O meu local favorito em Aveiro
Voltei a Aveiro no início deste mês – e pela terceira vez este ano. No post que publiquei há tempos sobre Aveiro afirmei que todos os pretextos servem para regressar a esta cidade de que tanto gosto, e agora a razão foi o National Geographic Exodus Aveiro Fest. Uma estreia para mim (apesar de já ser a terceira edição), uma experiência estimulante e inspiradora, oradores com grandes exemplos de vida e histórias motivadoras mesmo para quem como eu não se dedica à fotografia. Profissionais de excepção com objectivos vários, fazem do seu trabalho uma missão e marcam a diferença, despertando a nossa consciência quer porque nos mostram a beleza do mundo, quer porque chamam a atenção para a sua miséria e tristeza. Viajam e fotografam ou filmam, por vezes também escrevem, e é no seu desejo de inspirarem os outros a saírem da sua zona de conforto e conhecerem o mundo que me identifico com eles – as suas palavras calaram fundo em mim. O que fazem chega a milhões de pessoas, enquanto o que eu escrevo chega a apenas uns quantos milhares, mas a motivação é a mesma.
Na manhã de domingo tinha planeado ir dar uma volta alargada pela cidade, mas a chuva e o vento desagradável que marcaram o início do primeiro dia de Dezembro mantiveram-me no conforto do quarto do hotel até o tempo melhorar um pouco. O passeio teve por isso de ser abreviado e optei por ir àquele que continua a ser o meu lugar preferido em Aveiro: o Parque Infante Dom Pedro.
Aveiro tem imensos motivos de interesse, mas mesmo assim é estranho este local ser tão pouco divulgado – ele é, quanto a mim, um dos parques mais bonitos do nosso país (e acreditem que conheço bastantes). A sua história está ligada à do Convento de Santo António, fundado no séc. XVI e de cujo edifício original hoje apenas subsiste a fachada da igreja, que encontramos junto à entrada superior do parque, ladeada por outros anexos conventuais que foram acrescentados entretanto. Com a extinção das ordens religiosas em Portugal em 1834, consequência da corrente liberalista então vigente no país, os terrenos da “cerca” (terrenos cultivados pelos monges) deste convento franciscano acabaram na posse da Câmara de Aveiro e em 1861 começaram as obras destinadas a transformar o Campo de Santo António num jardim público. O jardim, a que também chamaram Passeio Público, é hoje a parte superior do parque, onde existe um coreto Arte Nova, um torreão que já foi depósito de água e central de transformação eléctrica, e uma maravilhosa e extensa pérgula com buganvílias por onde passamos para aceder à escadaria que faz a ligação à zona mais baixa do parque.
Este nível inferior, que só ficou concluído no Verão de 1927, estende-se por uma ampla área que era na altura atravessada por um ribeiro insalubre. O ribeiro e os terrenos pantanosos que o rodeavam foram transformados num lago, em redor do qual foram depois plantadas inúmeras árvores oriundas de todo o globo, com predominância de espécies exóticas: há magnólias e sequóias da América do Norte, jacarandás do Brasil, Gingko biloba, cameleiras e bambus da China e do Japão, araucárias e acácias da Austrália, árvores-dos-espinhos da América do Sul, cedros das montanhas do Atlas, palmeiras das Canárias, a par com os mais familiares castanheiros, bétulas, faias e pinheiros – e estas são apenas algumas das dezenas de espécies diferentes que ali se encontram. No lado oeste do parque estende-se uma ampla e comprida avenida ao longo da qual se alinham diversas tílias.
O amarelo é uma das cores dominantes neste parque – talvez por inspiração da cor dos deliciosos ovos-moles típicos de Aveiro, mas numa tonalidade menos agressiva. É amarelo o torreão que agora é um mirante, amarelas são a pérgula e as colunas que ornamentam a escadaria dupla, em cujo vão se esconde uma gruta artificial com uma fonte, e amarelo é o belo edifício a que deram o nome de Casa de Chá e se ergue, entre palmeiras, junto à curva do lago e a uma das pontes que o cruzam. Esta é em cimento armado quase branco, mais à frente existe uma outra de madeira pintada. Por entre as árvores cruzam-se outras pontes, rústicas e mais pequenas, há bancos curvos ornamentados com azulejos e outros mais prosaicos, fontanários e pedras musgosas de onde escorre água, recantos abrigados de olhares indiscretos e sítios com mesas para merendar. E no lago há corvos-marinhos e patos vários para os quais foi construída, sobre pilares cilíndricos de cimento que se erguem acima da água, uma casa hexagonal que pintaram – obviamente! – de amarelo.
No extremo norte da Avenida das Tílias, uma ponte pedonal metálica passa sobre a avenida Artur Ravara para ligar o Parque Infante Dom Pedro ao Parque de Santo António. Mas não é uma ponte pedonal vulgar. Toda construída em grelha metálica, cinzenta no piso e em tom de ferrugem nas guardas laterais, o seu traçado sinuoso e irregular rodeia algumas das árvores da avenida e leva-nos a ascender lentamente desde o nível do solo até uns bons metros acima dele e funciona ao mesmo tempo como miradouro privilegiado de uma parte do parque e da sua envolvente. A grelha do piso não é uniforme e mais parece uma manta de retalhos, cada pedaço de metal trabalhado colocado com uma orientação diferente, e o resultado final dá ainda mais movimento à construção, impedindo a monotonia. É uma obra que gerou polémica e até hoje permanece sem nome oficial.
Com o tempo a aguentar-se milagrosamente sem chuva, apesar de fresquinho, este meu passeio pelo parque acabou por demorar mais de uma hora, e por ali teria continuado não fosse a minha vontade de ir assistir às palestras dos fotógrafos previstas para aquele segundo dia do Exodus Aveiro Fest. Cada vez gosto mais de viajar devagar, ter tempo para apreciar cada lugar ao meu ritmo, com calma, sem estar constantemente a controlar as horas. Nem sempre é possível, há tanto para ver e os dias passam a voar… Mas é possível pelo menos tentar encontrar um equilíbrio entre a vontade de conhecer tudo e a de usufruir calmamente de cada experiência – para a viver em pleno e com os sentidos bem despertos.
Nota: Podem encontrar aqui informações completas sobre o Parque Infante Dom Pedro.
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