seixos rolados extraídos do rio, intercalados com os blocos irregulares de xisto. Algumas destas construções datas dos séculos XVII e XVIII, e as poucas casas que têm reboco estão pintadas de branco ou com cores vivas.

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Um dos projectos mais conhecidos de Janeiro de Cima é a preservação da tecelagem tradicional com linho, e foi com esta finalidade que surgiu a Casa das Tecedeiras, oficina e loja ao mesmo tempo, onde foram montados teares para a produção de peças várias feitas com recurso às técnicas tradicionais. Ao lado da casa, uma enorme escultura de betão e aço evoca precisamente um tear. A Casa das Tecedeiras funciona também como centro interpretativo e tem em exposição para venda peças muito bonitas, algumas também em tecido.

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Outeiro

 

Na orla do planalto da Mourela, a mais de 800 metros de altitude e sobranceira à margem oeste da albufeira da Paradela, encontramos esta pequena aldeia do concelho de Montalegre. As casas de pedra onde vivem os seus cerca de 150 habitantes distribuem-se desafogadamente por umas quantas ruas estreitas e sinuosas, e estão na sua maioria bem cuidadas. Algumas têm ar de serem recentes, ou pelo menos terem sido alvo de obras que lhes deram um aspecto mais moderno, mais “composto”, sem aquela organização irregular das pedras que se nota nas que são visivelmente mais antigas. A aldeia está rodeada de campos de cultivo e de pasto, uma espécie de anfiteatro verde que amplia o som metálico dos chocalhos dos animais. Sardinheiras de cor fúcsia espreitam entre os ferros das varandas e espalham-se pelos degraus das escadas, notas vivas de cor às quais se juntam pneus com pinturas garridas pendurados ao lado das portas. E há espigueiros, quase todos de ar vetusto, um deles o mais invulgar e bonito que vi até hoje, adornado com gravações em relevo no granito manchado por musgos e líquenes.

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Pia do Urso

 

Diz a lenda diz que o topónimo desta aldeia vem de longe, quando ainda havia ursos em Portugal e o local, abundante em água, era frequentado por pelo menos um exemplar da espécie. Verdade ou não, este animal é o símbolo do lugar e a sua imagem está por todo o lado nas mais variadas versões. Conta também a história que esta foi zona de ocupação romana, e que por aqui passaram em 1385 os exércitos do Condestável a caminho da célebre batalha de Aljubarrota, e mais tarde, no séc. XIX as tropas invasoras francesas. Bem comprovada que está a antiguidade de Pia do Urso, a aldeia de hoje tem pouco a ver com a do passado. Tipicamente serrana, com habitações em pedra e madeira, o trabalho de recuperação e requalificação de que tem vindo a ser alvo transformou-a num local florido, limpo e bem ordenado – uma espécie de postal ilustrado, que poderá desagradar a quem goste pouco de restaurações demasiado estéticas mas irá com certeza encantar a maioria dos visitantes. Rodeada pelo verde da serra, com ruas onde só aos habitantes é permitido o trânsito automóvel, sente-se no ar da aldeia o cheiro das árvores e das flores que trepam pelas paredes das casas, a maioria delas decoradas com pormenores fora do comum.

 

Aqui foi criado há alguns anos o primeiro Ecoparque Sensorial do país, um percurso ao ar livre muito agradável e um favorito das crianças, concebido a pensar nas pessoas invisuais e na possibilidade de apreensão do meio que nos rodeia através de sentidos como o olfacto, o tacto ou a audição.

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***

 

Não está fácil viajar nos tempos que correm, mas felizmente há muitas formas de “levar água ao nosso moinho”. E uma delas pode ser simplesmente ir conhecer aquela aldeia que está a poucos quilómetros da nossa casa. Aceitam o desafio?

 

(Este roteiro foi publicado pela primeira vez no website Fantastic)

 

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Aldeias com histórias: Fonte Arcada

Aldeias com histórias: Babe

Nos meandros do Zêzere

Nas curvas da Pampilhosa

Em busca das aldeias avieiras

Juízo, uma aldeia que tem histórias

Cevide, onde Portugal começa

A plácida Idanha-a-Velha

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Sete aldeias portuguesas para conhecer

Sex | 19.03.21

Diário de uma viagem à Islândia VII

Húsavík e um passeio de barco

 

Uma das actividades que queríamos fazer na Islândia era um passeio de barco para ver baleias. Há operadores turísticos que organizam estes passeios em vários pontos do país – incluindo Reiquiavique e Akureyri – mas aquele que está considerado como o melhor local da Europa para avistar baleias é Húsavík, uma cidade situada na baía de Skjálfandi. E foi por esta razão que passámos no mar a manhã do nosso sétimo dia de viagem.

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Dia 7

 

Às nove e pouco já estávamos a tomar o pequeno-almoço na Heimabakari, uma pastelaria que fica quase junto à estrada principal de Húsavík, muito perto do porto. O dia não se mostrava muito auspicioso, com o céu completamente tapado por nuvens cerradas e baixas, mas o termómetro do carro tinha-nos dito que estavam uns “fantásticos” 8°C, e pelo menos (ainda) não chovia.

 

Há diversas empresas que organizam passeios para ver baleias a partir de Húsavík, e depois de algumas pesquisas tínhamo-nos decidido pela North Sailing, com saídas a várias horas do dia. Já tínhamos reservado pela net os bilhetes para as 10 da manhã, mas ainda foi preciso passar pela loja da agência, que fica no porto, para os levantar e saber qual o barco em que iríamos sair. Apesar do fluxo reduzido de turistas por comparação com outros anos, a fila de passeantes já extravasava para o exterior do pavilhão de vidro com telhado irregular onde a North Sailing está instalada. Depois descemos ao cais e deram-nos uns macacões acolchoados para vestirmos por cima da roupa toda que trazíamos, e que no meu caso incluía camisolão grosso, cachecol (e o meu inseparável gorro, que nunca foi tão usado como nesta viagem) e anoraque, por isso ficámos com ar de quem tinha engordado 20 quilos de repente.

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Finalmente, embarcámos no Náttfari, um antigo barco de pesca construído em 1965 e utilizado até 1990 para capturar arenque. Abandonado numa doca de Reyðafjörður, é mais um exemplo da paixão que os islandeses parecem ter pelas velharias e por as recuperar – e que é perfeitamente compreensível, tendo em conta que a ilha está muito isolada e tem poucos recursos, o que torna tudo mais dispensioso. O Náttfari – tomou de empréstimo o nome do primeiro residente permanente da Islândia, que se instalou precisamente na baía de Skjálfandi – foi cuidadosamente reconstruído e convertido para poder acomodar até 90 passageiros, mantendo as suas características clássicas essenciais. Tem a particularidade de possuir o cesto da gávea mais alto de toda a frota da North Sailing, onde um membro da tripulação perscruta constantemente as águas à procura de indícios da presença de baleias.

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Uma mistura de correntes frias e quentes e a abundante luz diurna no Verão fazem com que as águas da costa islandesa sejam propícias à abundância de krill e peixe, e por isso um chamariz para nada menos do que 23 espécies diferentes de cetáceos. Os mais comuns em todo o país são as toninhas e as baleias-bicudas, mas também se vêem com frequência orcas e baleias-jubarte, e ocasionalmente até mesmo cachalotes e baleias-azuis.

 

A baía de Skjálfandi é particularmente profunda, e talvez por isso muito procurada pelas baleias-jubarte (também conhecidas como baleias-corcunda ou baleias-de-bossa), autênticos gigantes marinhos que podem chegar às 40 toneladas de peso e 16 metros de comprimento, e que precisam de mergulhar bastante para encontrarem comida em quantidade suficiente para se alimentarem (cerca de 2 toneladas por dia). Considerando que uma baleia-jubarte adulta tem de vir respirar à superfície a cada 7-15 minutos, só com muito azar é que não se conseguirá avistar algum destes mamíferos marinhos durante um passeio de barco a partir de Húsavík. Estas baleias têm além disso a característica de ocasionalmente darem grandes saltos para fora de água, e esta possibilidade é um motivo acrescido de interesse destes passeios. Os cientistas supõem que os saltos das baleias são usados como forma de comunicação e socialização entre elas. Uma vez que o som se propaga muito rapidamente debaixo de água, o barulho das barbatanas e da cauda ao baterem com força na superfície do oceano pode servir para enviar mensagens para outras baleias que se encontrem a uma grande distância.

 

Com o Náttfari completamente cheio, saímos finalmente do porto, enquanto a nossa guia – uma espanhola simpática que falava um inglês mais ou menos aceitável – nos explicava que as perspectivas de avistarmos baleias eram excelentes, que o tempo estava bastante bom (pelos padrões locais, certamente), que não havia grande ondulação e portanto haveria menos hipóteses de enjoarmos, e nos dava mais algumas informações práticas. Depois colocaram à nossa disposição capas de oleado para vestirmos por cima dos macacões, e mal nos afastámos da protecção do porto percebemos porquê: em mar mais aberto, o vento e a deslocação rápida do barco faziam levantar abundantes chapadas de água, a que se juntava uma humidade tão grande que quase parecia chuvinha. Fiquei a parecer um boneco da Michelin laranja-fluorescente, mas acabei por dar graças a tanta camada isoladora, que me protegeu de congelar durante as cerca de três horas que durou o passeio. Nestas latitudes e rodeados de água gelada, o frio que se sente num barco em movimento, mesmo que não vá muito depressa, é para lá de imaginável.

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O melhor indicador da proximidade de uma baleia são os jactos de água que lança para o ar quando sobe quase à superfície. Avançando pelas águas da baía, íamos passando a curta distância de bandos de gaivotas barulhentas e de puffins super fofos, muito mais ágeis no mar do que em terra, os seus volumosos bicos laranja a destacarem-se no mar cor de chumbo, desaparecendo de repente quando mergulhavam em busca de peixe. Ao fim de cerca de uma hora começou a notar-se alguma agitação. O Náttfari não era a única embarcação nas redondezas, e as lanchas rápidas dos tours privados, que apenas transportam meia dúzia de pessoas, aceleravam a toda a velocidade em direcção a um determinado ponto. Finalmente, conseguimos avistar um repuxo que parecia vapor de água e pouco depois emergiu, a umas dezenas de metros de distância, um dorso cinzento muito escuro, seguido de uma barbatana caudal. Tão depressa como tinha aparecido, a baleia desapareceu, e a guia informou-nos de que só voltaria à superfície dali a algum tempo, em local ainda desconhecido.

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Por sorte, havia mais do que uma baleia nas redondezas, e ainda tivemos oportunidade de ver mais algumas, nenhuma delas muito perto e sempre apenas durante breves segundos. Os melhores indicadores do local para onde olhar acabavam por ser as lanchas rápidas, cuja maior facilidade de manobra e velocidade as faziam colocar-se mais depressa e muito mais próximo dos locais onde havia indícios de que alguma baleia emergisse. E foi precisamente bastante perto de uma dessas lanchas que vi, de repente, uma das “estrelas” que perseguíamos dar um enorme salto para fora de água. Totalmente inesperado que foi o acontecimento, não tive hipótese de o fotografar, mas a imagem ficou bem gravada na minha memória.

 

Tal como em vários outros países (incluindo Portugal), a captura de cetáceos para consumo foi durante séculos uma fonte de alimento e rendimento para a Islândia, e legalmente continua a ser permitida. Em termos práticos, a única espécie capturada nestas águas em anos recentes foi a baleia-bicuda (que em boa verdade é mais parecida com um golfinho do que com uma baleia), presente nas costas islandesas em grande quantidade e cuja caça é vista pelos países nórdicos como uma forma de controlo da sua população. No entanto, a pressão da opinião pública e o decréscimo no consumo deste tipo de carne conduziram àquilo que se prevê já ser o fim da caça à baleia na Islândia. Em 2019 e 2020 não foi capturado nenhum animal destas espécies, e as duas maiores empresas islandesas que se dedicavam a esta actividade já vieram a público dizer que iriam abandoná-la. Nos últimos anos, a maioria destas capturas destinavam-se a ser exportadas para o Japão, o maior consumidor mundial de carne de baleia. Mas a apetência por esta carne também diminuiu drasticamente neste país, que se viu a braços com um excesso de produção e actualmente restringe a área de captura de cetáceos às suas próprias águas territoriais. Com o simultâneo incremento das receitas geradas pelos passeios turísticos para observação de baleias, a Islândia já percebeu que esta fonte de rendimento mais recente lhe traz maiores vantagens.

 

Quando encetámos o percurso de regresso ao porto, a tripulação serviu-nos bolos de canela e chocolate quente, que o meu estômago agradeceu. Por esta altura já tinha a cara e as mãos tão frias que mal as sentia, apesar de as manter quase sempre resguardadas dentro do fato. O tempo estava a piorar e íamos contra o vento, por isso o barco balançava mais e algumas pessoas começaram a enjoar. Pela minha parte, fiquei-me apenas por uma ligeira má-disposição, que vento gelado na cara até ajudava a diminuir e que passou assim que pus pé em terra. Gosto imenso de passeios de barco, mas estar várias horas ao frio torna-se um bocado penoso. No geral, o passeio não foi muito compensador; se voltasse a fazê-lo talvez optasse por uma lancha rápida, apesar de ser bastante mais caro. Ainda assim, foi mais uma experiência nova, e só por isso já valeu a pena.

 

Húsavík significa “baía das casas”, e crê-se que o nome da cidade tenha a ver com a história do colono Náttfari, o tal que deu nome ao barco em que fizemos o passeio. Por volta do ano 860, antes de os primeiros colonos noruegueses se terem instalado na ilha, um viking sueco de seu nome Garðar Svavarsson viu o seu barco ser arrastado por uma tempestade para uma costa desconhecida. Percorrendo essa costa, percebeu que se tratava de uma ilha, a que deu mais tarde o nome de Garðarshólmi (literalmente, a ilha de Garðar). Instalou-se na baía de Skjálfandi para passar o Inverno, supõe-se que no local onde hoje se ergue Húsavík. Náttfari era um dos membros da sua tripulação, mas não se sabe exactamente se era também Viking ou apenas um escravo. Quando Garðar decidiu regressar à sua terra, Náttfari conseguiu escapar-se, acompanhado por dois escravos, e permaneceu na ilha, instalando-se do outro lado da baía e depois mais para o interior. Não há registo do que foi a sua vida depois disso, mas terá sido o primeiro residente permanente da ilha, embora este “título” seja oficialmente atribuído a Ingólfur Arnarson, o norueguês que fundou Reiquiavique em 874 d.C. Em 1974 celebraram-se os 1100 anos de povoamento da Islândia, mas quatro anos antes a população de Húsavík organizou as suas próprias celebrações em honra dos verdadeiros primeiros colonos do país, Náttfari e os seus dois companheiros.

 

Húsavík tem menos de três mil habitantes e as suas maiores fontes de rendimento são a pesca e sobretudo o turismo, embora também exista alguma pequena indústria. É uma cidade agradável e com um ambiente harmonioso, sobretudo por ser muito mais arborizada do que as suas congéneres, pelos barcos tradicionais recuperados que enchem o porto, e pela sua igreja, que parece directamente saída de um conto dos irmãos Grimm.

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Rögnvaldur Ólafsson, o arquitecto que a concebeu em 1907, inspirou-se de facto nos chalés dos Alpes suíços para criar um edifício primoroso, diferente pelas referências que o inspiraram, em que se nota muito cuidado no desenho e na execução mas que não deixa de ser simples, e que passaria perfeitamente por uma casa de habitação se não tivesse a torre tradicional dos edifícios religiosos ocidentais. Construída em madeira e pintada de branco, é atravessada por frisos de cor grená, que também contornam as suas muitas janelas, as portas e os beirais. Os telhados, pintados num tom verde profundo, são irregulares, desdobrando-se em várias águas de tamanhos variados, com um pináculo muito íngreme e pontiagudo. É o orgulho da cidade, o que compreendo bem por ser realmente um edifício digno de admiração e carinho, e para mim é a igreja mais bonita de toda a Islândia.

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Provavelmente devido à abundância de turismo, em Húsavík não faltam restaurantes bem cotados, razão pela qual decidimos que seria aqui que iríamos experimentar uma refeição mais tradicional. Talvez por ser sábado e apesar de serem apenas sete da tarde – bastante cedo pelos nossos padrões, mas pelos vistos não pelos islandeses – não foi fácil arranjar lugar para comer. Tentámos o Naustið, mas estava completamente cheio e teríamos de esperar mais de uma hora, pelo que desistimos. No Salka tivemos mais sorte, esperámos apenas uns 10 ou 15 minutos até nos encaminharem para uma mesa no piso superior, simpaticamente colocada ao pé de uma janela. O restaurante fica num edifício histórico, construído em 1883, que foi em tempos a primeira cooperativa da Islândia, mas o ambiente é muito descontraído e o serviço foi bastante rápido. O atendimento é feito por rapazes e raparigas com ar de universitários a fazerem uns biscates durante as férias, mas simpáticos e profissionais e, como em qualquer outra cidade turística da Europa, os clientes são um misto de estrangeiros e islandeses, aos pares ou em pequenos grupos. A animação habitual de um sábado à noite.

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O menu do Salka é muito variado, e vai desde pizzas a hambúrgueres vegetarianos e sanduíches, passando por pratos de peixe ou carne mais típicos, sopas e marisco. Como já expliquei no post Coleccionar paisagens surreais na Islândia, a comida tradicional islandesa não é a melhor do mundo – entre os pratos mais genuinamente islandeses encontramos, por exemplo, cabeça de carneiro cozida e tubarão fermentado (ou seja, podre!) – e por isso optámos por escolhas seguras: sopa de marisco e borrego estufado acompanhado por uma espécie de empadão de batata. A sobremesa foi um doce óptimo tipo suspiro, com gelado e molho de fruta. Estava tudo muito saboroso e foi uma bela refeição, embora obviamente bastante cara pelos nossos padrões.

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Uma das coisas que descobri neste jantar foi que na Islândia não consomem água sem gás engarrafada (embora haja à venda nos supermercados, mas só os turistas é que compram). A razão é simples: a água canalizada na Islândia é tão pura que nem precisa de ser tratada, e por isso a água que sai da torneira é igual a qualquer água que seja vendida em garrafas.

 

Húsavík tem dois museus e umas belas piscinas geotermais, mas depois de jantar não há actividade melhor do que um passeio a pé. Praticamente ignorado pelos guias de viagem e meio escondido nas ruas secundárias, encontrámos o melhor segredo da cidade: o Skrúðgarður, um parque ajardinado absolutamente adorável.

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O Skrúðgarður foi criado em 1975 por iniciativa de uma associação feminina local, e ao longo das margens do ribeiro Búðara foram plantadas 391 árvores, tanto de espécies indígenas como exóticas. O parque foi enriquecido ao longo dos anos com áreas arrelvadas, arbustos e maciços floridos, bancos para descansar e locais de piquenique. O ribeiro está represado e uma das suas extremidades forma um lago elíptico onde vagueiam famílias de patos.

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Um dos acessos ao parque faz-se pela Ásgarðsvegur, passando por uma ponte de madeira pintada de vermelho-ferrugem, que me faz lembrar vagamente as pontes dos jardins japoneses. Neste local o ribeiro é mais estreito, e corre rebelde e cheio de genica. A Ásgarðsvegur é uma rua com casas grandes, de aspecto próspero e bem conservadas, cujos jardins traseiros compõem a margem norte do Búðara. Será certamente a zona nobre da cidade.

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Do lado do acesso principal há outra ponte, esta em metal, sobre a zona mais ampla do lago. Na avenida do lado sul há algumas casas de madeira centenárias com características particulares, pintadas em cores que chamam a atenção. Todo o parque e o seu entorno têm um encanto especial e este passeio a pé, apesar de curto porque entretanto começou a chuviscar, foi um dos melhores momentos do dia e fez com que eu ficasse (ainda mais) rendida à pequena cidade de Húsavík.

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E por fim, uma curiosidade engraçada (e uma coincidência). Foi lançado em Junho de 2020 na Netflix um filme americano com o título “Festival Eurovision da Canção: A Saga de Sigrit e Lars”, uma comédia cujo enredo gira à volta de um casal de cantores pop islandeses que sonham vencer o festival da Eurovisão. O filme tem actores bem conhecidos e a intenção era que chegasse às salas de cinema por alturas da transmissão do referido festival, mas o evento acabou por ser cancelado devido à pandemia e a alternativa foi o lançamento através da mega conhecida plataforma de filmes e séries em streaming. Sucede que parte das cenas daquele filme foram rodadas precisamente em Húsavík e arredores, o que aumentou de imediato o interesse pela cidade em termos turísticos. A partir da altura em que o filme foi divulgado, o website do turismo local, Visit Húsavík, teve um aumento de 400% no número de visitantes diários. A comunidade e as entidades oficiais têm desde então tentado capitalizar esta atenção acrescida: já existem passeios turísticos organizados para visitar os locais de rodagem do filme, e está em curso uma campanha de crowdfunding para criar um museu dedicado à Eurovisão, entre outros planos mais ou menos ambiciosos (como sejam fazer de Húsavík a “capital da Eurovisão”). Para aumentar todo este entusiasmo, soube-se há dias que na lista de nomeados aos Óscares de 2021 está incluída uma das canções do filme, que se chama precisamente “Húsavík – My Home Town”. É definitivamente a “cereja no topo do bolo” para esta cidade, pequena em tamanho, mas enorme em encantos e em motivos para ser visitada.

 

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O roteiro e várias informações práticas sobre a Islândia estão aqui: Coleccionar paisagens surreais na Islândia

 

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Diário de uma viagem à Islândia: Húsavík e um passeio de barco

Qua | 10.03.21

Diário de uma viagem à Islândia VI

Na Norðurland Eystra (Região Nordeste)

Se no dia-a-dia me parece que o tempo voa, quando viajo sinto que voa a velocidade supersónica. Já estávamos quase a meio da viagem, com mais de 1500 quilómetros percorridos, e ainda só tínhamos visitado uma pequenina parte da Islândia. Neste sexto dia estava previsto passarmos por vários dos locais mais famosos do país: cascatas, lagos, a segunda maior cidade da Islândia... Prometia ser um dia em cheio – e foi!

233 Diário Islândia - Hverir

 

Dia 6

 

Hófsós, a localidade onde dormimos no final do quinto dia desta viagem, fica na Norðurstrandarleið (ou, em bom inglês, Arctic Coast Way) e foi nesta estrada costeira que, depois do pequeno-almoço que preparámos na cozinha da guesthouse, continuámos viagem até Siglufjörður. O dia estava macambúzio, com nuvens tão baixas que mais pareciam nevoeiro, e os 6°C da temperatura do ar reforçavam a sensação de estarmos no Inverno, não quase em finais de Julho. Não tardou a começar a chover, embora em pequena quantidade, antes uma morrinha intermitente que acinzentava a paisagem. Pela janela do carro iam desfilando quintas, pastagens, cavalos, sempre com o mar de um lado e as montanhas do outro, manchadas de neve. A meio do caminho, um engarrafamento: um rebanho de cabras (as primeiras que vimos na ilha) trotando animadamente, ocupando toda a largura da estrada, pastoreadas por um rapaz montado numa bicicleta. Neste engarrafamento havia um único carro, o nosso, e talvez por isso não se sentiram muito pressionadas para nos deixarem passar. Quanto a nós, não estávamos propriamente com pressa – vantagens de estar em férias – e as cabras foram uma distracção bem vinda.

234 Diário Islândia - Região Nordeste

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Contrariamente ao que sucedeu com grande parte das vilas islandesas que visitámos, simpatizei de imediato com Siglufjörður. Aninhada no fundo de um fiorde, protegida pelos picos nevados que a rodeiam, a vila foi no século passado a capital da pesca do arenque no Atlântico. Mas nos anos 60 o arenque desapareceu das costas do norte da Islândia, e Siglufjörður entrou em declínio. Dos 3 mil habitantes que tinha na época passou para os cerca de 1300 da actualidade, e embora os sucessivos governos tenham tentado incentivar a fixação de pessoas na vila, ligando-a às regiões vizinhas por um sistema de túneis que veio facilitar as deslocações, a recuperação mostra-se lenta. A par com a actividade piscatória, que continua a ser a mais importante, o turismo tornou-se outra das fontes de rendimento de Siglufjörður. Numa das extremidades do porto foi construída uma pequena marina, e em seu redor criado um complexo turístico que inclui um hotel e dois restaurantes, edifícios baixos construídos de acordo com as linhas da arquitectura típica escandinava e pintados com cores contrastantes. A chuva miúda e os 5°C de temperatura não convidavam a demoras, mas ainda assim achei o local encantador – e alguns patos que nadavam na marina partilhavam certamente a minha opinião. Estivesse o tempo mais agradável e ter-me-ia sem dúvida alongado mais por ali.

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As ruas de Siglufjörður são compridas e estendem-se paralelas à costa, distribuindo-se em níveis pelo declive suave na base da montanha. As casas parecem ser maioritariamente unifamiliares e quase sempre têm dois pisos, ou mais raramente três. Algumas são mesmo muito bonitas, com telhados irregulares divididos em várias águas, por vezes ornamentados com frisos, e com janelas e varandas trabalhadas.

239 Diário Islândia - Siglufjörður

Em frente ao porto, um grupo de construções variadas alberga o Museu da Era do Arenque, considerado um dos melhores museus do país e único no seu género em todo o mundo. Cada um dos edifícios tem uma exposição diferente, abrangendo desde barcos a equipamentos eléctricos, documentos, artefactos, e toda a história da pesca e salga do arenque e da vida comunitária na região. Inclui também o espaço exterior aberto que é desde 1934 o estaleiro de construção naval da localidade, e que continua a funcionar para reparação das embarcações afectas ao Museu e construção de pequenos barcos a remos.

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A distância que separa Siglufjörður de Ólafsfjörður, localizada dois fiordes e correspondentes cadeias montanhosas para leste, é hoje em dia de apenas 17 km e vence-se em meros 20 minutos graças aos dois túneis rodoviários inaugurados em 2010, construídos para combater o isolamento destas localidades. O minimalismo que parece estar generalizado na Islândia faz com que a maioria dos túneis só tenha uma faixa de rodagem, com escapatórias num dos lados para que os carros possam recolher-se quando vem um veículo em sentido contrário, mas não é felizmente o caso destes, provavelmente por serem bastante longos: o túnel norte tem 3,7 km e o sul 6,9 km.

 

O programa de visitas para este dia era muito ambicioso, razão pela qual ignorámos Ólafsfjörður e Dalvik, duas localidades sem nada de muito especial para ver, e seguimos viagem junto à costa até Akureyri, a segunda maior cidade da Islândia. Com os seus quase 19 mil habitantes, é a zona mais populosa depois de Reiquiavique e arredores, facto a que não será alheio o seu clima mais ameno do que o das áreas circundantes, pois as águas do porto nunca congelam.

243 Diário Islândia - Akureyri

O estômago já dava horas, por isso estacionámos o carro perto do Hof, o centro cultural e de congressos que é actualmente um dos edifícios mais icónicos da cidade, e abancámos no interior do DJ Grill. Já falei sobre a comida no post Coleccionar paisagens surreais na Islândia, mas ainda ficou alguma coisa por dizer. Muitos dos restaurantes islandeses, mesmo que bem cotados (no TripAdvisor, por exemplo) não são mais do que uma espécie de fast food melhorado. Não quero dizer com isto que a comida seja má, porque não é. Simplesmente as opções no menu são relativamente reduzidas e sobretudo pouco variadas. Ao contrário do que poderíamos pensar (ilha = muito peixe), há uma predominância de carne em todo o lado, sobretudo de borrego (obviamente!) e de vaca. Os restaurantes mais em conta são tipo as nossas hamburguerias gourmet, onde a base é carne grelhada, ou por vezes frita, geralmente no pão, e o que varia são os acompanhamentos. Note-se, no entanto, que a carne é muito boa. Também têm normalmente pizzas, e por vezes pratos de outros países, particularmente indianos, mexicanos ou japoneses. Fish & chips e calamares aparecem com frequência nos menus, mas peixe a sério só mesmo nos restaurantes mais caros. Quem for vegetariano não tem problemas porque há sempre saladas, e costumam ter alguns pratos sem glúten.

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Com tudo isto, não se come mal na Islândia, e o pior de tudo é mesmo a factura. No DJ Grill pagámos 27€ por dois menus de hamburger com ovo, batatas e alguns extras, incluindo a bebida – e foi a segunda refeição mais barata das que fizemos em restaurantes durante toda a viagem. As batatas eram das congeladas e o pão o normal dos hambúrgueres, mas estava tudo bem confeccionado e saboroso. O ambiente é informal e não demoraram demasiado a atender, apesar de terem as mesas quase todas ocupadas. Percebe-se que é um restaurante popular, muito frequentado por famílias, e foi uma boa opção para fugir do frio do exterior – apesar de Akureyri ter temperaturas menos geladas do que o resto do norte da ilha, e de o dia estar ensolarado, fazia-se sentir um vento cortante que não deixou o termómetro subir acima dos 9 graus.

 

Akureyri é a cidade onde a luz vermelha dos semáforos é um coração. Em 2008, o ano da grande crise financeira na Islândia, a Câmara Municipal achou por bem incentivar o espírito positivo dos habitantes salientando aquilo que realmente importa na nossa vida, e decidiu transformar o habitual círculo vermelho num coração. A ideia foi um sucesso, e passou a tradição. É mais um exemplo do carácter do povo islandês, habituado a resistir às situações mais duras sem baixar os braços, e a valorizar o que é essencial.

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A meio da rua pedonal dedicada ao comércio, a Hafnarstræti, também há um grande coração encarnado, em cuja base se lê “love akureyri”. É nesta rua que estão algumas das casas mais originais da cidade, como o Blaa Kannan Café, pintado nas cores da bandeira islandesa e com duas torres pontiagudas a fazerem lembrar os palácios dos contos de fadas, ou a gelataria Turninn, que parece uma igreja e tem uma exótica cor rosa-bombom.

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A Akureyrarkirkja é outra das construções emblemáticas da cidade. As igrejas islandesas não são feitas para passarem despercebidas, e esta não é excepção. Isolada no cimo de uma grande escadaria, sóbria na sua cor cinza-quase-branco, destaca-se pelo formato modernista geométrico. Foi concebida pelo mesmo arquitecto que criou a Hallgrímskirkja de Reiquiavique, Guðjón Samúelsson. Menos “orgânica” que a sua parente da capital, tem um certo ar Art Déco, apesar de ter sido terminada em 1940, quando aquele estilo artístico já não estava em voga. Infelizmente, estava de porta fechada – uma bela porta de madeira com ferro forjado, por sinal – e por isso não pudemos ver o famoso vitral que se encontra por cima do altar e que durante muitos anos se supôs ter sido um dos vitrais da Catedral de Coventry, em Inglaterra, destruída durante a Segunda Guerra Mundial. Investigações mais recentes revelaram que na verdade os vitrais daquela catedral não foram retirados antes do bombardeamento, pelo que ficaram igualmente destruídos, e os vitrais da Igreja de Akureyri pertencerão de facto a uma igreja londrina, não se sabendo exactamente qual.

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O facto de estar a uns meros 50 km a sul do Círculo Polar Árctico não impede Akureyri de ter um dos jardins botânicos mais encantadores do norte da Europa. Oficialmente só aberto de Junho a Setembro (devido à neve que se acumula nos restantes meses), este jardim tem mais de 7 mil espécies diferentes de plantas, das quais apenas 430 são nativas da Islândia. O microclima proporcionado pelo facto de a cidade se encontrar abrigada no Eyjafjörður, um dos fiordes mais longos do país, favorece o crescimento da vegetação – aliás, Akureyri é uma cidade com algum arvoredo, algo que não é muito habitual na Islândia.

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O Lystigarður divide-se em várias áreas diferentes, agrupando espécies vegetais de acordo com os seus ambientes de origem. Caminhos ondulantes, imaculadamente limpos, rodeiam canteiros com flores coloridíssimas, arbustos e árvores, zonas arrelvadas e pequenos lagos. Foram estrategicamente colocados bancos para descanso dos visitantes, e alguns bustos esculpidos, a que é dado o devido destaque, prestam homenagem às figuras que impulsionaram a criação deste jardim. Há também um café, um edifício moderno feito com materiais locais cuja fachada faz lembrar os ramos de uma árvore, com uma esplanada em volta.

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Sendo um jardim botânico, uma das suas principais finalidades é aumentar o conhecimento sobre as plantas, tanto nativas como estrangeiras, e perpetuar o maior número de espécies possíveis. Entre as actividades essenciais do Lystigarður estão a investigação e o intercâmbio de sementes com outros jardins, em busca das que sobrevivem e melhor se adaptam ao clima específico da região. É numa enorme estufa, cheia de plantas e equipamento, que se desenrola todo o trabalho de bastidores que permite manter este jardim. Está interditada aos visitantes, mas os grandes vidros transparentes deixam ver para o interior.

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Duas casas de madeira, pintadas em preto e branco, chamam a atenção junto à entrada sul. Uma delas é a Eyrarlandsstofa, uma construção de meados do século XIX que pertencia aos proprietários das terras onde hoje se encontra Akureyri. A casa foi habitada até 1933, e originalmente encontrava-se situada 50 metros a sul do local onde está hoje, tendo sido trasladada para ficar inserida no complexo do jardim. Estas casas de madeira e vários outros pormenores “rústicos” dão ao Lystigarður um ambiente informal e acolhedor, e fazem dele um dos locais mais agradáveis da cidade.

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A partir de Akureyri voltámos à Estrada 1 e às nuvens cinzentas, com o termómetro a marcar cada vez menos graus. Na direcção leste, depois de passar o dique sobre o fiorde há duas opções de percurso: ou seguimos pelo túnel, o único troço rodoviário da Islândia que é pago (1500 ISK, que à taxa de câmbio actual corresponde a cerca de 9,90 EUR), ou tomamos primeiro a Estrada 83, que segue junto à costa durante mais uns quilómetros, e depois a 84, que vira para o interior, até voltarmos a encontrar a Ring Road novamente. De Inverno, por causa da neve e dos ventos fortes, este percurso é desaconselhado, mas com tempo bom não tem qualquer problema e é bem mais panorâmico. A diferença são apenas 15 quilómetros, uns meros dez minutos de caminho. Optar entre um percurso e outro é fácil, pois mesmo antes do desvio para o túnel existe uma rotunda onde as duas estradas estão bem assinaladas, por isso basta ignorar a que segue para o túnel e escolher a saída seguinte.

 

A paragem seguinte, 50 quilómetros depois de Akureyri, foi para conhecer uma das cascatas mais icónicas da Islândia: Goðafoss. O nome significa “cascata dos deuses” e a ela está associada uma história. Com a constituição do Estado Livre Islandês em 930 d.C., foi criado o Althingi, uma assembleia geral realizada anualmente, na qual todos os homens livres podiam participar e os cidadãos mais poderosos do território discutiam leis e aplicavam a justiça. Por volta do ano 1000 d.C. discutiu-se numa dessas assembleias a questão religiosa, tendo Thorgeir Ljósvetningagoði – um dos mais importantes chefes de clã e redactor de leis – proposto que a Islândia adoptasse uma única lei e uma única religião, abandonando o paganismo em favor do Cristianismo. Reza a lenda que ao regressar às suas propriedades, Thorgeir terá decidido atirar os ídolos dos seus deuses pagãos para uma cascata, que ficou desde então conhecida pelo nome de Goðafoss.

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Lenda ou não, a verdade é que a beleza desta cascata é tanta que parece obra de deuses habilidosos e cheios de bom gosto. As rochas formam um semi-círculo por onde a água, que tem uma cor leitosa entre o azul e o verde, cai de 12 metros de altura, abundante e com força suficiente para provocar uma névoa fina permanente.

A Goðafoss é alimentada pelo rio Skjálfandafljót, o quarto maior rio do país, que corre desde o vulcão Trölladyngja num campo de lava com 7000 anos de idade. É uma das cascatas mais populares, por se encontrar mesmo junto à Ring Road e ser de fácil acesso: não é preciso subir nem andar muito. Pode ser vista de ambos os lados, e cada um oferece uma perspectiva diferente, a do lado oeste sendo um bocadinho mais abrangente.

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Soubemos mais tarde, em conversa com o recepcionista do alojamento onde ficámos instalados, que na época alta do turismo os três parques de estacionamento junto a esta cascata costumam estar completamente cheios, com filas de carros a transbordarem para a Ring Road, à espera de lugar nos parques. Isto significa milhares de pessoas em constante movimento pelos caminhos que rodeiam esta cascata, o que (para mim) se assemelha a um pesadelo. Ter tido a possibilidade de apreciar a maravilha natural que é a paisagem islandesa num ano em que o turismo sofreu uma quebra tão grande foi um privilégio, e certamente ajudou a que esta viagem fosse tão memorável. Segundo dados da Câmara de Turismo da Islândia, em 2020 o movimento de partidas do Aeroporto de Keflavik caiu para 25% do habitual nos últimos anos, aproximando-se dos níveis de 2010. Especificamente no mês de Julho, a quebra foi superior a 80%. É um duro golpe para a economia do país, que tem vindo cada vez mais a apoiar-se no turismo, mas melhora incomensuravelmente a qualidade da experiência de quem o visita.

 

Goðafoss é um dos pontos de interesse da rota turisticamente mais explorada no norte da Islândia, a que puseram o nome de Círculo de Diamante. Uma parte deste percurso contorna o Lago Myvátn, um lago vulcânico muito raso (não excede os quatro metros e meio de profundidade), com margens recortadas e mais de 50 ilhotas na sua superfície. O facto de ser pouco profundo faz com que os raios de sol penetrem até ao leito, por isso o Myvátn tem uma grande diversidade ecológica e é rico em algas de água doce e em peixe. Esta riqueza atrai inúmeras espécies de aves, sobretudo no Verão.

272 Diário Islândia - Lago Mývatn

273 Diário Islândia - Lago Mývatn

À volta do Myvátn não faltam atracções. Há locais geologicamente invulgares como as pseudo-crateras de Skútustaðagígar ou os campos de lava de Dimmuborgir. Podemos subir à cratera do vulcão Hverfjall, ou ficar de molho nas piscinas naturais de água quente, cuja fama só é ultrapassada pela da Blue Lagoon; e são vários os percursos pedestres assinalados. É uma região que merece ser explorada com calma – mas nós já só tínhamos umas quantas horas, e era preciso escolher. Optámos por aquele que nos pareceu ser o local mais diferente do que já tínhamos visto: Höfði, uma península rochosa que penetra no lago, coberta por uma pequena floresta.

274 Diário Islândia - Höfdi

Florestas são sítios raros na Islândia. Em viagem pelo país, a nossa visão alcança quase permanentemente quilómetros e quilómetros de paisagem, e essa é uma das razões pelas quais achei este país tão esmagador na sua beleza. O meu cérebro estava constantemente a trabalhar, sobrecarregado por tanta imensidão, tentando guardar tudo o que via, todas as subtilezas das nuvens, do mar, das montanhas, dos pequenos aglomerados de casas que iam passando pelas janelas do carro. Por isso, percorrer os caminhos talhados entre o arvoredo de Höfði, a amplitude visual limitada por troncos, folhas e uma nesga de terra batida, foi um exercício relaxante.

275 Diário Islândia - Höfdi

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Consta que Höfði pertenceu a um casal que aqui passava os meses de Verão. Ao longo dos anos foram plantando árvores, flores e arbustos, e esse será o motivo pelo qual a península tem tanta vegetação, em flagrante contraste com o que a rodeia. Após a morte do marido, a viúva doou a propriedade ao município. A entrada faz-se por um portão aberto e há vários caminhos assinalados, mas todos acabam por ir dar ao mesmo local: um trilho à beira do lago, de onde conseguimos ver bem de perto as formações de lava que emergem da água no local a que chamam baía de Kálfastrandarvogur. Os trilhos estão bem cuidados, há corrimãos de madeira que protegem alguns lugares mais próximos da água, canteiros de flores, e até uma clareira com bancos de jardim para descansar. Uma parte da península continua a ser privada e tem uma casa, provavelmente a habitação de quem cuida do local.

277 Diário Islândia - Höfdi

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280 Diário Islândia - Höfdi

281 Diário Islândia - Höfdi

 

A poucos quilómetros de distância fica a Grjótagjá, tornada famosa por ter sido um dos cenários da série Guerra dos Tronos – tal como Höfði e muitos outros locais na Islândia, uns mais conhecidos do que outros. Situada junto a uma comprida falha entre paredes de rocha, esta gruta já foi em tempos usada como piscina termal, mas as erupções do Krafla entre 1975 e 1984 provocaram um enorme aumento na temperatura da água e os banhos passaram a ser interditos. Excepção feita ao maravilhoso tom azul da água, tão translúcido que deixa ver o fundo da gruta, o lugar não tem absolutamente mais nada de especial.

282 Diário Islândia - Grjótagjá

283 Diário Islândia - Grjótagjá

 

O mesmo não se pode dizer de Hverir, a planície no sopé do Námafjall, onde me senti como noutro planeta. Antes de lá chegar passámos pela central geotérmica de Bjarnarflag, facilmente identificável pelas enormes colunas de fumo de dela se desprendem. Instalada em 1969, é uma das centrais geotérmicas mais antigas do país e também a mais pequena, com apenas uma unidade termoeléctrica a vapor que, ainda assim, tem uma capacidade de produção de 18 GWh/ano. Depois da central entra-se no desfiladeiro Námaskarð, que tem um miradouro estratégico de onde vemos ao longe a quase totalidade da extensão do Myvátn, interrompida pelos rolos de vapor que se atravessam na paisagem.

284 Diário Islândia - central geotermal de Krafla

285 Diário Islândia - central geotermal de Krafla

Quando saímos do desfiladeiro o cenário torna-se ainda mais irreal. Hverir é uma área geotermal onde as temperaturas podem ultrapassar os 200°C. As fumarolas e poças de lama sulfurosa, algumas de tamanho considerável, distribuem-se por vários quilómetros, e o solo mineralizado declina-se numa palete de cores com cinzas, amarelos-esbranquiçados, e tons avermelhados que vão até ao castanho.

286 Diário Islândia - Hverir

287 Diário Islândia - Hverir

O cheiro a enxofre domina todo o ambiente, mas não estraga o prazer de estar num local tão fora do comum. Passeei entre as poças ferventes, seguindo as cordas que marcam os sítios onde podia pisar sem perigo. Já estive noutros lugares com actividade vulcânica, mas este é fascinante, e diferente de tudo o que vi até hoje. É como estar num mundo estranho.

288 Diário Islândia - Hverir

289 Diário Islândia - Hverir

 

Apesar de a tarde já ir bem avançada e as nuvens não augurarem nada de bom, ainda tínhamos mais um objectivo a cumprir: ver Dettifoss, a segunda cascata mais poderosa da Europa (ou talvez a primeira, pois as opiniões divergem). Pode ser observada de ambas as margens, mas os caminhos para cada uma delas são separados. Por ficar mais perto, escolhemos a estrada para o parque de estacionamento da margem oeste, de onde também se acede à Selfoss, outra cascata localizada um quilómetro e meio a montante da Dettifoss. Ainda mal tínhamos saído da Ring Road e virado para norte quando o tempo começou a piorar. Não tardou a instalar-se uma chuva muito fininha mas persistente. Para mal dos nossos pecados, o estacionamento fica a cerca de 800 metros da cascata, a temperatura do ar tinha descido para uns míseros 3°C, e continuava a chuviscar. Mesmo àquela distância, o barulho da Dettifoss já era perceptível. A água cai abruptamente de uma altura de 44 metros, ao longo dos 100 metros de largura que o rio ocupa. A força é tanta que, a cada ano, a cascata recua meio metro para sul devido ao desgaste provocado no leito do rio.

290 Diário Islândia - Dettifoss

A somar à chuvinha, a névoa provocada pelos quase 200 metros cúbicos de água debitados por segundo, e o facto de o vento ter tendência a soprar de leste para oeste, fizeram com que o troço final para chegar mais perto da cascata, que é a descer e essencialmente pavimentado com pedra, estivesse completamente molhado e algo escorregadio, a exigir cuidado redobrado para não cairmos. Só que a curiosidade é mais forte do que todos os contratempos, e a Dettifoss é fenomenal. Não é a cascata mais bonita da Islândia, nem a mais original: é simplesmente uma cortina de água que se precipita no fundo do desfiladeiro. Mas foi, entre as muitas que vi, a cascata que mais me impressionou – uma força bruta da natureza da qual estive muito perto, a escassas dezenas de metros, e me fez sentir completamente insignificante. Uma experiência avassaladora que não consigo pôr em palavras.

291 Diário Islândia - Dettifoss

 

O frio e o facto de estarmos a ficar encharcados não nos incentivaram a ficar ali muito tempo. Voltámos ao trilho para seguirmos as setas que indicam o caminho para a Selfoss. Perfeitamente visível à distância, é mais bonita de longe do que quando nos aproximamos, porque se desdobra em várias cascatas que saem do ângulo de visão quando estamos mais perto. Muito menos possante do que a sua vizinha, é no entanto mais fotogénica, mesmo quando o tempo tinge a atmosfera de cinzento. As paredes do desfiladeiro são paralelepípedos de rocha que parecem esculpidos a escopro e martelo, e o solo que pisamos é pedra quase negra. É mais uma paisagem surreal a juntar às várias outras, todas distintas, de que foi feito este dia de viagem.

293 Diário Islândia - Selfoss

294 Diário Islândia - Selfoss

295 Diário Islândia - Selfoss

 

De regresso ao carro, ainda tivemos mais uma hora de viagem pela frente. Apesar de não ser o dia em que fizemos mais quilómetros, foi aquele em que chegámos mais tarde ao alojamento. Situada num vale amplo entre montanhas, a cerca de 30 km de Húsavík, a Guesthouse Brekka é um conjunto de cabinas de madeira com vários quartos em cada uma, confortáveis e muito quentinhas, onde finalmente conseguimos livrar-nos do frio e do desconforto das roupas molhadas.

296 Diário Islândia - Brekka

 

Já estávamos a meio da viagem e ainda só tínhamos percorrido uma parte do norte no país, mas tudo o que tinha visto até àquela altura superava as minhas maiores expectativas. Na Islândia a natureza é rainha, e na maior parte do território as pessoas parecem só estar ali por empréstimo, a sua importância é irrisória por comparação com tudo o que as rodeia. A ilha deixa que elas a habitem, mas só onde ela bem entende e faz o favor de as suportar. Nós, humanos, podemos convencer-nos de que somos donos do planeta e fazemos dele o que queremos, mas ainda há lugares na Terra onde temos de nos render à nossa insignificância.

297 Diário Islândia - Região nordeste

 

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O roteiro e várias informações práticas sobre a Islândia estão aqui: Coleccionar paisagens surreais na Islândia

 

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Dário de uma viagem à Islândia - Na Região Nordeste