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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qua | 25.11.20

Regressar à pré-história no Alentejo

 

O Alentejo é a segunda região europeia onde existe uma maior concentração de monumentos megalíticos (a primeira é a Bretanha). Isto deve-se, dizem os estudiosos dos tempos primitivos, ao facto de ser uma região onde confluem três grandes bacias hidrográficas – a do Tejo, a do Sado e a do Guadiana – razão pela qual muitas comunidades de caçadores-recolectores a escolheram para se sedentarizarem. A zona entre Montemor-o-Novo e Évora tem alguns destes monumentos mais emblemáticos, além de outros vestígios pré-históricos únicos e um património cultural e histórico riquíssimo, e é por tudo isto que vos proponho aqui um roteiro de fim-de-semana (ou não…) para conhecerem melhor este pedacinho de Portugal. A visitar com calma, em qualquer época do ano.

1 Alentejo

 

 

Dia 1

Gruta do Escoural – Anta-Capela de Nossa Senhora do Livramento – Évora

 

Começamos esta viagem à pré-história precisamente pelo local onde se encontram os testemunhos mais antigos dos humanos que habitaram esta região. Nas paredes da Gruta do Escoural existem gravuras que remontam ao Paleolítico Superior, ou seja, entre 50.000 a 10.000 anos a.C. – tantos anos que nem conseguimos imaginar… Sobreviveram até aos nossos dias por puro milagre, pois só foram descobertas nos anos 60. As visitas ao espaço foram dinamizadas há poucos anos com a criação de um Centro Interpretativo. Embora pequenas e com poucas imagens, estas grutas são absolutamente imperdíveis: afinal, não é todos os dias que temos a oportunidade de ver pinturas rupestres… Actualmente podem ser visitadas exclusivamente por marcação e de preferência com uma antecedência de alguns dias (mínimo 24 horas).

 

Centro Interpretativo da Gruta do Escoural

Rua Dr. Magalhães de Lima, 48; 7050-555 Santiago do Escoural

Horário (de terça a sábado, excepto feriados) - Verão: 09h30-13h e 14h30-18h / Inverno: 09h-13h e 14h-17h

Visita da manhã às 10h30 / Visita da tarde às 14h30

Marcações

Centro Interpretativo do Escoural – telefone 266 857 000 e-mail: grutadoescoural@cultura-alentejo.pt

Direcção Regional de Cultura do Alentejo – telefone: 266 769 800 e-mail: info@cultura-alentejo.pt

 

A paragem seguinte é a poucos quilómetros do Escoural, mais especificamente junto à estrada municipal 1079 um pouco antes de São Brissos. É aqui que se encontra uma das pouquíssimas antas-capelas que subsistem em relativamente bom estado em Portugal: a de Nossa Senhora do Livramento ou de São Brissos (não confundir com a igreja da localidade…). Curiosas e invulgares, as antas-capelas atraem pelo seu carácter híbrido e formato “estranho”, que resulta da conversão de um monumento megalítico num outro de carácter religioso – neste caso, católico. A anta-capela de São Brissos apresenta ainda a peculiaridade de estar pintada como se de uma casa tradicional se tratasse, branca com uma faixa azul na parte inferior. É possível visitá-la por dentro, sendo necessário para o efeito telefonar para os números que estão indicados numa placa que se encontra no local (266 857 637/128/183).

4 Anta-capela de São Brissos

3 Anta-capela de São Brissos

2 Anta-capela de São Brissos

Se quiserem saber um pouco mais sobre esta ermida, leiam o post que já escrevi aqui sobre ela.

 

É em Évora que está actualmente instalado o Núcleo Interpretativo do Megalitismo – o lugar certo para ficar a conhecer algo mais sobre a ocupação primitiva do Alentejo – e por isso esta cidade é o nosso próximo destino.

 

Núcleo Interpretativo do Megalitismo de Évora

Convento dos Remédios, Av. S. Sebastião, Évora

Horário

de segunda a sexta: 09h30-12h30 e 14h-17h30 / sábados: 14h-18h

 

6 Évora

O centro histórico de Évora faz parte do património da UNESCO e as suas origens alicerçam-se na época celta, há mais de vinte séculos. Foi habitada por romanos, visigodos, mouros, reis católicos e religiosos jesuítas, e por ter tido a sorte de escapar incólume ao terramoto de 1755 todas estas influências estão ainda hoje presentes na herança cultural e arquitectónica da cidade. Para lá do sobejamente conhecido Templo de Diana e da famosa Capela dos Ossos (alojada na Igreja de São Francisco) há vários outros locais em Évora que são de visita obrigatória:

 

- A , que é “só” a maior catedral medieval do nosso país, com o seu estilo meio românico, meio gótico à mistura com pitadas de barroco, e as suas famosas esculturas de apóstolos no pórtico.

- O Aqueduto da Água da Prata, que permanece em funcionamento até aos nossos dias e tem a peculiaridade de existirem casas construídas entre os pilares de alguns dos seus arcos; dentro da cidade, os seus pontos mais notáveis são a Caixa de Água na Rua Nova (de Santiago) e o Chafariz do Largo do Chão das Covas, ambos renascentistas.

- O Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo (simplesmente conhecido como Museu de Évora, instalado no edifício dos antigos Paços Episcopais) e a sua belíssima colecção de porcelana e azulejaria, entre muitas outras obras artísticas.

- A Praça do Giraldo, em cujas esplanadas e passeios pulsa o coração da cidade.

- A Igreja da Graça, notável pelo seu estilo renascentista puro e pelas esculturas gigantes da sua fachada.

 

 

Dia 2

Évora – Anta Grande do Zambujeiro – Menir e Cromeleque dos Almendres – Montemor-o-Novo

 

Depois de pernoitar em Évora e visitar a cidade seguimos em direcção a Valverde para conhecer a Anta Grande do Zambujeiro. Apesar de desfeada por um inestético telheiro de zinco e de já não ser possível visitá-la por dentro, vale a pena ver aquela que é a maior anta da Península Ibérica e uma das maiores da Europa, singular tanto pelo seu tamanho (tem pedras de 8 metros de altura, e um corredor de 12 metros) como pela sua estrutura complexa. Selada até 1965 numa mamoa, os métodos discutíveis que foram utilizados para a sua escavação são a principal causa de se encontrar actualmente em perigo de colapso, mas lamentavelmente nada parece estar a ser feito para a sua recuperação.

11 Anta Grande do Zambujeiro

10 Anta Grande do Zambujeiro

 

Poucos quilómetros à frente, em Nossa Senhora de Guadalupe fazemos um curto desvio para visitar dois dos mais famosos monumentos pré-históricos da região: o Menir dos Almendres, um colosso granítico imponente nos seus 3 metros e meio de altura, e o Cromeleque dos Almendres, um conjunto megalítico único e fascinante que remonta ao milénio VI a.C. – um dos mais antigos do mundo (tem “apenas” mais 3 mil anos do que Stonehenge…). São 95 menires dispostos elipticamente numa encosta suave virada a nascente, rodeados de vegetação, alguns deles decorados com relevos ou gravuras, e crê-se que este local terá sido um espaço sagrado ao longo dos tempos, provavelmente em associação com o Menir, que se encontra muito próximo.

12 Menir dos Almendres

13 Menir dos Almendres

14 Cromeleque dos Almendres

15 Cromeleque dos Almendres

 

O destino final deste roteiro é a cidade de Montemor-o-Novo, onde é imprescindível visitar o castelo cuja muralha triangular, quando estava completa, tinha cerca de 2 km – o que faz dela a maior do nosso país. Tinha também quatro torres, dezanove torreões e quatro portas. Muito danificada pelo terramoto de 1755 e pela utilização das suas pedras noutras construções, da muralha restam hoje apenas alguns troços, três torres e três portas. O parque de estacionamento junto à entrada é um miradouro privilegiado sobre a cidade, e conforme vamos percorrendo a muralha é-nos oferecida uma vista ampla sobre a planície alentejana. Dentro do recinto do castelo, para além da recuperada Igreja de S. Tiago (transformada no Centro Interpretativo) podemos ainda ver as ruínas do Paço dos Alcaides (ou Paço Real), da Igreja de S. João Baptista e da Igreja de Stª Maria do Bispo. Como curiosidade, saibam que foi numas cortes aqui realizadas que D. Manuel I tomou a decisão de enviar Vasco da Gama na sua viagem à Índia.

17  Castelo de Montemor-o-Novo

16 Castelo de Montemor-o-Novo

18  Castelo de Montemor-o-Novo

A minha última sugestão para este roteiro é gastronómica: não deixem Montemor-o-Novo sem provar as bifanas. Eu sei que as de Vendas Novas são mais famosas, mas acreditem que estas são bem melhores. Vou sempre comê-las à Casa das Empadas, que fica na (agora tão badalada) Nacional 2, onde as variadas empadas que confeccionam são obviamente boas mas as bifanas são, no mínimo, soberbas. Uma maneira excelente e saborosa de terminar esta viagem de dois dias ao nosso passado mais remoto.

19  Casa das Empadas Montemor-o-Novo

Regressar à pré-história no Alentejo - mapa roteiro

 

(Este roteiro foi publicado pela primeira vez no website Fantastic)

 

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Coimbra, Lousã, Góis: cidade, serra e água num roteiro de 3 dias - parte 1

Coimbra, Lousã, Góis: cidade, serra e água num roteiro de 3 dias - parte 2

Coimbra, Lousã, Góis: cidade, serra e água num roteiro de 3 dias - parte 3

Voltinha saloia pelo litoral, do Guincho a Azenhas do Mar

 

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Regressar à pré-história no Alentejo

Ter | 17.11.20

Diário de uma viagem à Islândia IV

Segundo dia nos Westfjords

 

Por ser muito recomendada pelos melhores guias de viagem mas pouco popular entre quem visita o país, a região dos Westfjords já foi apelidada de “o lugar desconhecido mais famoso da Islândia”. Intocada e quase desabitada (há apenas cerca de 7500 habitantes em todo o território), é um destino para quem gosta de natureza, de tranquilidade e de viajar sem pressas. A região vive desde sempre da indústria pesqueira, por isso as localidades situam-se todas junto à costa, e as estradas que as unem seguem quase sempre o recorte dos seus fiordes profundos. As distâncias são longas, muitas vezes em estradas de gravilha, e não há atalhos possíveis. Imagino que no Inverno a sensação de isolamento seja ainda maior.

157 Diário Islândia - Westfjords

 

Dia 4

 

Farnel pronto e pequeno-almoço tomado, saímos do apartamento com a firme determinação de ir até ao fim do mundo. Enfim, quase… Foi mesmo essa a impressão que tive quando chegámos a Selárdalur, no extremo do Arnarfjörður. Este fiorde é um dos maiores e mais espectaculares fiordes da Islândia, e está rodeado de montanhas íngremes e vales profundos. Com um dia completamente cinzento e nuvens tão baixas que nem deixavam ver os cumes mais elevados, escuros e raiados de neve, a atmosfera era quase mística. Nesta ilha nascida do fogo e moldada pela água e os ventos, onde toda a vida continua a estar tão ligada à natureza e aos seus humores, consigo perceber melhor as personagens que o Nobel da Literatura islandês Hálldor Laxness escolheu para aquele que é provavelmente o seu romance mais famoso, “Gente Independente” – cuja leitura, a propósito, recomendo vivamente, mesmo para quem não tenha apetência especial pela Islândia.

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Um exemplo da “fibra” de que os islandeses são feitos é Samúel Jónsson, a razão da nossa ida até este lugar tão inóspito dos Westfjords. Nascido em 1884 nesta região, de onde nunca saiu apesar de ter vivido em vários lugares diferentes, Samúel teve uma vida dura, durante a qual viu morrer toda a sua família, incluindo os três filhos pequenos e a mulher. Aos 65 anos começou a receber uma pensão do Estado e pôde então dedicar-se ao sonho da sua vida: a arte. O local onde viveu até 1969, ano da sua morte, é tão insignificante por si só que nem vem no mapa, e para aqui chegar é preciso procurar por Listasafn Samúels Jónssonar (em português, Museu de Arte de Samúel Jónsson).

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Embora sem formação artística específica, Samúel Jónsson tinha um talento inato para o desenho, a pintura e os trabalhos em madeira. Neste sítio esquecido pelo mundo, onde nem electricidade havia, construiu sozinho – e sem a ajuda de máquinas – a sua casa, uma galeria de arte, e uma igreja. Pintou e esculpiu em madeira lugares que nunca tinha visitado, socorrendo-se de imagens em postais e livros. No seu característico estilo naïf, construiu um pequeno jardim de esculturas, onde a peça que mais chama a atenção é uma fonte rodeada de vários animais, toscamente representados, que podemos interpretar como sendo leões. Ver esta escultura trouxe-me imediatamente à ideia a Fonte dos Leões, no Alhambra – e na verdade foi esta a inspiração de Samúel, como percebi passado um bocado, ao ver uma fotografia do local afixada no interior de uma das janelas da sua casa.

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O talento de Samúel Jónsson nunca foi reconhecido enquanto viveu, e mesmo hoje em dia não faz parte da lista dos artistas plásticos islandeses de nomeada. Os edifícios de Brautarholt, um dos quais é agora uma casa de chá (infelizmente fechada quando visitámos o lugar), sobrevivem e foram reconstruídos graças à divulgação feita por alguns jornalistas e documentaristas, já depois da morte do artista, e sobretudo à acção da “Félag um listasafn Samúels” (Associação do Museu de Arte de Samúel Jónsson), que angaria donativos e mantém preservado o seu espólio.

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Pelos vizinhos que com ele conviveram, a imagem de Samúel Jónsson que nos chegou até hoje é a de um homem modesto e afável, um “artista de coração inocente”, como o definiu Hannibal Valdimarsson num artigo escrito em 1976. Por ironia do destino, começou a perder a visão à medida que foi avançando na idade, mas isso não o demoveu de continuar a perseguir os seus sonhos: entre 1962 e 1965 construiu, propositadamente para ali colocar uma pintura criada por si, a igreja de betão pintado que hoje vemos no local. É sem qualquer dúvida um grande exemplo de alguém que não deixou que as suas limitações o impedissem de cumprir um ideal, um homem com vontade férrea e muita resiliência, que ilustra bem o carácter dos islandeses como povo.

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Voltámos à estrada de terra batida ao longo do fiorde – felizmente um pouco menos má do que outras que percorremos – até Bíldudalur, um vilarejo com apenas 200 almas onde não parámos, apesar do tentador anúncio de um Museu dos Monstros Marinhos. O nosso destino era a maior queda de água dos Westfjords, localizada a 60 km de Bíldudalur: a cascata de Dynjandi. Abro aqui um parêntesis para uma pequena nota sobre as cascatas na Islândia. Cerca de 11% da área do país está coberta por glaciares (são “só” 269…), cuja massa de gelo começa a derreter parcialmente quando as temperaturas aquecem, algures na Primavera, formando centenas e centenas de rios e ribeiros que na sua maioria encontram, algures durante o seu percurso, descidas abruptas por onde se despenham de forma mais ou menos espectacular. Para nós que vivemos num território muito mais “velho” do que o da Islândia, e portanto geologicamente mais “gasto” em termos de relevo, além de menos gelado, qualquer cascata maiorzinha é um fenómeno digno de visita. Mas se na Islândia pararmos para ver todas as cascatas semelhantes às que temos em Portugal… bom, não fazemos mais nada, porque são inúmeras – aquelas fitas de água branca a escorrer pelo verde ou castanho das encostas acabam por fazer parte da paisagem, e deixamos de lhes ligar importância. É só mais uma cascata…

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E no entanto, nada disto nos prepara para as quedas de água “a sério”. Até podemos já ter visto dezenas de imagens com as cascatas mais icónicas da Islândia, mas não há nada que se assemelhe à sensação de conhecer ao vivo estas gigantes da natureza. A cascata de Dynjandi avista-se de longe, quando ainda andamos às voltas na estrada para lá chegar. De um lado temos o recorte do fiorde – aqui muito fechado, quase um lago – e do outro uma falésia em degraus por onde a água cai abundante e ruidosa. Muita água, e muito barulhenta. Dynjandi significa “a retumbante”, e faz jus ao nome.

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Parámos no estacionamento e subimos até à base da queda de água. Pelo caminho encontramos outras cascatas, seis ao todo, pequenas quando comparadas com o colosso que domina a paisagem mais acima. Têm nomes próprios, e ao longo do trilho marcado há pontos de observação para cada uma, alguns deles com bancos onde podemos descansar – para ver de perto muitas das belezas naturais mais famosas da Islândia é preciso andar bastante e frequentemente subir, subir… Mas embora o percurso nem sempre seja fácil, o objectivo final recompensa o esforço. Como neste caso. Elegante quando vista à distância, de perto a Dynjandi é fascinante, um enorme manto branco que se estende por 100 metros de altura, descendo em ligeiros socalcos, a água em fios finos como a urdidura de um tear. As quedas de água são para mim fenómenos mesmerizantes. A energia incrível que a força destas águas me transmite é difícil de descrever, e fico sempre com vontade de não sair dali.

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Continuámos a seguir para norte pela Estrada 60, ora acompanhando o mar, ora cruzando os vales que esventram as serranias, outras vezes percorrendo estreitas faixas de estrada construídas sobre os diques que sustentam o avanço do oceano. No fio condutor da paisagem os cenários iam mudando ao ritmo do conta-quilómetros e eu tentava absorver tudo, fascinada por esta terra tão diferente daquilo a que estou habituada. Fotografei até à exaustão, mesmo sabendo que a maior parte das imagens não seriam mais que borrões tremidos. Quando as memórias começarem a esbater-se, serão elas (e isto que escrevo) que me farão viajar de novo.

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Em Julho, as temperaturas médias nos Westfjords são de 6°C para a mínima e 10°C para a máxima. No Inverno andam entre os 0 e os -10°C, mas por vezes chegam quase aos 15 negativos. Se nos dias em que andei pelo norte da Islândia, em pleno mês de Julho, nunca deixei de ter frio, nem quero imaginar como será no Inverno, ainda por cima com toda a região coberta de neve. É realmente necessário ter um carácter muito forte para viver aqui, à mercê de um clima tão duro e frequentemente agressivo, e os cerca de 200 habitantes de Flateyri sabem isso melhor do que ninguém. Em Outubro de 1995, uma avalanche sepultou uma parte desta localidade e 45 pessoas sob vários metros de neve. Vinte não sobreviveram. Um documentário foi realizado em 2010 sobre esta tragédia, que podem ver aqui. A construção de um dique deflector tem evitado a ocorrência de males maiores desde essa altura. Em Janeiro deste ano houve duas outras grandes avalanches: uma foi desviada para o mar e provocou um tsunami (sem vítimas, mas que afundou vários barcos), a outra conseguiu galgar uma parte do dique e atingiu uma casa, de onde um dos seus quatro habitantes teve de ser desenterrado, felizmente com vida.

 

Flateyri foi fundada em finais do século XVIII e chegou a ser um importante centro de caça à baleia e ao tubarão-da-Gronelândia. Nos anos 90 era uma localidade piscatória florescente, mas a crise de 2008 chegou a todos os cantos do país e o encerramento de várias empresas pesqueiras obrigou uma parte da população a mudar-se para outras paragens. Com tudo isto, poder-se-ia pensar que a vila é tristonha e desenxabida, mas tal não é verdade. Para começar, é aqui que encontramos a loja mais antiga do país ainda em funcionamento, que se mantém quase inalterada desde a sua abertura há mais de um século: a livraria Bræðurnir Eyjólfsson, mais conhecida simplesmente por “Livraria Antiga”. Gerida pela mesma família desde há quatro gerações, o apartamento anexo à loja, onde viveram os bisavós do actual proprietário, permanece sem qualquer modificação desde os anos 50 e é agora um museu. A memória da cidade está também preservada em alguns outros edifícios, cuja história é resumidamente contada em painéis explicativos colocados ao pé de cada um deles.

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Depois, um passeio pelas ruas da localidade revelou-nos casas em cores pastel, com muros e jardins decorados (parecem ter uma predilecção especial por bicicletas), alguma street art, uma igreja com o típico campanário alto e pontiagudo, o pequeno porto de abrigo com uma dúzia de embarcações modernas. A norte, tão vigilante quanto perigosa, uma crista de montanhas manchadas de branco pela neve resistente.

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Tínhamos parado para comer no caminho, mas o frio pedia uma bebida quente e um bolo para confortar o estômago. O Gunnukaffi, que fica quase ao lado da livraria, tem um exterior pouco apelativo mas uma atmosfera interior completamente diferente. É amplo, decorado com algum gosto, as empregadas são simpáticas e as bolachas grandes e deliciosas. Num sofá perto da nossa mesa, um cliente tinha-se instalado a trabalhar no seu portátil, manta nas pernas e gorro de lã com “orelhas” na cabeça, apesar do ambiente confortavelmente aquecido.

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Ísafjörður é a maior cidade dos Westfjords e fica a apenas vinte minutos de Flateyri, muito graças ao túnel Vestfjarðagöng, o maior da região, que neste percurso fura pelas montanhas ao longo de cinco quilómetros e nos poupa a uma penosa viagem pelo sinuoso desfiladeiro de Breiðadalsheiði. É verdade que nos túneis não há nada para ver – a monotonia consegue ser maior que a das auto-estradas – mas são uma benesse quando queremos chegar mais depressa ao nosso destino, sobretudo quando o tempo já começa a escassear e ainda temos bastantes quilómetros para percorrer até ao fim do dia.

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Espalhando-se na margem de um fiorde muito abrigado e sobre uma península de areia que quase o encerra, Ísafjörður foi uma visão de beleza quando saímos do desfiladeiro. A água cor de chumbo era um espelho perfeito, sem uma única ruga, onde os edifícios e as embarcações se reflectiam fielmente; e uma neblina baixa suavizava a rudeza das montanhas e dava à paisagem um aspecto etéreo, irreal. Parecia-me que a qualquer momento se iria dissolver no ar.

189 Diário Islândia - Westfjords

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Lamentavelmente, este efeito encantatório desapareceu quando entrámos na cidade, que é tão insípida quanto a maior parte das povoações islandesas. Casas de chapa ondulada, alguns prédios baixos com linhas elementares e cores neutras, construções com ar de pré-fabricados junto ao porto… em suma, nada de particularmente interessante. Aproveitámos para meter gasolina e fazer umas boas compras no supermercado, e depois encetámos o caminho de regresso a Tálknafjörđur, praticamente pelas mesmas estradas por onde tínhamos andado durante todo o dia.

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A distância de 160 km demorou mais de duas horas a percorrer, sem paragens. Viajar nos Westfjords é lento e sem dúvida cansativo, sobretudo para quem conduz, muito por conta dos troços de estrada sem asfalto, íngremes e tortuosos. Mas a nossa viagem à Islândia não teria sido a mesma se tivéssemos ignorado esta região, que é bastante diferente do resto do país. Com 16 milhões de anos, é a parte mais antiga da Islândia, por isso não tem vulcões activos nem campos de lava. Forma uma península muito separada do resto da ilha, com um interior muito montanhoso e uma costa totalmente constituída por fiordes profundos – embora haja fiordes noutras regiões da Islândia, em nenhum lado se comparam a estes. Tem praias de areia branca, que não encontramos no resto do país. É o extremo da ilha mais perto da Gronelândia e com as condições climáticas mais extremas, a região onde cai mais neve, onde os Invernos são ainda mais duros. As estradas ficam frequentemente tapadas e as avalanches são uma ameaça constante. A pouca luz do sol que recebem durante grande parte do ano é em certos sítios bloqueada pelas montanhas. Em contrapartida, não há falta de auroras boreais, e a rara presença humana torna a região muito apetecível para a vida selvagem.

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193 Diário Islândia - Westfjords

Em nenhum outro sítio senti tanto o isolamento das pessoas que ali vivem, a beleza dura dos elementos da natureza, a desolação mitigada pela paz que aquela atmosfera nos transmite. Os Westfjords são um mundo à parte.

 

←Dia 3 da viagem: Primeiro dia nos Westfjords

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O roteiro e várias informações práticas sobre a Islândia estão aqui: Coleccionar paisagens surreais na Islândia

 

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Diário de uma viagem à Islândia - Segundo dia nos Westfjords

Sex | 06.11.20

O sabor do Gerês em Montalegre

 

Em Montalegre, encontramos um outro Gerês. Mais agreste, dominado pelo granito que cobre a serra e está omnipresente na paisagem. Mais selvagem, onde os lobos e os garranos correm livres, as vacas pastam à vontade, e existem aves que não se vêem no resto do país. Mais tradicional, com práticas ligadas à agricultura e à criação de gado que se mantêm quase inalteradas desde tempos de que já não há memória – um Gerês umbilicalmente ligado à terra, onde os animais são mais do que as pessoas.

1 Montalegre

 

Entramos neste Gerês por Fafião, que se orgulha de ser aldeia de lobos. É uma representação deste animal uivando à lua, em metal sobre pedra, que nos saúda na estrada um pouco antes de chegarmos. Depois vamos ao encontro do Fojo dos Lobos e dos grandes afloramentos graníticos que se destacam nas encostas da serrania, entre os pinheiros e as oliveiras. Fojos são antigas armadilhas de granito para os lobos, que hoje são espécie protegida mas foram durante anos alvo de perseguição pelas populações serranas. O Fojo dos Lobos de Fafião é o maior e um dos mais bem preservados da Península Ibérica, e crê-se que data do séc. XVIII. É uma estrutura em granito cujas paredes, com um pouco mais de 2 metros de altura e 64 de comprimento, convergem para uma cova de planta circular. Os caçadores perseguiam o lobo de modo a que o animal se dirigisse para a cova, onde caía e de onde não tinha forma de fugir, acabando por ser abatido. Os tempos mudam, e este e outros fojos da região cumprem agora apenas uma função histórica e educativa, alertando para a necessidade que existe de preservar esta espécie em risco de desaparecimento, e para a importância de manter o equilíbrio endémico natural.

2 Fafião

3 Fojo dos Lobos de Fafião

Na recente visita que fiz ao Gerês, este foi o local escolhido para nos oferecerem um fantástico lanche ao ar livre onde não faltou nenhum dos petiscos típicos da região, tudo acompanhado de bom pão e bom vinho. Uma das mais-valias gastronómicas da região barrosã, onde Montalegre está inserida, são os seus produtos de fumeiro, com especial destaque para o presunto (que por estes lados é deliciosamente pouco curado), a típica alheira (que além da carne de porco leva também carnes de aves e de coelho), e o original chouriço de abóbora, em que a carne e as gorduras são misturadas com abóbora porqueira, a variedade local.

4 Fafião

5 Fafião

 

Do Fojo do Lobo sobe-se, por um trilho pedestre, até ao relativamente recente e espectacular Miradouro de Fafião. É também possível chegar lá de carro, em estrada de terra batida, mas o percurso a pé tem outro encanto e, apesar de íngreme, não é difícil. Tem ainda a vantagem de ajudar a fazer a digestão, e de caminho podemos verificar se não andamos a comer demasiado passando (ou tentando passar) pela Frincha dos Magros, uma abertura estreita entre dois penedos onde só cabe quem for “elegante”. O Miradouro de Fafião é um magnífico projecto que nos oferece vistas impressionantes sobre o Gerês na região de Cabril. Situado sobre um enorme bloco de granito, está ligado a outro rochedo por uma engenhosa e robusta ponte de ferro, e é um daqueles locais de visita obrigatória – para os valentes que não têm vertigens.

6 Fafião

7 Miradouro de Fafião

Apesar de pequena, a aldeia de Fafião é dinâmica e tem muitas iniciativas, desde a Festa do Porco e do Fumeiro, em Janeiro, até ao Festival Aldeia de Lobos em Junho e as Festas em honra de S. Tiago, que se realizam em Julho. O motor principal destas e outras iniciativas é a Associação Vezeira, cujo objectivo principal é a preservação dos costumes e tradições comunitários da aldeia, integrando-os em projectos de desenvolvimento que apontam para o futuro. É também esta Associação que dinamiza o pólo do Ecomuseu do Barroso – Vezeira e a Serra, inaugurado em 2015.

 

Para dormir em Fafião podemos contar desde Julho deste ano com o Hostel Retiro do Gerês, um espaço simples, moderno e bem decorado, com um ambiente muito acolhedor. O Retiro do Gerês foi projectado para se harmonizar com a aldeia e o ambiente onde está inserido, numa perspectiva de sustentabilidade. Os elementos decorativos são naturais e está dotado de painéis solares. Além dos quartos e dormitórios, tem uma pequena mercearia com produtos locais, uma taberna onde são servidos petiscos e bebidas, e um restaurante com um menu à base de pratos tradicionais do Barroso, para os quais propõem uma adequada selecção de vinhos. Tudo excelente, a somar à simpatia de quem lá trabalha.

8 Hostel Retiro do Gerês

9 Hostel Retiro do Gerês

10 Hostel Retiro do Gerês

 

Além da pedra, a água é outro elemento de que nunca há falta no Gerês, mesmo nas épocas em que a chuva anda mais escassa. O Cávado é o limite natural de grande parte do Parque nesta região, e o seu longo e vigoroso curso está represado por várias barragens, das quais a menos visitada é a da Paradela – talvez por estar mais longe, já praticamente inserida no maciço rochoso da serra, em zona agreste, pouco povoada e de acesso sinuoso. É na orla do planalto da Mourela, a mais de 800 metros de altitude e sobranceira à margem oeste desta barragem, que encontramos a aldeia de Outeiro. As casas de pedra onde vivem os seus cerca de 150 habitantes distribuem-se desafogadamente por um sobe-e-desce de ruas estreitas e estão na sua maioria bem cuidadas. Algumas têm ar de serem recentes, ou pelo menos de terem sido alvo de obras que lhes deram um aspecto mais moderno, mais “composto”, sem aquela organização irregular das pedras que se nota nas que são visivelmente mais antigas. A aldeia está rodeada de campos de cultivo e de pasto, uma espécie de anfiteatro verde que amplia o som metálico dos chocalhos dos animais. Sardinheiras de cor fúcsia espreitam entre os ferros das varandas e espalham-se pelos degraus das escadas, notas vivas de cor às quais se juntam pneus com pinturas garridas pendurados ao lado das portas. E há espigueiros, quase todos de ar vetusto, um deles o mais invulgar e bonito que vi até hoje, adornado com gravações em relevo no granito manchado por musgos e líquenes.

16 Outeiro

15 Outeiro

17 Outeiro

Como é usual no nosso país, localização remota não significa falta de lugar onde comer ou dormir bem, e a aldeia de Outeiro não é excepção. Também de abertura recente, o Albelo do Gerês é ao mesmo tempo restaurante e alojamento local, e tem como característica particular a fantástica vista que nos oferece sobre a albufeira da Paradela. Os sete quartos duplos que disponibilizam aos hóspedes são simples e luminosos. E quanto à comida, a dificuldade é escolher, porque é tudo bom. Aqui é obrigatório provar o chouriço de abóbora de que já vos falei, e também os redenhos – que descobri serem os torresmos de saudosa memória que a minha mãe costumava preparar de vez em quando. Depois podemos escolher entre os habituais cabrito ou cozido, o frango na púcara, o pernil assado com castanhas, o polvo à lagareiro ou o bacalhau, e como sobremesa as tradicionais rabanadas, o leite-creme, o pudim de ovos, ou um semifrio de limão ou de morango. Tudo de preferência regado com bom vinho, melhor ainda se for um Mont’Alegre, uma marca de vinhos de montanha produzidos em altitudes acima dos 650 metros e envelhecidos nesta região.

21  Albelo do Gerês

 

Na parte mais oriental da Serra do Gerês, a cerca de 1200 metros de altitude, estende-se o Planalto da Mourela. Nesta área rica em diversidade faunística e florística, e cuja suavidade contrasta fortemente com a rudeza dos píncaros rochosos da serra, a paisagem natural alterna de forma harmoniosa com a que já foi modificada pelo homem, e que se agrega em volta das poucas aldeias ali existentes. Um projecto que tem como finalidade a “Gestão Sustentável dos Matos/Urzais do Planalto da Mourela”, por via da divulgação e preservação das práticas agrícolas e de criação de gado tradicionais, foi implementado em 2009 e continua a ser desenvolvido com sucesso – os incêndios florestais na área diminuíram em 80%, e o projecto recebeu em 2016 o prémio da União Europeia para o Património Cultural / Europa Nostra. Na sua vertente de apoio ao turismo na região, este projecto definiu cinco trilhos de caminhada, diversificados e com níveis graduais de dificuldade (um deles pode mesmo ser percorrido por pessoas com mobilidade condicionada), e foi instalado numa antiga Casa de Serviços Florestais um Centro de Interpretação do Planalto da Mourela, onde nos são dados a conhecer os aspectos mais marcantes do meio ambiente e da vida na região.

23 Planalto da Mourela

24 Planalto da Mourela

25 Centro de Interpretação Planalto da Mourela


Este Centro de Interpretação fica pouco antes de entrarmos em Pitões das Júnias, e depois da visita partimos à descoberta daquela que é uma das minhas aldeias preferidas. Percorremos com calma as ruas calcetadas, atentando nas casas recuperadas, muitas delas com a sua horta ao lado, e nos detalhes que captam a atenção. Cruzamo-nos na estrada com as vacas que regressam do pasto – sozinhas, que não precisam de quem as guie no caminho já tantas vezes percorrido. Depois entramos na Taberna Terra Celta, em frente à casa onde se aloja a Junta de Freguesia (cuja presidente tem uma simpatia e um conhecimento sobre o local verdadeiramente admiráveis), e somos acolhidos pelos sorrisos da Margarida e do marido, e pela decoração ecléctica, divertida e cheia de pormenores originais da Taberna. Neste ambiente folclórico e ao mesmo tempo intimista apetece ficar durante muito tempo, a petiscar ou simplesmente a tomar uma bebida.

 

32 Pitões das Júnias

33 Taberna Celta

A caminho das atracções maiores de Pitões das Júnias, paramos ao pé do cemitério e da sua capela para termos uma perspectiva mais abrangente de toda a aldeia. Os picos cinzentos da serrania compõem um cenário dramático, à frente do qual se destaca o vermelho-queimado dos telhados, entremeado com as cores anémicas da pedra de que é feito o casario. Não há como não ficar encantada com este lugar…

38 Pitões das Júnias

Descemos finalmente até ao local mais mágico de toda esta região: o Mosteiro de Santa Maria das Júnias. Os carros só conseguem cobrir uma pequena parte do caminho, o resto faz-se a pé – e ainda bem, porque o silêncio é um dos grandes atributos deste lugar tão especial, tão em comunhão com a natureza. Quando chegamos ao Mosteiro, a sensação é de que recuámos séculos no tempo. Esta é uma das construções religiosas mais cativantes do nosso país, em grande parte pela sua localização, no fundo de um vale escondido e verdejante onde nem sequer falta um carvalho-roble milenar. O facto de ter uma área considerável em ruínas em nada diminui o seu charme – aliás, o efeito acaba por ser o inverso. Embora as suas origens sejam algo nebulosas, terá sido construído na primeira metade do século XII, ainda antes da fundação do nosso país. Mosteiro pobre, dedicado a Santa Maria e inicialmente beneditino, passou mais tarde a integrar a Ordem de Cister. A igreja é o único edifício que ainda se encontra totalmente de pé. Tem pórticos laterais românicos encimados por cruzes de Malta vazadas, mas na torre da fachada há elementos setecentistas. Dos claustros restam três arcadas, e nas ruínas mantém-se altaneiramente erguida a grande chaminé piramidal do que foi em tempos a cozinha, onde ainda se consegue perceber o sistema de condutas por onde era canalizada a água recolhida do exterior.

39 Carvalho-roble Santa Maria das Júnias

40 Santa Maria das Júnias

Nas traseiras do edifício corre o ribeiro de Campesinho, que atravessamos sobre uma curta ponte de madeira. Passamos ao lado de um moinho de raiz medieval e subimos por um carreiro entre a erva alta. Daqui avista-se o exterior da capela-mor da igreja, meio escondida pelas árvores, a sua janela gótica a contrastar com o verde dominante. Lá em baixo o ribeiro corre sossegado, embora audível. O lugar é idílico, transmite paz e apela à contemplação. Há atmosferas que é difícil descrever em palavras, é preciso ir lá, estar lá, senti-las… Não é só pela beleza que possuem, o efeito vai muito para lá disso. Este é um local que me afecta profundamente, e percebo sem esforço a razão pela qual uma dúzia de monges, há tantos séculos, escolheram viver aqui.

47 Santa Maria das Júnias

48 Santa Maria das Júnias

49 Santa Maria das Júnias

50 Santa Maria das Júnias

 

O regresso do Mosteiro é menos pacífico do que a ida, uma vez que é sempre a subir, por isso faz-se com calma. Mas o passeio ainda está longe de terminar. Há que descer novamente, agora por uma longa escadaria de madeira, até à cascata, que fica num local magnífico: o carvalhal do Beredo, um dos bosques autóctones mais antigos e bem preservados do país. No passado, a ligação entre as freguesias do concelho fazia-se por um trilho que atravessa este carvalhal, e que agora é percorrido pelos amantes da natureza e de caminhadas. O carvalho-negral é a espécie mais comum nesta jóia arborícola portuguesa, mas também por aqui há olmos, castanheiros, áceres e freixos, aveleiras e abrunheiros, e sanguinhos que atingem alturas excepcionais. Neste habitat de importância ecológica incomensurável a fauna é igualmente variada, e não é de estranhar que se encontrem com frequência dejectos que fazem prova da passagem de algum lobo, facilmente identificáveis por terem pêlos, pois são o único animal que ingere também a pele das suas vítimas.

51 escadas cascata Pitões das Júnias

52 Carvalhal de Beredo

53 Carvalhal de Beredo

54 dejectos de lobo

A água da cascata de Pitões das Júnias é a do ribeiro de Campesinho, o mesmo que passa por trás do Mosteiro, e que a dada altura cai abruptamente entre rochedos verticais, precipitando-se numa pequena lagoa 30 metros mais abaixo. O Campesinho vai depois desaguar na Ribeira do Beredo, em cujo vale se estende o admirável carvalhal de que falei acima e de que magnitude é bem visível a partir do miradouro da cascata. Por coincidência, em nenhuma das várias vezes que aqui estive tive a sorte de ver esta cascata com muita água, provavelmente porque as minhas visitas nunca coincidiram com épocas de chuva ou de degelo. Se eu precisasse de motivos para regressar a esta terra, este seria apenas mais um.

55 cascata Pitões das Júnias

Não se ficam por aqui os encantos da região de Montalegre, que extravasam em muito a área ocupada pelo Parque. Fica a promessa de aqui revelar mais alguns um dia destes.

 

Leiam também: O sabor do Gerês em Terras de Bouro

 

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Esta recente visita ao Gerês foi feita no âmbito das Jornadas Gastronómicas Gerês-Xurês a convite do Turismo do Porto e Norte de Portugal, ao qual agradeço, e por intermédio da Associação de Bloggers de Viagem Portugueses.

 

Outras informações:

Ecomuseu do Barroso – Vezeira e a Serra

Rua da Sarramada, n.º8, 5470-017 Fafião, Portugal

+351 276 009 140

associacaovezeira@gmail.com

www.ecomuseu.org

 

Hostel Retiro do Gerês

Largo da Sobreira do Chão, nº 1, 5470-017 Fafião, Portugal

+351 966 406 084 ou +351 253 013 821

geral@retirodogeres.pt

https://retirodogeres.pt/

 

Associação dos Produtores de Fumeiro da Terra Fria Barrosã

Posto de Turismo, Praça do Município, 5470-214 Montalegre, Portugal

+351 966 960 887 ou +351 276 510 200

fumeirobarroso@gmail.com

www.fumeirodemontalegre.pt

 

Fumeiro Rosa Moura

Medeiros, 5470 Montalegre, Portugal

+351 276 547 196

 

Germano Surreira (produtor de fumeiro artesanal)

Montalegre, Portugal

+351 914 231 660

germanosurreira@gmail.com

https://www.facebook.com/surreira.germanojose

 

Casa Albelo do Gerês

Rua das Lajes, 17, 5470-332 Outeiro, Portugal

+351 939 665 753 ou +351 933 189 409

casaalbelodogeres@gmail.com

https://www.facebook.com/casaalbelodogeres/

https://www.instagram.com/casaalbelodogeres/

 

FG Wines (Mont’Alegre Vinhos)

Rua Vítor Branco, Mercado Municipal, Loja 3, 5470-245 Montalegre, Portugal

+351 938 231 101

franciscogoncalves@fgwines.pt

https://www.fgwines.pt/

 

Centro de Interpretação Planalto da Mourela

Pitões das Júnias, Portugal

cipmourela@gmail.com

Facebook: Centro de Interpretação Planalto da Mourela

 

Ecomuseu de Barroso - Corte do Boi

Rua do Forno, 5470-370 Pitões das Júnias, Portugal

+351 929 137 014

ecomuseupitoes@gmail.com

www.ecomuseu.org

 

Taberna Terra Celta

  1. dos Caldeireiros 2, 5470-370 Pitões das Júnias, Portugal

+351 929 137 014

tabernaterraceltapitoes@gmail.pt

Facebook: Taberna Terra Celta

 

Casa Santa Catarina

Rua da Mijareta, n.º 906, 5470-226 Montalegre, Portugal

+351 964 303 379

santacatarina906@gmail.com

Facebook: Casa de Santa Catarina

 

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O sabor do Gerês em Montalegre