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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Ter | 29.12.20

2020, um ano diferente

 

Não há nada que eu possa dizer sobre 2020 que não tenha sido já dito. Pelo menos no que toca às generalidades, ou a grandes reflexões filosóficas. Este ano, que astrólogos, tarólogos e afins, economistas, políticos e outros quejandos previam excepcional, tem sido realmente fora do comum… só que não no bom sentido. O mínimo que se pode dizer dele é que tem sido um ano mau.

 

Para mim, mais do que mau, é um ano marcado a negro. O negro do luto. Este ano privou-me de três mulheres da minha família próxima (nenhuma por causa do novo coronavírus), sendo uma delas a minha mãe – e é claro que tudo o resto me parece melhor, por comparação, porque nada ultrapassa essa dor. O confinamento veio logo a seguir, como se o universo estivesse alinhado com o meu estado de espírito, e desde essa altura que me sinto por vezes como que a viver numa outra dimensão, e em stand-by. Tudo é estranho, tudo é diferente, tudo é incerto. Não há pontos de referência nem farol a iluminar o caminho, a navegação tem de ser feita à vista – e à volta só há nevoeiro.

 

Ainda assim, apesar da estranheza e da maré cinzenta que 2020 tem sido, apesar dos desgostos e das restrições, este foi mais um ano de aprendizagem, e algumas coisas boas aconteceram – na sua maioria, como é óbvio, ligadas às poucas viagens que fiz.

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Este ano habituei-me a viver um dia de cada vez. Sou uma pessoa que gosta de ter planos, mesmo que não sejam para cumprir à risca. Gosto da sensação de ansiar por qualquer coisa, de ter um objectivo (ou mais), de pensar no que vou fazer para lá chegar, de olhar para a frente sabendo que algo me espera ou tem de ser feito. Este ano tive de mudar a minha perspectiva. Alguns objectivos que tinha ficaram inviabilizados, outros perderam o interesse, e imensas tentativas tímidas de planear o que quer que fosse com mais de um ou dois dias de antecedência acabaram por se ver goradas. Por isso, desisti. Agora estou aqui a escrever, amanhã espero acordar e continuar viva – e de resto nada mais sei. Tenho desejos, claro, e sonhos, e tarefas já designadas para amanhã (e talvez até para depois de amanhã), e é tudo. Para quem está sempre a planear ansiosamente uma próxima viagem, ou apenas um próximo fim-de-semana, esta impossibilidade de ver mais longe do que uns poucos metros começou por ser frustrante, mas tive de me habituar. E é, até certo ponto, uma experiência libertadora.

 

Foi o ano em que tive a certeza de que gosto de trabalhar em casa. Talvez como contraponto à minha enorme paixão por viajar, cada vez aprecio mais o tempo em que estou no sossego do meu casulo. Tive a sorte, desde o início do confinamento, de poder continuar a trabalhar a partir de casa sem que isso afectasse minimamente as minhas funções (pelo contrário, acho que até consigo trabalhar melhor), e não tive qualquer problema em me adaptar a esta vida mais sossegada. Apesar de estar praticamente sempre sozinha, não me sinto solitária. E nos meus tempos livres vou descobrindo formas de viajar sem sair de casa.

 

Viajar (sem sair de casa) em tempos de pandemia

 

Este foi também o ano em que fiz uma das melhores viagens da minha vida. É comum ouvir dizer que quando se fecha uma porta, abre-se uma janela, e por vezes isso é verdade. Por paradoxal que pareça, este foi o ano em que pude ir conhecer um país que já estava há muitos anos na minha lista de desejos: a Islândia. Noutra altura teria sido impensável conseguir planear e marcar uma “road trip” na Islândia com menos de duas semanas de antecedência, mas a diminuição do turismo este ano tornou possível (e economicamente mais acessível) organizar tudo em meia dúzia de dias. Foram quase duas semanas a viajar neste país incrível e que consegue ser mais espectacular do que eu esperava, com a vantagem de que este Verão tinha muito – mesmo muito! – menos visitantes do que o habitual, o que fez com que a experiência fosse ainda melhor. Em Julho, a única exigência para entrar no país era fazer o teste PCR à chegada, no aeroporto, e aguardar no hotel até que chegasse o resultado negativo (cerca de 10 horas). Os requisitos começaram a ser mais apertados logo a partir do mês de Agosto, e as restrições têm vindo a ser cada vez maiores – o que só veio fortalecer a minha convicção já antiga de que é preciso agarrar as boas oportunidades quando elas aparecem, porque nunca sabemos se voltarão a surgir à nossa frente. Ponderar os prós e os contras é normal, mas pensar demasiado e ficar na indecisão pode ser contraproducente e fazer-nos perder o lado bom da vida.


Já publiquei as histórias de vários dias desta viagem aqui no blogue, desde o primeiro dia em Reiquiavique até ao dia em que saímos dos Westfjords e fomos para a região noroeste, e mais posts sobre os outros dias da viagem serão publicados em devido tempo. Sugiro também que leiam “Coleccionar paisagens surreais na Islândia”, para ficarem a conhecer mais alguns pormenores de como é viajar de forma independente neste país, e o roteiro completo da viagem.

 

E por falar nas viagens da minha vida, este ano vi publicada em livro uma pequena história sobre uma delas. O livro chama-se precisamente “Viagens de Uma Vida” e é uma colectânea de histórias (verdadeiras!) escritas por vários bloggers da ABVP-Associação de Bloggers de Viagem Portugueses, de que sou associada.

Viagens de Uma Vida

 

Este ano também continuei a descobrir Portugal. Se seguem o blogue sabem que viajo no nosso país desde que me lembro de ser gente, que conheço Portugal de norte a sul – e no entanto, continuo a ter muito (tanto!) para descobrir e revisitar. Com ou sem restrições, este ano não poderia ser excepção; e como, mesmo no que toca às viagens, é mais importante a qualidade do que a quantidade, apesar de ter viajado menos posso dizer que conheci e revi lugares que me encheram os olhos de beleza e ficaram no meu coração. Portugal é um país pequeno mas com uma capacidade enorme de se reinventar, e existem muitas razões para eu gostar profundamente deste meu país.

26 grandes e pequenas razões para conhecer Portugal

 

No início de Fevereiro voltei ao Porto, a cidade que apesar de andar nas bocas do mundo – pelas melhores razões – continua a saber acolher bem quem a visita. Se ainda não conhecem a nossa Invicta, leiam este post com um roteiro de dois dias pela capital do norte.

Roteiro de fim-de-semana: dois dias no Porto

 

Ainda em Fevereiro, fui conhecer o Carnaval transmontano. Os Caretos de Podence são Património Imaterial da UNESCO e a face mais visível do nosso Carnaval nordestino, mas há na região várias outras localidades igualmente amigas da folia, a começar pela própria Bragança, que faz coincidir com esta época o seu Festival do Butelo e das Casulas.

Podence

 

Bragança

 

Na altura nem sequer sonhávamos que poucas semanas depois íamos ficar todos fechados em casa, os dias estavam soalheiros e aproveitei para rever algumas aldeias da região, como as famosas Rio de Onor e Gimonde e a (infelizmente) ignorada Babe, uma aldeia com muita história que podem conhecer melhor no post que escrevi sobre ela . Dei ainda um pulinho à vizinha localidade espanhola de Puebla de Sanabria e ao lago com o mesmo nome. No regresso ao sul, fui conhecer a antiga área mineira de Argozelo e o Castelo de Algoso.

Rio de Onor                                                                    Gimonde

 

Aldeias com histórias: Babe

Puebla de Sanabria

 

Lago de Sanabria

 

Minas, da superfície às profundezas

Antiga área mineira de Argozelo

 

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Castelo de Algoso

 

Depois, tal como quase toda a gente, fiquei praticamente fechada em casa durante meses, e só voltei a sair do casulo em Junho, mês em que me “vinguei” de tanto tempo confinada. Comecei pelo Algarve, para apanhar sol e passear. O meu lado preferido é o sotavento, onde ainda é possível encontrar alguma tranquilidade e resquícios daquele Algarve de há muitos anos, antes de ser destino do turismo de massas. Foi sobre este “outro Algarve” que escrevi um artigo para o website onde colaboro regularmente, o Fantastic - Mais do que Televisão. Também aproveitei estas férias para ir conhecer a Mina de sal-gema de Loulé, e é sobre esta e outras minas (incluindo a de Argozelo, que referi mais acima) que fala o artigo “Minas, da superfície às profundezas” . E ainda tive tempo para matar saudades de Alte, de Ferragudo e de Monchique, lugares especiais num Algarve que este ano esteve incomumente mais português que estrangeiro.

Um outro Algarve

Minas, da superfície às profundezas

Mina de sal-gema de Loulé

 

 

Caldas de Monchique                                                                   Ferragudo

Loulé                                                                  Alte

 

Embora a pandemia esteja a afectar todos os sectores da economia, o mais castigado no nosso país tem sido (e ainda continuará a ser durante muito tempo), sem sombra de dúvida, o do turismo. Como modesto contributo para ajudar este sector, a maioria dos bloggers associados da ABVP-Associação de Bloggers de Viagem Portugueses uniram-se numa campanha para promover o turismo aquém-fronteiras, sob o slogan Eu Fico em Portugal. Distribuímo-nos por várias regiões do país, e eu escolhi uma zona de que ainda não conhecia nada: a Pampilhosa da Serra. Fui surpreendida por esta região de uma beleza fascinante e com paisagens admiráveis, diferente de qualquer outra no país, e no entanto muito pouco divulgada em termos turísticos. Se ainda não conhecem, leiam os postsNas curvas da Pampilhosa” e “Nos meandros do Zêzere”, e de certeza que vão ficar com vontade de ir até lá.

 

Em Setembro continuei pelo centro de Portugal: regressei à deliciosa aldeia do Casal de São Simão, à praia fluvial das Fragas de São Simão, muito popular neste ano, e à vizinha praia de Mosteiro.

Casal de São Simão

 

Mosteiro                                                                 Fragas de São Simão

 

Depois voltei ao norte, desta vez para revisitar a zona mais desejada e também uma das mais frequentadas do Verão que passou – o Gerês. O pretexto foram as Jornadas Gastronómicas Gerês-Xurês, que me deram a conhecer, por entre as paisagens fantásticas do nosso Parque Nacional, sabores antigos e novos de Terras de Bouro e de Montalegre. Além do que escrevi nos artigos “O sabor do Gerês em Terras de Bouro” e “O sabor do Gerês em Montalegre”, tive a felicidade de voltar a Pitões das Júnias e a Montalegre, e de ter como um dos nossos guias o Padre Fontes, o homem que mais tem feito pela divulgação deste pedaço da terra transmontana.

 

Como que a gozar connosco por termos as deslocações tão limitadas, o Verão deste ano foi longo e quente. Em Outubro o tempo ainda estava excelente, mesmo a pedir-nos para sairmos de casa. Obediente que sou, logo no início aproveitei o fim-de-semana comprido para passear pelo Ribatejo. Voltei às aldeias avieiras de Escaroupim e Palhota e fui até à Golegã, uma vila que praticamente não conhecia e foi (mais) uma agradável surpresa.

   Palhota                                                                   Escaroupim

 

Golegã

 

Mesmo antes de as restrições voltarem a endurecer, ainda em Outubro, foi altura de me juntar a vários outros bloggers da ABVP para passarmos um fim-de-semana a conviver e trocar ideias em Castelo do Bode, perto da Aldeia do Mato. Foram dois dias de conversas e bom humor, boa comida e bebida, caminhadas e um passeio de barco, e cujo único defeito foi o facto de estarmos a viver uma época que não é propícia a afectos, em que o contacto físico que nos faz tanta falta tem de ser posto de lado e (incapazmente) substituído por simples olhares e cotoveladas.

Aldeia do Mato

 

Novembro é o mês do meu aniversário, que assinalo sempre que possível com uma viagem ou escapadinha, e este ano não foi excepção. Desta vez viajei até ao passado e alojei-me no belíssimo Curia Palace, construído há quase um século e recuperado há alguns anos. Apesar do anacronismo das máscaras, dos frascos de gel e das setas no piso, o hotel mantém o ambiente sofisticado dos anos dourados do século 20. Passei dois dias a revisitar a Mata do Buçaco e os arredores, mais bonitos ainda por estarem pintados com as cores de Outono. De caminho, fiquei a conhecer as Buracas do Casmilo e fui matar as saudades que já tinha de Ourém.

Curia Palace

 

Buçaco

 

               Ourém                                                                  Buracas do Casmilo

 

Os meus passeios de 2020 terminaram no Oeste, num dia de Novembro em que o sol brilhava nas Caldas da Rainha e mais ou menos até meio da Foz do Arelho, mas daí para a frente a neblina quase não deixava ver um palmo à frente do nariz. Na estrada para Salir do Porto, o carro ora rasgava um nevoeiro denso, ora subia acima das nuvens compactas que cobriam as praias e o mar – e foi esta a sensação que, nos últimos meses, mais se aproximou de me sentir a bordo de um avião. Com toda a nostalgia que isso me trouxe.

Caldas da Rainha.JPG

Caldas da Rainha

 

Foz do Arelho

 

Estrada de Salir do Porto.jpg

Entre Salir do Porto e a Foz do Arelho

 

Mesmo tendo um novo ano à porta, não estou muito optimista quanto às melhorias que 2021 nos possa trazer em relação a este ano “amaldiçoado” que está a terminar. Janeiro vai certamente ser um mês duro, e os meses seguintes não serão muito melhores. Mas, tal como 2020 demonstrou, habituamo-nos a tudo, mesmo ao que mais custa. O próximo ano será para continuar a viver um dia de cada vez, agarrando sem hesitar tudo o que de bom for surgindo no caminho. Daqui por mais ou menos um ano, se tudo correr bem, cá estarei para fazer o balanço.

 

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2020 um ano diferente

Ter | 15.12.20

Diário de uma viagem à Islândia V

Na Norðurland Vestra (Região Noroeste)

 

Os Westfjords merecem à vontade mais do que dois dias de visita, mas o tempo de férias é sempre escasso e a Islândia tem muito para ver. Queríamos continuar a conhecer a região noroeste da ilha e explorar uma parte da Arctic Coast Way – um percurso turístico de 900 km oficializado em 2019, que contorna toda a costa norte da Islândia entre Hvammstangi e Bakkafjörður e é uma alternativa mais cénica, apesar de mais demorada, à Ring Road.

194 Diário Islândia - Noroeste

 

Dia 5

 

Tínhamos pela frente um dos dias mais compridos da viagem, com 500 km para percorrer até Hófsós. Mais de metade iam ser consumidos a voltar pelo mesmo caminho que nos tinha levado a Tálknafjörđur, por isso o resto da manhã ia ser quase todo passado dentro do carro. Saímos do apartamento com o sol a brilhar e uns “simpáticos” 10°C de temperatura, mas o bom tempo não durou muito: ao fim de hora e meia já chovia. Parece incrível como nesta ilha, aparentemente tão homogénea, as condições meteorológicas mudam tanto em apenas poucos quilómetros de distância.

195 Diário Islândia - Noroeste

Gosto muito de viajar de carro, mas aqueles dias em que a maior parte das horas são passadas na estrada tornam-se cansativos, e todas as distracções são bem vindas. Na Islândia, estas distracções surgem frequentemente na forma de animais de quatro patas com pêlo farfalhudo e uma tendência para acharem que as estradas são só delas – mesmo quando estamos perto de localidades. Ainda assim, é impossível levá-las a mal, pois afinal nós é que somos os forasteiros… Tal como as renas, os cavalos, as vacas e outros animais domésticos, as ovelhas vieram para a Islândia com os primeiros colonos nórdicos, e foram (ainda são!) essenciais para a sobrevivência humana na ilha. A título de curiosidade, saibam que o único mamífero terrestre autóctone da Islândia é a raposa do Árctico; todas as outras espécies que aqui existem actualmente foram trazidas pelos colonos quando começaram a povoar a ilha.

196 Diário Islândia - Noroeste

É tradição antiga na Islândia que os trabalhadores que constroem uma estrada criem um monumento quanto terminam um troço particularmente difícil. Na Estrada 62, entre Patreksfjörður e Barðaströnd, um destes desafios foi a construção do desfiladeiro de Kleifaheiði. Terminado em 1947, veio melhorar consideravelmente as comunicações nos Westfjords. No seu ponto mais alto, 404 metros acima do nível do mar, encontramos hoje o Kleifabui (“habitante do Kleif”), também chamado de Kleifakarlinn, que toma conta de quem viaja nesta estrada.

197 Diário Islândia - Noroeste

Até Búðardalur tive o mar quase sempre do meu lado. Apesar de ser a mesma estrada que tínhamos percorrido dois dias antes, deu-me a conhecer uma paisagem diferente, muito mais cheia de azul. O humor instável da atmosfera tão depressa nos punha debaixo de chuva como deixava ver alguns pedaços de céu limpo, enquanto as nuvens lançavam cortinas de água mais ao longe, esborratando a silhueta escura dos fiordes. Definitivamente, monotonia é coisa que não existe numa viagem pela Islândia.

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199 Diário Islândia - Noroeste

200 Diário Islândia - Noroeste

201 Diário Islândia - Noroeste

202 Diário Islândia - Noroeste

Uma das sagas islandesas (as narrativas em prosa com base em factos históricos ocorridos nos primeiros séculos do povoamento da ilha, e de que já falei no post sobre a península de Snæfellsnes) conta a história de Eiríkur rauði – Erik o Vermelho, assim alcunhado pela cor do seu cabelo – um viking norueguês que se instalou na Islândia em finais do século X. Erik é sobretudo famoso por ter sido o pai de Leifur heppni (Leif o Sortudo), presumivelmente nascido em 980. Leif foi o primeiro europeu a descobrir a América, no ano 1000 (à qual chamou Vinland, por ali ter encontrado vinhas), embora os créditos desta descoberta tenham ficado para Colombo, quase cinco séculos mais tarde. Erik terá entretanto saído da ilha, cruzado o mar para oeste e encontrado uma terra a que chamou Greenland (Gronelândia), onde ficou durante três anos e para onde conseguiu que, em 985, várias outras famílias se mudassem. Até hoje subsiste o mistério da razão pela qual a Gronelândia, que está maioritariamente coberta de gelo, tem o nome de “terra verde”, enquanto à Islândia, que é muito menos branca e mais verde, chamam “terra de gelo”. Uma das explicações possíveis poderá ser a mudança climática ao longo dos séculos, que terá arrefecido a Gronelândia, tornando-a mais gelada, e reduzido o gelo na Islândia, que é por isso agora mais verdejante. A outra hipótese baseia-se numa espécie de estratégia de marketing: para afastarem eventuais invasores, os colonos chamaram “terra de gelo” à Islândia, esperando assim torná-la menos apelativa; por outro lado, à Gronelândia terá sido dado o nome de “terra verde” para a tornar mais apetecível aos potenciais colonos, não havendo grande perigo de que, por ser tão gelada, fosse propensa às invasões.

203 Diário Islândia - Eiríksstaðir

Ao pé das ruínas da casa onde nasceu Leifur Eiríksson foi construída a réplica de uma possível casa comunitária típica dos primórdios do povoamento da Islândia. A Eiríksstaðir foi concebida de acordo com a reconstituição feita a partir da escavação arqueológica do local, que terá sido habitado até ao final do século X, e é considerada a melhor casa comunitária do género na Europa. A visita à casa é uma experiência quase imersiva. Entrámos primeiro para uma antecâmara, que nos pareceu ter funcionado ao mesmo tempo como dispensa e oficina. Depois, a porta interior foi aberta por uma guia vestida com trajes e acessórios da época viking, e sentámo-nos nos bancos-cama dispostos ao longo das paredes mais compridas da casa, entre os troncos que suportam a estrutura interior. O chão é de terra batida e ao centro, por baixo de uma panela suspensa, ardia um lume verdadeiro – muito bem vindo depois do tempo que tínhamos estado à espera no exterior (as visitas são em pequenos grupos) – como era habitual nestas casas onde costumavam viver cerca de 20 pessoas (e por vezes mais!...). A guia contou-nos um pouco da história e dos costumes dos antigos habitantes. Toda a vida familiar se desenrolava naquele espaço acanhado, e não havia qualquer tipo de privacidade. As pessoas dormiam sentadas, para não sufocarem com o fumo do lume que ardia permanentemente; tapavam-se com peles de ovelha, e os tecidos das roupas eram feitos no seu próprio tear; usavam esquis rudimentares, feitos de madeira ou de osso, para se deslocarem sobre a neve; quando o tempo o permitia, caçavam, pescavam e cultivavam os alimentos que os iriam alimentar durante os meses mais frios; e, obviamente, tinham espadas e capacetes para se defenderem de assaltantes e guerrearem sempre que fosse preciso. A título de curiosidade, ficámos a saber que contrariamente à imagem que deles temos, os capacetes dos vikings não tinham cornos – os chifres dos animais eram usados para beber ou como material para ferramentas, mas não para enfeitar capacetes.

204 Diário Islândia - Eiríksstaðir

205 Diário Islândia - Eiríksstaðir

206 Diário Islândia - Eiríksstaðir

207 Diário Islândia - Eiríksstaðir

208 Diário Islândia - Eiríksstaðir

Da Eiríksstaðir tínhamos de seguir para leste até apanharmos a Ring Road. Google Maps em acção, uma das hipóteses era voltar para trás e depois tomar a Estrada 59, um percurso com cerca de 60 km. A outra era continuar pela estrada secundária que nos tinha levado até ali, a F586, o que encurtava a distância para menos de metade. Mesmo contando que a estrada fosse de terra batida (até ali tinha sido alcatroada), achámos que a diferença ia compensar, por isso seguimos em frente. E porque é que estou a falar disto? Apenas por um motivo: foi a pior decisão que tomámos em toda a viagem.

 

Durante uns 15 km, o trajecto ainda foi menos mau: o alcatrão terminara pouco depois da Eiríksstaðir, tal como tínhamos previsto, e mais à frente, depois de cruzar uma pequena ponte, o piso de terra batida tinha piorado substancialmente, mas nada de mais grave. Até que de repente… água! A estrada estava cortada por um ribeiro largo, cuja água se atravessava sem piedade no nosso caminho e nos ia obrigar a passar a vau, ou então a voltar para trás. Apesar de ter tracção às quatro rodas, o Dacia Duster não é propriamente um todo-o-terreno, e é relativamente baixo. Não conhecíamos a profundidade do ribeiro nem o tipo de fundo – uma pedra maior ou mais pontiaguda podia estragar o chassis e, na Islândia, mesmo os melhores seguros para carros alugados normalmente não cobrem danos causados ao atravessar rios. Foi, por isso, com o coração nas mãos que decidimos arriscar… e suspirámos de alívio quando voltámos a pisar terra seca sem nenhum percalço. Um pouco mais animados, seguimos caminho, mas a animação durou pouco. Mais à frente, outro ribeiro para cruzar, depois mais um… e depois um outro, este ainda mais complicado por ser preciso andar dentro de água durante mais de uma dezena de metros. Avançávamos a passo de caracol, pois o estradão estava cheio de pedra solta e era preciso ir devagar… Parecia que nunca mais chegávamos ao fim. O céu pesado ameaçava chuva, não havia sinais de civilização à vista e os únicos seres vivos que encontrámos foram – pois claro! – ovelhas. Depois de mais de uma hora desta tortura, em que percorremos uns míseros 25 km, a Ring Road apareceu finalmente no horizonte, qual paraíso em forma de faixa de alcatrão. Acho que nunca me senti tão feliz na vida por ver uma estrada.

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Na Norðurland Vestra (Região Noroeste) a paisagem suaviza-se. As cordilheiras montanhosas são menos dramáticas e entre elas estendem-se vastas áreas praticamente planas. É uma zona de quintas, cada uma com vários edifícios sobre o comprido, brancos e com telhados cor de tijolo, em redor dos quais pastam vacas ou cavalos. A estrada passa por Blönduós, uma das maiores localidades da região, onde se destaca uma igreja futurista, e depois acompanha uma parte do Blanda, um rio glaciar muito frequentado entre Junho e Setembro, a época da pesca do salmão. Gostei particularmente deste troço da Ring Road, mais ainda porque as nuvens já deixavam ver grandes pedaços de céu limpo e a luminosidade criava um efeito muito atractivo.

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Uma das principais características geográficas da Islândia é a quase ausência de árvores em toda a ilha. No entanto, nem sempre foi assim. Quando a ilha começou a ser povoada, cerca de 30% da sua área estava coberta de árvores, sobretudo bétulas (ou, se preferirem o termo, vidoeiros) – que são, ainda hoje, a espécie arborícola mais frequente na ilha. Como é óbvio, a madeira foi o primeiro material que os colonizadores usaram para construir as suas casas, assim como para alimentar o tão necessário lume e para uma variedade de outros fins. O uso intensivo da madeira levou à desflorestação generalizada da ilha, provocando a erosão dos solos. Em contrapartida, a turfa era um material extremamente abundante. Sendo as coberturas de turfa nas casas já usuais na Noruega, a região originária da maior parte dos povoadores da Islândia, e as suas propriedades de isolamento bem conhecidas, não tardou a que todas as casas começassem a ser construídas com este recurso natural tão fácil de encontrar. Até finais do século XIX, 87% da população da Islândia vivia em quintas, cujas habitações eram feitas de turfa. Com a movimentação das pessoas para as cidades e o aparecimento de outros materiais, este tipo de construção desapareceu, e hoje em dia a turfa apenas é esporadicamente usada em telhados, mais por questões de estética arquitectónica do que por qualquer outra razão.

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No entanto, ainda existem no país alguns exemplos destas construções antigas, que foram mantidas em bom estado de conservação até aos dias de hoje. Já depois de sairmos da Ring Road, na Estrada 75 a caminho de Sauðárkrókur, encontrámos Glaumbaer, uma destas antigas quintas com casas de turfa, que funciona como museu desde 1952. O edifício que primeiro nos chamou a atenção, por se ver bem da estrada, foi a igreja – que na verdade é o elemento mais recente do complexo, pois só foi construída em 1926. No entanto, a igreja original de Glaumbaer é mencionada nas sagas como a primeira da região, mandada construir por Snorri Þorfinnson, figura importante da cristianização da Islândia e que se crê ter sido a primeira criança de origem europeia a nascer na América (Vinland, como referi acima, actual território da Terra Nova), quando os seus pais exploravam este continente. A história desta quinta em Glaumbaer é por isso muito antiga, remontando ao século X e estendendo-se até 1947, quando o local foi declarado sítio protegido e os últimos habitantes se mudaram.

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A quinta de Glaumbaer tem 13 casas de turfa ligadas entre si, sendo que cada uma delas tinha uma função específica. As torfbaeir, como são chamadas em islandês, possuem estrutura interior de madeira revestida com pedaços de turfa, habitualmente colocados numa configuração “espinha de peixe” e em camada dupla, para melhor isolamento. A fim de evitar a humidade, a base das paredes é geralmente constituída por pedras. Por dentro, as paredes das casas de habitação estão forradas com madeira (importada ou encontrada à deriva), e o chão revestido também com madeira ou com pedra, sobretudo nas casas que pertenciam a famílias mais abastadas.

 

Os edifícios da quinta de Glaumbaer, tal como os vemos hoje, têm “idades” diferentes, o mais recente datando do último quarto do século XIX. Alguns deles mantêm-se praticamente inalterados desde o século XVIII. Visitando o interior, é possível ter uma ideia de como viviam os seus habitantes naquela época e ver uma parte da colecção do Museu do Património de Skagafjörður (Byggðasafn Skagfirðinga).

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Do complexo fazem ainda parte duas casas de madeira do século XIX, construídas no estilo dinamarquês-islandês que veio substituir as antigas casas de turfa. Uma delas, a Gilsstofa, data de 1849. Foi construída na região de Eyjafjörður e várias vezes desmantelada e reconstruída em lugares diferentes, consoante as movimentações dos seus proprietários ao longo dos anos. Em 1997 foi finalmente (será que pela última vez?) colocada ao serviço do museu em Glaumbaer, onde funciona como escritório, loja e centro de informação aos visitantes. A casa amarela tem o nome de Áshús, e também não é originária de Glaumbaer. Construída em finais do século XIX, foi trasladada de Hegranes e agora tem uma sala de chá aberta ao público e um espaço expositivo.

224 Diário Islândia - Glaumbaer

Apesar de ser a maior localidade da região, Sauðárkrókur é mais uma daquelas vilas islandesas sem nada de muito relevante, excepto a paisagem que a rodeia. Tem um porto de pesca e as casas estendem-se ao longo de uma baía abrigada do Skagafjörður. O troço da Estrada 75 que percorremos a seguir já pertence à Arctic Coast Way, e atravessa uma zona plana e muito irrigada, formada por lagos e pela desembocadura do rio Héraðsvötn. Além de excelente para a observação de aves, a área é sobretudo conhecida pela criação de cavalos islandeses.

225 Diário Islândia - Noroeste

226 Diário Islândia - Noroeste

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Pouco antes de chegarmos a Hófsós, o destino final deste dia, saímos da Estrada 76 para vermos (de longe, porque o local já estava encerrado) a Grafarkirkja, a igreja de turfa mais antiga da Islândia. Algumas partes desta pequena igreja datam do século XVII, e é também uma das raras igrejas que possui ornamentação. Crê-se que os elementos de madeira trabalhada que se vêem no altar e nalgumas vigas de apoio tenham sido feitos por um entalhador famoso da época, Guðmundur Guðmundsson. Esta igreja tem também a característica única de estar rodeada por um muro de turfa circular.

228 Diário Islândia - Grafarkirkja

229 Diário Islândia - Grafarkirkja

Hófsós, aonde chegámos já perto das sete da tarde, é uma terrinha na margem direita do Skagafjörður, simpática mas simples, com apenas cerca de meia centena de casas. É aqui que desagua o Hofsá, um rio glaciar onde abundam o salmão e a truta. Ao lado da foz do Hofsá foi construído um pequeno porto de pesca, protegido por um dique. Algumas casas de madeira pintada de preto, canteiros com flores e uma espécie de mini parque de merendas fazem deste o local mais aprazível da aldeia.

230 Diário Islândia - Hófsós

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A Sunnuberg Guesthouse, onde passámos a noite, fica junto ao mar, mas a vista do nosso quarto dava apenas para a casa dos vizinhos. Do lado oposto da rua, muito convenientemente localizados para nós, um supermercado e uma bomba de gasolina, onde nos abastecemos e abastecemos o carro. A casa tem uma cozinha para serviço dos hóspedes, mas só fizemos uso dela na manhã seguinte. Os nossos planos para o fim do dia eram outros…

 

Na mesma rua, a poucos passos de distância, há uma piscina pública, com águas naturalmente aquecidas e vista para o fiorde e a ilha de Drangey. Poderia haver algum programa melhor para depois de termos passado oito horas em viagem? Obviamente que não! Pegámos nas toalhas e fatos de banho, e ala que se faz tarde. As instalações têm pouco mais de dez anos e são amplas, com balneários separados para mulheres e homens, muito espaçosos e apetrechados com tudo o que faz falta, incluindo secadores de cabelo. Dentro de cada balneário, os chuveiros são colectivos – apesar de pedirem que, antes de entrarem na piscina, os utilizadores tomem duche completamente despidos. Mas o problema maior é, não surpreendentemente, o frio que se faz sentir lá fora quando não estamos dentro da piscina ou do jacúzi. Os poucos metros entre a saída do balneário e a água quente foram para mim uma tortura, mesmo estando embrulhada na toalha. Depois entrei na piscina, e passei cerca de uma hora no paraíso.

 

Friorenta como sou, não tive coragem de andar dentro e fora para ir buscar e depois voltar a guardar a máquina fotográfica ou o smartphone, por isso não tirei uma única foto. Além do mais, quem quer saber de fotografias quando se está tão bem dentro da água quentinha? Mas se tiverem curiosidade em ver a maravilha de cenário que esta piscina nos proporciona, é só visitarem o website da Sundlaugin á Hofsósi  ou a página no Facebook.

 

Tal como afirmei lá mais para cima neste post, monotonia é palavra que não se aplica, de maneira nenhuma, à Islândia. Neste dia longo e que parecia ir ser pouco activo, acabámos por passar por várias experiências diferentes – até com alguma emoção à mistura – e interessantes, cada uma à sua maneira. Para mim, não há nada mais compensador numa viagem do que alargar os meus horizontes: ver um pouco mais do mundo, aprender um pouco mais sobre o passado, aproveitar um pouco mais o presente. E é por isso que saio de cada viagem sempre mais rica.

 

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O roteiro e várias informações práticas sobre a Islândia estão aqui: Coleccionar paisagens surreais na Islândia

 

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Diário de uma viagem à Islândia - Na Região Noroeste

Qua | 02.12.20

Séries que me levam a viajar

 

Para mim, a televisão é uma tela de cinema em tamanho reduzido que posso ter em casa. Não a utilizo praticamente para mais nada que não seja ver filmes e séries. Sorte minha, já desde há alguns anos que as séries de televisão deixaram de ser consideradas entretenimento de segunda categoria e passaram a ocupar, no mundo do audiovisual, um lugar tão importante quanto o cinema – hoje em dia talvez até mais, porque implicam a fidelização do espectador durante muito mais tempo do que as meras duas horas, mais coisa menos coisa, de duração habitual de um filme. E agora que me vejo obrigada a passar (ainda) mais tempo casa, são uma distracção bem vinda a que recorro frequentemente.

 

Algumas delas têm também outra vantagem, que antes era praticamente exclusiva dos filmes: levam-me a viajar, e em mais do que um sentido. Primeiro, porque me mostram, de forma mais ou menos extensiva, lugares que ainda não conheço e que por vezes nem sabia que existiam. Segundo, porque despertam em mim a vontade de ir conhecer pessoalmente esses lugares. A alguns deles já fui, a outros irei quando puder.

 

Uma das campeãs da “promoção turística”, entre muitas outras óbvias virtudes que lhe granjearam milhões de fãs em todo o mundo, foi a Guerra dos Tronos: 73 episódios com cenários de fantasia criados sobre paisagens reais de países tão diversos como Espanha, Islândia, Marrocos, Croácia, Escócia ou Canadá, só para citar alguns. Foi por causa dela que fiquei a saber da existência de San Juan de Gaztelugatxe, que entretanto já visitei (podem ler tudo neste post), e do Ksar de Ait-Ben-Haddou em Marrocos, que também fiz questão de ir conhecer (entre outros lugares de Marrocos de que falo neste post). Não tivesse eu visto a série, talvez a minha curiosidade não tivesse sido despertada e eu não tivesse visitado estes dois locais magníficos.

Gaztelugatxe (35).JPG

Ait Ben Haddou (21).jpg

Há várias outras séries de ficção que têm também criado em mim esta vontade de ir descobrir ao vivo o encanto dos lugares que retratam ou onde foram filmadas. Umas são recentes, outras já têm algum tempo, mas todas elas são excelente entretenimento, tanto pela sua qualidade como também pelas paisagens e lugares por onde me têm levado a viajar – e que, com alguma sorte, vou poder um dia destes conhecer pessoalmente.

 

 

CARDINAL

Lago Nipissing, Ontário, Canadá

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Os lagos e as grandes florestas do Canadá já fazem há muito tempo parte da minha lista de desejos de viagem, e depois de ver esta série essa vontade aumentou. Baseada nos policiais do escritor canadiano Giles Blunt, cujas personagens principais são os detectives John Cardinal e Lise Delorme, o ambiente desta série aproxima-se (felizmente!) mais dos dramas policiais nórdicos do que das séries de acção americanas, e essa é uma das suas maiores virtudes. O tom contido e por vezes melancólico da narrativa contrasta fortemente com os crimes brutais, manchados de sadismo, que são o pano de fundo das quatro temporadas (cada uma com seis episódios) da série, e condiz perfeitamente com as paisagens fabulosas do Ontário Setentrional onde têm lugar as cenas de exterior.

 

As histórias passam-se na pequena cidade fictícia de Algonquin Bay, alter ego de North Bay, onde Giles Blunt cresceu. Situada entre dois lagos, o Nipissing e o Trout, a cidade como cenário cumpre apenas um papel funcional, pois o destaque vai para os planos abertos, por vezes filmados do ar, das magníficas florestas e dos grandes lençóis de água que a rodeiam. Além disso, cada temporada foi (ou parece ter sido) rodada numa estação do ano diferente, o que nos dá a possibilidade de ver os mesmos locais sob perspectivas diversas e muito diferentes entre si. A quarta temporada, passada no Inverno, é para mim a que tem mais impacto visual, pelo óbvio domínio do branco. E até o genérico, que é excelente, desperta o apetite para ir conhecer a região.

Cardinal paisagem.png(Crédito da foto: https://www.radiotimes.com/news/2020-06-04/where-is-cardinal-filmed-location/)

 

Com grande pena minha, não estão previstas mais temporadas de Cardinal. O próximo passo terá mesmo de ser dado por mim, ou seja, ir até ao Canadá.

 

 

DOWNTON ABBEY

Hampshire e Cotswolds (Oxfordshire), Inglaterra

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As seis temporadas desta série foram mais do que suficientes para ficar com o “bichinho” de querer conhecer o countryside inglês. A popularidade de Downton Abbey transformou o desconhecido Castelo de Highclere, no Hampshire, em local obrigatório de visita, mas confesso que a minha curiosidade maior é a região de Cotswolds, no Oxfordshire, onde se encontra Bampton, a aldeia em que foram filmadas muitas das cenas exteriores supostamente passadas na localidade de Downton.

 

Este drama histórico, que retrata a vida de uma família aristocrática do Yorkshire e dos seus empregados domésticos nos primórdios do século XX, tornou-se uma das minhas séries favoritas logo desde o primeiro episódio. Impecavelmente produzido e realizado, com grandes intérpretes, uma fotografia e um guarda-roupa fabulosos, a saga da família Crawley estende-se de 1912 a 1926 e entrelaça dramas familiares domésticos e sociais com grandes eventos ocorridos durante este período.

Bampton.jpg(Crédito da foto: https://www.alnwickcastle.com/blog/downton-abbey-filming-locations-uk)

Os locais de filmagem incluíram, além do Castelo de Highclere e de Bampton, várias outras localidades dos Cotswolds, o Castelo de Alnwick em Northumberland, a Wentworth Woodhouse no Yorkshire, o West Wycombe Park no Buckinghamshire, e o Basildon Park no Berkshire, entre outros.

 

 

HIERRO

El Hierro, Canárias, Espanha

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Os nossos vizinhos espanhóis começaram há alguns anos a dar cartas no que toca a dramas policiais, primeiro nos livros – tenho lido policiais fantásticos de autores espanhóis, e estou completamente fã – e mais recentemente também nas séries televisivas. Uma das últimas boas surpresas que tive foi esta série de oito episódios, que conseguiu agarrar-me completamente.

 

A trama gira à volta de uma morte misteriosa e duas personagens que à primeira vista parecem antagónicas – uma juíza e um empresário envolvido em negócios escuros, além de presumível assassino – mas com o desenrolar da história se percebe terem muito em comum: são ambos forasteiros, voluntariosos, têm um passado complicado, e estão empenhados em descobrir a verdade. O elenco é excepcional, com alguns actores bem conhecidos das telas de cinema, e a série recebeu prémios em diversas categorias, o que é também um bom indicador da sua qualidade.

El Hierro.jpg(Crédito da foto: https://vertele.eldiario.es/noticias/hierro-serie-movistar-atresmedia-lasexta_0_189701028)

 

A terceira personagem mais importante na série é a própria ilha. El Hierro é uma das mais pequenas e menos conhecidas ilhas das Canárias, arquipélago que muito sinceramente até agora não tinha despertado em mim grande interesse. O genérico é brilhante e os planos de corte que fazem a ligação entre cenas são um elogio à ilha, que nos é apresentada como um ambiente socialmente fechado, com tradições e hábitos muito enraizados, e onde todos se conhecem (El Hierro tem pouco mais de 11 mil habitantes). Estas características foram aproveitadas para o enredo e são fulcrais em toda a história, tal como as paisagens bem escolhidas que lhe servem de cenário.

 

Uma segunda temporada já está em preparação, prevista para estrear no próximo ano em Espanha, e espero que também por cá.

 

KEEPING FAITH

Laugharne, País de Gales

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Uma mistura de drama e mistério, com umas pitadas de romance e de acção, esta série produzida pela Vox Pictures poderia ser uma grande salgalhada, mas na verdade é tudo menos isso. O argumentista Matthew Hall consegue o feito de transformar magicamente uma variedade de ingredientes num produto final credível, diferente, com personagens muito humanos (cheios de segredos, defeitos e angústias, como é óbvio) e uma história que dá voltas e reviravoltas e me manteve viciada durante duas temporadas – e a desejar que a próxima chegue depressa. Filmada simultaneamente em galês e inglês, por enquanto a terceira temporada ainda só está a ser exibida no canal S4C do País de Gales, estando a versão inglesa com estreia prevista no BBC Wales em inícios do próximo ano.

Keeping Faith paisagem.jpg(Crédito da foto: https://www.walesonline.co.uk/lifestyle/tv/keeping-faith-filmed-wales-14434848)

 

A outra grande virtude da série é o facto de mostrar um bocadinho do tão pouco conhecido e publicitado País de Gales. Keeping Faith foi filmada predominantemente na região de Carmarthenshire, sobretudo na localidade costeira de Laugharne, onde viveu o poeta Dylan Thomas e que parece ter motivos suficientes para me deixarem curiosa e interessada: um castelo meio arruinado, uma igreja com um grande cemitério, extensos areais batidos pelo vento, trilhos sobre falésias rochosas e paisagens prometedoras.

 

O GERENTE DA NOITE

Pollença, Maiorca, Espanha

O Gerente da noite.jpg

Adaptada do livro homónimo de John Le Carré, esta mini-série de espionagem é uma festa para os olhos. São apenas seis episódios, mas muito intensos, bem realizados, bem produzidos, e sobretudo muito bem interpretados – ou não fosse uma série inglesa… A história centra-se na personagem de um ex-militar que, a trabalhar como gerente de hotel, é recrutado para se infiltrar na entourage de um poderoso negociante de armas que os serviços secretos britânico e americano querem apanhar, um homem ganancioso e sem escrúpulos que esconde habilmente as suas actividades ilícitas atrás de uma capa de filantropia e de uma vida privada inexpugnável.

Sa Fortalesa.jpg(Crédito da foto: https://www.majorcadailybulletin.com/news/local/2016/03/18/43304/visit-one-the-key-locations-for-the-hit-bbc-series-the-night-manager.html)

 

Com um tom por vezes ligeiramente “james bondiano”, a série cativou-me também pelos cenários bem escolhidos: Maiorca, Istambul, Cairo, Devon e Zermatt. Embora na realidade as cenas passadas no Cairo e Istambul tenham sido rodadas em Marrocos e as de Zermatt quase todas em estúdio, são mostradas em separador belíssimas imagens destas cidades e paisagens. Neste capítulo, a estrela da série é uma mansão situada num cabo perto de Port de Pollença, no extremo norte da ilha de Maiorca, a região de que por coincidência mais gostei quando passei férias nesta ilha. Chama-se Villa Sa Fortalesa, e como o nome indica foi adaptada a partir de uma fortaleza do séc. XVII que defendia a espectacular baía de Pollença. Pertence ao banqueiro inglês Lord James Lupton, sendo a propriedade mais cara de Espanha (foi comprada em 2011 por 40 milhões de euros). As imagens aéreas da zona filmadas para a série são de tirar o fôlego e fazem jus à beleza do lugar.

 

 

OUTLANDER

Glencoe, Escócia

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Diana Gabaldon é uma escritora americana, mas foi a Escócia que ela escolheu para pano de fundo de alguns dos seus livros, que por sua vez deram origem à série Outlander. Meio fantasia, meio baseada em factos históricos, a trama conta as peripécias de uma jovem mulher que viaja misteriosamente no tempo e vai parar à Escócia do século XVIII. E se as Terras Altas da Grã-Bretanha já estavam na minha lista de desejos, depois de ver as primeiras temporadas da série (ao todo já são cinco, e está para lavar e durar…) passaram a ser uma prioridade.

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Os locais de filmagem têm nomes tão ásperos como Rannoch Moor, Glencoe, Finnich Glen ou Culross, mas os cenários por onde viajamos com esta série são vales profundos e sempre verdes rodeados de montanhas vertiginosas, florestas atravessadas por rios bravos, aldeias com casas rústicas de pedra e, como não podia deixar de ser, castelos e casas senhoriais, como os de Doune, Midhope e Drummond, ou a Gosford House e a Hopetoun House. Mesmo as temporadas cuja história se desenrola em França ou na América foram completamente filmadas na Escócia, e alguns dos locais ficam bem perto de Edimburgo, o que demonstra tanto a habilidade da equipa cinematográfica como a variedade paisagística do país – e aumenta exponencialmente a minha vontade de ir até lá.

 

SANDITON

Bristol, Inglaterra

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Jane Austen morreu em 1817 de doença não identificada, deixando por terminar o romance que deu origem a esta série. Sanditon é uma vila de pescadores ficcionada, que um empresário decide converter numa estância de veraneio para a elite inglesa. É com a sua família que a heroína, Charlotte, vai viver durante algum tempo. Sensata, inteligente e desenrascada, como é habitual nas heroínas de Austen, Charlotte vai acabar por ser peça importante nas aventuras e desventuras amorosas e financeiras dos seus anfitriões e da comunidade de Sanditon, que inclui a grande família do empresário, uma dama abastada e os seus ambiciosos sobrinhos e prima afastada, uma rica herdeira vinda das Índias Ocidentais, um aspirante a arquitecto e vários londrinos endinheirados.

 

O romance inacabado foi genialmente desenvolvido pelo argumentista Andrew Davies para esta produção da BBC que, até ver, tem uma única temporada – embora o final aberto (e algo desapontante…) prometa continuação, que não está contudo confirmada.

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Os exteriores de Sanditon foram filmados nos arredores de Bristol. Sendo local de veraneio, é claro que muitas das cenas se passam na praia, que neste caso é a praia de Brean, uma faixa de areia situada a sudoeste da cidade, limitada por dunas e com mais de 10 km de comprimento. O altíssimo promontório de Brean Down, a norte da praia, é outro dos locais mostrados na série. Os cenários escolhidos incluem ainda a pitoresca igreja de St. James em West Littleton, Dyrham Park e a sua mansão, os jardins românticos da Iford Manor (perto de Bradford on Avon), e a Bowood House no Wiltshire. A minha lista de sítios a visitar em Inglaterra não pára de crescer…

 

SHETLAND

Ilhas Shetland, Escócia

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Sou absolutamente fã desta série policial, que já conta com cinco temporadas e parece que vai ter pelo menos mais duas, para minha grande felicidade. Produzida pela ITV Studios para a BBC Scotland e parcialmente filmada nas ilhas escocesas que lhe dão o nome, de cada vez que vejo uma temporada fico com vontade de me meter logo um avião e ir visitá-las.

 

Como série, tem uma produção excelente, a realização não fica atrás, os actores convencem-nos e a cinematografia é magnífica. Não tem cenas de pancadaria a cada cinco minutos, heroínas que resolvem casos em cima de saltos de 15 cm ou décors arrumadinhos e tão limpos que até se pode comer no chão. Tudo tem um ar real: as roupas amarrotam-se, as unhas sujam-se, e as personagens têm vida pessoal. Às vezes também há tiros e correrias, e cenas macabras, e os investigadores têm uma capacidade de trabalho inextinguível ou o dom da ubiquidade, mas ainda assim são credíveis, têm sotaque (e que sotaque!), barriga, cabelos brancos, barbas por fazer. Os argumentistas fazem um bom uso da História e das características culturais das Shetland, que são incorporadas na trama e a tornam mais interessante. Apesar da produção britânica e de ser baseada nos livros da premiada escritora inglesa Ann Cleeves, o tom geral da série aproxima-se mais dos policiais nórdicos do que dos tradicionais mistérios ingleses “à hora do chá”.

Lerwick.jpgPhoto © Mike Pennington (cc-by-sa/2.0)

 

Depois há o cenário. O fantástico e peculiar cenário das ilhas Shetland e da Escócia: ventoso, cinzento, sem árvores, mas com uma beleza de cortar a respiração. Há muitas cenas filmadas a partir de longe ou em perspectiva aérea, e a banda sonora está em sintonia com o ambiente – inóspito, mas extremamente apelativo.

 

THE HEAD

Islândia

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Esta série é a prova de que as co-produções menos mainstream vieram para durar e conseguem ser tão boas ou melhores que as dos grandes estúdios, e de que a Espanha está a apostar forte no mercado televisivo. The Head é um thriller criado pelos irmãos Àlex e David Pastor, secundados pelo argumentista Isaac Sastre, e realizado por Jorge Dorado, com produção da Hulu Japan e da espanhola The Mediapro Studio. O primeiro episódio deixou-me na dúvida sobre se a série iria inclinar-se para o sobrenatural, mas afinal o enredo acabou por se revelar um daqueles mistérios intrigantes passados em ambiente fechado, em que a acção anda para trás e para a frente no tempo até o puzzle começar a fazer algum sentido. Uma pequena equipa de cientistas e técnicos permanece durante o Inverno numa estação da Antárctida, onde está a ser desenvolvido um projecto biológico inovador. Mas quando a luz do sol volta a iluminar o Pólo Sul, o grupo que regressa para os apoiar descobre que estão todos mortos ou desaparecidos, e não há explicação aparente para o que se terá passado.

 

Os diálogos dos seis episódios são maioritariamente em inglês, com algumas conversas pelo meio em dinamarquês e sueco, e os actores vêm dos mais variados países: Reino Unido, Espanha, Japão, Estados Unidos, Dinamarca, Suécia, Alemanha, Irlanda… É quase uma torre de Babel, mas em vez de atrapalhar, esta mistura traz mais dinâmica e veracidade à trama.

The Head - paisagem.jpg

Apesar de a história se desenrolar na Antárctida, as cenas de exterior foram filmadas na Islândia e mostram espaços a perder de vista cobertos de neve, mesmo quando o sol brilha. Encantada que fiquei com as paisagens islandesas que tive a felicidade de ver este Verão, tenho ainda por cumprir o desejo de conhecer o país numa época (ainda) mais fria e completamente pintado de branco. A julgar pela minha vida nos últimos tempos, irá acontecer quando menos esperar…

 

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Séries que me levam a viajar