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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Qui | 28.03.19

Jerte, o vale das cerejeiras em flor

 

A Primavera chegou e há que celebrá-la condignamente. A minha sugestão? Ir ver as cerejeiras em flor no Vale do Jerte. Estive lá neste fim-de-semana e vou contar-vos tudo. Mas apressem-se, porque a floração das cerejeiras dura pouco tempo.

Cerejeira em flor, Valle del Jerte, Espanha (1)

 

As cerejeiras são árvores muito especiais, que precisam de frio constante durante períodos longos (800 a 1000 horas) para desenvolverem os seus frutos de maneira satisfatória. Esta particularidade faz com que o seu cultivo em grande escala apenas seja possível em zonas muito circunscritas, como é por exemplo o caso do Fundão, no nosso país, e do Vale do Jerte, na Extremadura espanhola. Nesta região de apenas 373 km2 existem actualmente mais de milhão e meio de cerejeiras (os nossos vizinhos não brincam e fazem tudo em grande), razão pela qual muita da cereja que comemos em Portugal vem de lá. Têm inclusivamente um tipo específico de cereja – a picota – que apenas é cultivado no Vale do Jerte e na vizinha zona de la Vera.

Valle del Jerte (2)

Valle del Jerte (10)

Valle del Jerte (1)

A floração das cerejeiras tem lugar na Primavera, durante um período curto e variável habitualmente entre meados de Março e inícios de Abril, consoante o Inverno tenha sido mais ou menos rigoroso. Dura apenas cerca de umas duas semanas, e no Vale do Jerte ocorre progressivamente das zonas mais baixas para as mais altas. Para celebrar a ocasião organiza-se desde os anos setenta a Fiesta del Cerezo en Flor, uma celebração popular que em 2010 passou a ser considerada Festa de Interesse Turístico Nacional. Os eventos culturais e gastronómicos distribuem-se pelas várias localidades do vale e dividem-se em três fases, coincidentes com as fases da própria floração: despertar do vale (que este ano se organiza de 16 a 28 de Março), cerejeiras em flor (de 29 de Março a 3 de Abril), e chuva de pétalas (de 8 de Abril a 3 de Maio).

Cerejeira em flor, Valle del Jerte, Espanha (5)

Cerejeira em flor, Valle del Jerte, Espanha (4)

 

Cerejeira em flor, Valle del Jerte, Espanha (3)

Valle del Jerte (7)

Valle del Jerte (8)

São dois os percursos aconselhados para percorrer o vale e as povoações circundantes, de modo a podermos observar a floração das cerejeiras em vários ambientes diferentes e conhecer os pueblos da região, cada um com as suas particularidades. A rota linear vai de Navaconcejo a Puerto de Tornavacas pela estrada que se estende ao longo do vale (cerca de 30 km), passando por Cabezuela del Valle, Jerte e Tornavacas. A rota circular pela serra leva-nos às aldeias de Valdastillas, Piornal, Barrado, Cabrero, Casas del Castañar, El Torno e Rebollar, num percurso de cerca de 50 km. O ideal é percorrer as duas rotas, pois cada uma oferece perspectivas bem diferentes do vale e da floração.

Valle del Jerte (9)

Valle del Jerte (6)

 

Mas há bastante mais para ver no Vale do Jerte além das cerejeiras, e deixo-vos aqui algumas sugestões.

 

 

Mirador de la Memoria (El Torno)

Mirador da Memória, El Torno, Espanha (1)

Mirador da Memória, El Torno, Espanha (4)Mirador da Memória, El Torno, Espanha (5)

Mirador da Memória, El Torno, Espanha (3)Mirador da Memória, El Torno, Espanha (2)Mirador da Memória, El Torno, Espanha (6)

A melhor maneira de começar o passeio é, quanto a mim, por este miradouro. Na estrada CCV-51, um pouco antes de chegar a El Torno, foi instalada em 2009 uma obra escultórica de Francisco Cedenilla dedicada aos esquecidos da Guerra Civil de Espanha e do período da ditadura. São quatro figuras humanas, em tamanho natural e colocadas sobre pedras de granito, que nos surpreendem depois de uma curva no caminho. Se repararmos bem, algumas mostram impactos de balas – parece que uns dias depois da inauguração alguém resolveu dar um toque de realidade ao conjunto e decidiu usá-las para tiro ao alvo, e o escultor achou por bem deixá-las assim como forma de melhor exprimir a ideia da sua obra.

 

A vista que daqui se tem sobre grande parte do vale é verdadeiramente soberba, e essa é a razão principal para eu sugerir que comecem o percurso por aqui.

 

 

Rebollar

Rebollar (2)

Rebollar (4)Rebollar (3)

Rebollar (5)Rebollar (1)

É o pueblo mais pequeno da região e à primeira vista parece não ter nada de muito especial. Há que entrar na rua secundária que passa pela igreja e procurar a labiríntica Calle El Canchal onde existem, meio escondidas, casas muito antigas, construídas sobre grandes pedras de granito. Algumas são feitas de adobe e têm as estruturas de madeira à vista, segundo a arquitectura tradicional da região.

 

 

Navaconcejo

Navaconcejo (1)Navaconcejo (2)Navaconcejo (3)Navaconcejo (4)

Atravessada pela estrada N-110, é a maior localidade do vale, e o que ganhou em tamanho perdeu em graça – em grande parte também pelo constante fluxo de trânsito que passa na estrada. Mas é aqui que vemos o rio Jerte mais de perto, e vale a pena percorrer a zona “balnear” de El Cristo e eventualmente parar numa das esplanadas para comer ou tomar uma bebida.

 

 

Los Pilones

Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (3)

Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (2)

Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (1)

Los Pilones, Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (1)

Los Pilones, Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (2)

Los Pilones, Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (6)

Los Pilones, Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (3)

Los Pilones, Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (4)

Los Pilones, Garganta de los Infiernos, Valle del Jerte (5)

Dois quilómetros depois de Cabezuela del Valle (para quem vem de Navaconcejo), uma estrada à direita leva-nos até ao Centro de Interpretação da Reserva Natural da Garganta de los Infiernos. Daí é possível percorrer, pelo trilho pedestre ou pela estrada florestal, os cerca de três quilómetros que distam do local que é conhecido por Los Pilones e considerado como uma das zonas de praia fluvial natural mais bonitas de Espanha. Aqui a força da água escavou no granito várias bacias, ou “marmitas de gigante”, formações caprichosas de cor quase branca distribuídas por vários níveis acompanhando a inclinação da encosta, que a água vai enchendo conforme passa. Na vossa visita ao Vale do Jerte é obrigatório reservarem umas horinhas para conhecerem esta maravilha da natureza.

 

 

Tornavacas

Tornavacas (1)Tornavacas (2)Tornavacas (3)Tornavacas (4)Tornavacas (5)Tornavacas (7)Tornavacas (6)

 

Tornavacas (8)

Neste pueblo pequeno e imbricado nasce o rio que dá nome ao vale, aqui ainda apenas um ribeiro que desce em socalcos passando por baixo de pontes de pedra e entre filas de casas tradicionais, altas e profundas, com varandas só ligeiramente proeminentes, muitas delas com as estruturas de madeira à mostra. Várias casas, todas elas centenárias, ostentam sobre a porta o ano da sua (suposta) construção, e há flores coloridas em vasos ainda mais coloridos decorando os parapeitos das janelas.

 

 

Puerto de Tornavacas

Puerto de Tornavacas

Fica no extremo nordeste do vale e marca a fronteira entre as províncias de Cáceres e Ávila. Situado 1275 metros acima do nível do mar, é um miradouro privilegiado sobre o vale.

 

 

Valdastillas

Valdastillas (1)

Valdastillas (2)

A estrada que sobe desde a N-110 até este pueblo desdobra-se em curvas e contracurvas entre cerejais, e há muitas oportunidades para parar e passear entre as árvores, e também para observar o vale de mais uma perspectiva.

 

 

Cascada del Caozo

Cascada del Caozo (1)

Cascada del Caozo (2)

Cascada del Caozo (3)Cascada del Caozo (4)

A três quilómetros e meio de Valdastillas há mais um local imperdível. Basta seguir as tabuletas que indicam o caminho para a cascata, estacionar o carro na berma da estrada e depois subir pelo caminho de terra batida e pedras junto ao curso de água. De repente, ao contornarmos uma rocha, é a surpresa: do alto de 30 metros, as águas descem furiosamente por uma parede de granito abaixo, formando uma enorme e impressionante cascata – tão impressionante que me fez sentir absolutamente minúscula por comparação. Há uma ponte metálica que permite observá-la quase de frente, e ali acentua-se mais ainda o sentimento de pequenez.

 

Piornal

Piornal (1)

Piornal (2)Piornal (3)

Piornal (4)

Piornal (5)

Piornal (6)

Piornal (7)

Piornal (8)

Mais moderno e bem conservado do que a maioria dos outros pueblos do vale, tem duas particularidades que o distinguem: é a localidade mais alta da Extremadura (1175 metros) e algumas das casas que rodeiam a sua Plaza de España têm belos murais pintados nas fachadas.

 

 

Valle del Jerte (5)

 

 

Informações úteis

 

  • A flor das cerejeiras do Vale do Jerte é branca, por isso não esperem encontrar a paisagem pintada de rosa como é habitual ver nas fotografias da floração das cerejeiras no Japão. O efeito é muito menos impressionante, portanto há que não ter expectativas demasiado altas, para evitar decepções. Mesmo assim, vale muito a pena visitar a região nesta época.

 

  • Sendo obviamente uma altura de grande afluência turística, e apesar de haver muitas propostas de alojamento local, poderá não ser fácil encontrar onde pernoitar nas localidades do vale. Uma boa opção é dormir em Plasencia, que fica a poucos quilómetros e tem maior oferta. Além disso, apesar de Plasencia não ser particularmente bonita quando vista de fora, acaba por se revelar uma cidade simpática e bem arrumada, com um centro histórico bonito e interessante e, à boa maneira espanhola, muita animação ao cair da noite. Para fazer render o fim-de-semana, optámos por ir na sexta-feira à noite – são cerca de 390 km (tanto de Lisboa como do Porto), grande parte em via rápida. Tivemos por isso de escolher um hotel com recepção aberta 24 horas, uma vez que em Espanha é uma hora mais tarde e já iríamos chegar depois da meia-noite. Ficámos no Hotel Ciudad de Plasencia, um três estrelas com um preço razoável e pequeno-almoço incluído. O quarto era bastante bom, com uma grande casa-de-banho. A localização não é particularmente bonita (fica à entrada da cidade, em plena zona industrial) mas tem a vantagem de não haver problemas para estacionar. O pequeno-almoço é sofrível pelos nossos padrões (comparar a nossa comida com a espanhola acaba por ser injusto, porque eles ficam sempre a perder…), mas razoável pelos padrões de Espanha. A desvantagem maior acabou por ser a fraca insonorização dos quartos, que deixa passar todos os sons do corredor e dos quartos adjacentes – e já se sabe que os espanhóis são um bocadinho barulhentos…

 

  • A organização da Festa disponibiliza autocarros gratuitos que percorrem várias rotas ligando todos os pueblos do vale, pelo que é possível fazer a visita completa sem usar o carro. Nos dias 30 de Março e 6 de Abril estes autocarros serão totalmente gratuitos e não será necessário fazer reserva prévia. Podem encontrar os horários, bem como todo o extenso programa de festas, aqui.

 

  • Para quem quer visitar a Garganta de los Infiernos e vai de carro, existe um grande parque de estacionamento junto à N-110, bem como lugares na berma do caminho que se percorre até chegar ao Centro de Interpretação. No entanto, todo este estacionamento é pago entre as 9h e as 21h, e o valor é fixo independentemente da hora a que se chega: 5€. Claro que há sempre a hipótese de deixar o carro mais longe (em Cabezuela, por exemplo, se houver lugar), mas depois há que fazer esses quilómetros extra a pé.

 

  • O percurso até Los Pilones é praticamente todo a subir e demora cerca de 1 hora a ser percorrido. Nós subimos pelo trilho pedestre e descemos pela estrada florestal (que é ligeiramente mais extensa), mas na minha opinião será menos cansativo fazer o inverso.

 

 

Cerejeira em flor, Valle del Jerte, Espanha (2)

 

Links

http://www.turismovalledeljerte.com/cerezo-en-flor

https://primaveraycerezoenflor.blogspot.com/2017/02/primavera-y-cerezo-en-flor-2017-valle.html

http://primaveraycerezoenflor.blogspot.com/2014/03/recomendaciones-para-disfrutar-la.html

 

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O vale das cerejeiras em flor

Ter | 19.03.19

Dois dias em Bucareste - dia 2

 

Em Bucareste ainda se sentem as marcas de um prolongado período de regime político fechado – desorganização, edifícios degradados, um certo ambiente de desinteresse e “deixa andar” – mas já se notam muitos dos "vícios" de uma cidade europeia cosmopolita: grandes edifícios, grandes avenidas, muito trânsito, muito comércio, gente apressada… E tudo isto a par com um riquíssimo e variado património arquitectónico.

 

Bucareste - Palácio do Parlamento (1)

O segundo dia começa com a visita ao Palácio do Parlamento, ao qual também chamam “Casa Poporului” (Casa do Povo). As visitas são guiadas e demoram cerca de uma hora, e há sempre tanta gente, tantos grupos, que é preciso marcar com antecedência – e de preferência na véspera – para não se correr o risco de não visitar aquele que é o ex libris da cidade. Nós pedimos na recepção do hotel para nos fazerem a marcação pelo telefone, e até pudemos escolher a hora porque na altura ainda havia bastantes vagas. Importante: na altura de levantar os bilhetes é preciso apresentar o passaporte ou cartão do cidadão, como prova da nossa identidade. Também importante: a entrada dos visitantes fica no lado direito do edifício, e não é fácil dar com ela; é preciso andar um bom bocado a pé junto à vedação (porque o perímetro é mesmo muuuuito extenso) até lá chegar.

Bucareste - Palácio do Parlamento (2)

É um edifício colossal, e nunca um adjectivo foi tão apropriado como neste caso. À sua volta não há praticamente nada excepto verde, e não tendo termo de comparação, quando o vemos de longe não parece tão monumental quanto na realidade é. Mas os números dizem tudo: ocupa uma área de 64.800 metros quadrados; tem 84 metros de altura acima do solo… e 92 abaixo dele; são 12 pisos com 1.100 divisões (e não estamos a falar de divisões pequeninas…), mais 4 níveis e um bunker antinuclear no subsolo; na sua construção foram utilizadas – só para dar alguns exemplos – 3.500 toneladas de cristais, 1 milhão de metros cúbicos de mármore, 220.000 metros quadrados de carpetes, 900.000 metros cúbicos de madeiras, 3.500 metros quadrados de peles e 700.000 toneladas de aço e bronze; é o maior edifício parlamentar e o segundo maior edifício administrativo do mundo (o maior é o Pentágono); tem mais 2% de volume que a pirâmide de Quéops; e consome mais energia do que uma cidade com 250.000 habitantes. Impressionante, não é? Mas há mais…

Bucareste - Palácio do Parlamento (3)

A história deste Palácio tem sido atribulada. Começou a ser construído em 1983 quando os destinos da Roménia eram comandados pelos caprichos do ditador Nicolae Ceaușescu, e destinava-se a abrigar as instalações presidenciais, o Supremo Tribunal e o Comité Central do Partido Comunista Romeno. O processo de construção envolveu 700 especialistas em arquitectura e design, liderados por uma jovem arquitecta de 28 anos chamada Anca Petrescu, e nele trabalharam cerca de 20.000 operários em três turnos contínuos. Ainda hoje não se sabe exactamente quantas pessoas morreram em acidentes de trabalho durante a sua construção, mas sabe-se que foram muitas. Previa-se a sua conclusão em 1990, mas os trabalhos foram interrompidos após a revolução de 1989 – a vontade de terminar este projecto era pouca, pois o edifício era visto como o símbolo de um ditador que não tinha hesitado em fazer a população passar dificuldades enquanto dava largas à sua sede de grandeza e extravagância, no que era secundado pelas elites do regime. O Palácio acabou por só ser terminado em 2006, e o seu valor de construção estima-se em 6 mil milhões de euros. É também, obviamente, um dos edifícios com a manutenção mais cara do mundo.

Bucareste - Palácio do Parlamento (15)

Das 1.100 divisões do complexo, apenas pouco mais de 400 são actualmente usadas. É aqui que estão alojados a Câmara dos Deputados e o Senado, e uma das alas está ocupada pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea. Uma parte do Palácio é utilizada como Centro de Conferências – e esta é de facto a parte maioritariamente visitável do edifício. Todos os materiais usados na construção e embelezamento do Palácio são de origem romena, com excepção das portas da sala Nicolae Balcescu, que foram uma oferta do também ditador (do Zaire) Mobutu Sese Seko.

Bucareste - Palácio do Parlamento (10) Hall 3 de Setembro

No hall de entrada a que foi dado o nome de “3 de Setembro”, existe uma escadaria simétrica inspirada no Palácio de Inverno de São Petersburgo, inteiramente feita de mármore, e que foi refeita por três vezes (porque Ceaușescu não gostou das duas primeiras versões).

Bucareste - Palácio do Parlamento (16) Hall 3 de SetembroBucareste - Palácio do Parlamento (12) corredor

Bucareste - Palácio do Parlamento (13) corredor

 

A sala da União, sem dúvida uma das mais bonitas, tem um maravilhoso tecto/telhado de vidro, enquanto a sala da Câmara dos Direitos Humanos está decorada com painéis de carvalho e tem o segundo maior e mais pesado lustre do Palácio: pesa 2 toneladas, e para possibilitar a sua reparação foi construída uma câmara de acesso por cima do tecto da sala. Este é no entanto apenas um dos mais de 2.800 lustres que estão distribuídos pelo edifício. O maior pesa 5 toneladas e está na sala inicialmente destinada ao teatro, que agora é uma sala de conferências.

Bucareste - Palácio do Parlamento (8) Sala da União

 

Bucareste - Palácio do Parlamento (7) Sala da União

Bucareste - Palácio do Parlamento (9) sala dos Direitos Humanos

Bucareste - Palácio do Parlamento (11) sala de conferências (antigo teatro)

As visitas terminam sempre na sala Alexandru Ioan Cuza, que é uma das maiores salas do edifício (2.040 metros quadrados) e a que tem o tecto mais alto (20 metros). E é a última porque dá acesso à varanda principal do Palácio, de onde se pode observar toda a zona da cidade que foi propositadamente remodelada em simultâneo com a construção do Palácio. Era daqui que o ditador tencionava dirigir-se às multidões que viriam assistir aos seus discursos, mas quis o destino que nunca tivesse essa oportunidade. A primeira figura notável que a utilizou para aparecer em público foi… Michael Jackson.

Bucareste - Palácio do Parlamento (6) Sala Alexandru Ioan Cuza

 

Bucareste - Palácio do Parlamento (5) Sala Alexandru Ioan Cuza

 

Bucareste - Palácio do Parlamento (4) varanda

Bucareste - Avenida Unirii (1)

Em frente ao Palácio estende-se a Avenida Unirii – cujo nome anterior foi Avenida da Vitória Socialista. Em romeno, avenida diz-se “bulevardul”, palavra que evoca a francesa “boulevard”. Provavelmente, isto dever-se-á mais ao facto de serem ambas línguas latinas – a língua romena está gramaticalmente muito mais próxima do latim do que qualquer uma das outras – mas também é verdade que entre fins do séc. XIX e inícios do século passado a influência francesa era extremamente notória nesta capital: todos os romenos cultos falavam francês e a cultura de Bucareste estava de tal forma marcada pela francesa que a cidade era conhecida como “pequena Paris”. As provas dessa influência ainda são hoje bem visíveis na arquitectura e, obviamente, nas amplas avenidas da cidade. No entanto, a Avenida Unirii é uma herança bem mais recente, e embora a sua construção e os seus 3,5 km de comprimento tenham sido idealizados como contraponto aos Campos Elísios parisienses, ela deriva do mesmo espírito megalómano que deu origem ao Palácio que lhe é sobranceiro.

Bucareste - Avenida Unirii (2)

Bucareste - Avenida Unirii (3)

Para construir o Palácio e o conjunto desta avenida com os edifícios que a rodeiam (e que agora alojam vários Ministérios) foi causada uma alteração irreparável na paisagem da cidade, que afectou uma área de 60 hectares – um quarto da zona histórica – e obrigou ao despejo e realojamento sumário de cerca de 44.000 pessoas. Muitos edifícios importantes e até igrejas centenárias foram demolidos, e o desastre só foi ligeiramente mitigado porque Eugen Iordachescu, um engenheiro civil, concebeu um processo que permitiu deslocar oito igrejas para até 300 metros de distância do seu local original, ficando assim completamente escondidas por trás dos novos e mais altos edifícios. O maior bloco que teve de ser movido pesava 9.000 toneladas e fazia parte do complexo do Mosteiro de Antim, que data do séc. XVIII e inclui uma igreja belíssima.

Bucareste - Mânăstirea Antim (2)Bucareste - Mânăstirea Antim (1)

 

Para passar a tarde, nada melhor do que um passeio pelo Grădina Cișmigiu, outro dos lugares icónicos de Bucareste. O mais central dos jardins públicos de Bucareste – e também o mais apreciado pelos locais – é um amplo jardim romântico em estilo inglês com extensos relvados, inúmeras árvores (mais de 30.000), flores exóticas (trazidas dos jardins de Viena), fontes, monumentos e um lago onde é possível passear de barco quando o tempo está ameno e patinar no gelo durante o Inverno. Foi concebido inicialmente em 1845 por Carl Friedrich Meyer, um jovem arquitecto paisagista austríaco anteriormente responsável pelos Jardins Imperiais de Viena que conseguiu transformar um enorme terreno pantanoso num local aprazível e intemporal, um verdadeiro oásis no meio do calor de Verão e do trânsito das grandes avenidas de Bucareste. Abriu ao público em 1860 e mais tarde, em 1910, o também austríaco Friedrich Rebhun redesenhou-o com a forma com que se mantém até hoje. Os 17 hectares deste jardim estão divididos em várias áreas e nele encontramos de tudo um pouco: cafés e restaurantes com esplanadas, parques infantis, zonas temáticas – como o Jardim Romano, ou o Memorial dedicado às tropas francesas mortas na Roménia durante a 1ª Grande Guerra –, cascatas e belos recantos meio escondidos, uma área para os jogadores de xadrez, outra para passear cães, e até mesmo pavões.

Bucareste - Jardins Cismigiu (1)

 

Bucareste - Jardins Cismigiu (8)

 

Bucareste - Jardins Cismigiu (2)

 

Bucareste - Jardins Cismigiu (4)

 

Bucareste - Jardins Cismigiu (5)

 

Bucareste - Jardins Cismigiu (6)

O nome do jardim deriva da palavra turca “Ceşme”, que significa “fonte”, e Cișmigiu era o nome dado ao funcionário principal que cuidava das fontes públicas, e que construiu para si próprio uma casa perto deste jardim, onde se encontrava uma das fontes principais da cidade. O nome pegou, e mantém-se até aos nossos dias.

Bucareste - Jardins Cismigiu (7)

Se o tempo estiver bom, aceitem a minha sugestão: descansem as pernas dos muitos quilómetros percorridos nestes dois dias enquanto tomam uma bebida fresca na esplanada do “Terasa Gradina Cismigiu”, com vista sobre o lago. Pode haver outras maneiras de terminar bem uma visita a Bucareste, mas esta será certamente uma das mais relaxantes.

Bucareste - Terasa Gradina Cismigiu (2)

Bucareste - Terasa Gradina Cismigiu

 

 

Informações práticas

 

1 - Como ir do aeroporto para o centro de Bucareste:

 

Transportes públicos

 

Autocarro Expresso 780 – liga o aeroporto à estação de comboio Gara de Nord (onde há correspondência com as linhas M1 e M4) todos os dias entre as 5.15 e as 23.10.

Autocarro Expresso 783 – liga o aeroporto ao centro da cidade (Piata Unirii), de dia e de noite. Durante o dia parte a cada 15 ou 20 minutos, durante a noite apenas de 40 em 40 minutos.

- O percurso de qualquer um destes autocarros demora habitualmente 45-50 minutos (mais, se for hora de ponta).

- Os bilhetes são cartões magnéticos, e o mais habitualmente usado pelos turistas é um cartão azul com o nome de Multiplu. Actualmente, o cartão custa 1,6 lei e cada viagem tem o preço de 3,5 lei. Pode ser carregado com um mínimo de duas e um máximo de dez viagens; não é recarregável, mas pode ser usado por várias pessoas simultaneamente. Não é possível comprar bilhetes dentro do autocarro, pelo que há que comprar o cartão antecipadamente, na máquina automática ou na bilheteira que se encontra junto à paragem de autocarros.

- A paragem dos autocarros fica no piso térreo do aeroporto, junto à entrada das Chegadas Domésticas (para quem está nas Chegadas Internacionais é preciso descer, seguir os sinais que levam às Chegadas Domésticas e depois sair do edifício).

 

Táxi ou carro alugado

 

Uma viagem de táxi ou carro alugado do aeroporto para a cidade é rápida, confortável q.b., e não fica muito cara (35-45 lei, que correspondem a 8-10€, aos preços actuais), por isso torna-se uma opção menos cansativa do que o transporte público. Na altura em que estive em Bucareste havia alguns problemas com motoristas de táxi que se colocavam junto à porta das Chegadas tentando angariar clientes (por um preço bem mais elevado do que o normal) de forma muito insistente e até incomodativa, e que não tinham pejo em mentir (dizendo que o táxi que tínhamos pedido pelo sistema automático normal não ia chegar). Por sorte, tinha lido sobre o assunto e não me deixei “enredar” no esquema, pelo que acabou por correr tudo bem. De qualquer forma, parece que as autoridades resolveram o problema entretanto, pelo menos em parte, e tanto quanto sei actualemente isso já não sucede. De qualquer forma, não convém aceitar quaisquer ofertas de taxistas que se aproximem a oferecer os seus serviços ou queiram negociar as tarifas; se a viagem for num táxi amarelo, convém verificar que o condutor pôs o taxímetro a trabalhar antes de arrancar.

Os táxis são “chamados” através de umas máquinas amarelas colocadas nas Chegadas, perto da saída; a máquina emite um bilhete com os detalhes do táxi (tem um número que identifica o veículo), e que depois deverá ser entregue ao motorista. Passando as portas de saída, há que esperar no passeio do lado esquerdo, que é o lado de onde virá o táxi. Geralmente demoram poucos minutos a chegar. Nota importante: é preciso ter moeda local (lei) suficiente, pois não aceitam cartões nem euros.

Em alternativa, já é possível usar os serviços da Uber ou da Taxify, que geralmente recolhem os passageiros no estacionamento do primeiro piso, fora do edifício do terminal. Nestes casos geralmente será necessário pagar também o bilhete do estacionamento. Há ainda duas aplicações (para smartphone) através das quais é possível chamar um táxi local: Clever Taxi e Star Taxi. Nestes casos, tal como num táxi normal, será necessário indicar o destino directamente ao condutor e no final pagar em dinheiro.

Ainda outra alternativa pode ser o aluguer de um transfer em carro privado, num dos vários sites online onde é possível reservar este serviço com antecedência. Pode valer a pena fazer uma simulação e comparar o preço, embora habitualmente seja mais caro do que um táxi e só compense eventualmente se o grupo que viaja for grande e/ou tiver muita bagagem.

Se não tiver trocado euros por lei antes de viajar, evite as casas de câmbio do aeroporto, que oferecem taxas menos favoráveis do que é possível conseguir nas da cidade. Nas instalações do aeroporto há ATMs de bancos locais onde é possível levantar dinheiro. Se tiver mesmo de usar os serviços de uma casa de câmbio, troque apenas o mínimo indispensável para pagar o táxi e pouco mais.

 

2 - Transportes na cidade:

 

A rede de metro é razoável e não é cara, sendo por isso a melhor forma de deslocação quando as distâncias são maiores ou o cansaço já não permite andar a pé. Existem quatro linhas, e todas as estações de metro são subterrâneas e estão assinaladas no exterior por um quadrado branco com um M. O metro de bucareste funciona entre as 5h e as 23h. É possível comprar bilhetes com 2 viagens e com 10 viagens. Como é normal, há que validar o bilhete ao entrar na estação.

Os autocarros e eléctricos têm uma rede complicada e não são de fácil utilização para quem é estrangeiro e não conhece a língua romena. Além disso, o trânsito em Bucareste é algo caótico e lento, mais ainda nas horas de ponta, e os veículos demoram por vezes bastante a chegar, pelo que não são uma boa opção.

Tal como na viagem de e para o aeroporto, os táxis e carros alugados também são uma hipótese a considerar, sobretudo a horas mais tardias e para locais não servidos pela rede do metropolitano. Mais uma vez, o mais prático será fazer uso de uma aplicação no smartphone para chamar um veículo.

 

3 - Comer:

 

Como em qualquer grande cidade europeia, Bucareste tem comida para todos os gostos, desde fast food a restaurantes típicos ou gourmet. Também não faltam cafés e esplanadas, e de uma maneira geral os preços não são elevados – pelo menos em comparação com os nossos. Claro que quanto mais turístico o local escolhido, mais alta será a factura, que também neste aspecto Bucareste não destoa das outras capitais. A cozinha tradicional romena combina influências de todas as regiões que rodeiam o país, da austro-húngara à balcânica, passando pela turca e pela ucraniana. Há queijo e enchidos, sopas à base de vegetais e carne – aconselho as sopas de tomate –, salsichas (muito temperadas) e pequenos rolos de carne picada (de várias qualidades) grelhada, feijões, couves e outros legumes estufados ou guisados como acompanhamento, muita carne (porco e cordeiro, sobretudo) e algum peixe (especialmente truta). O prato nacional é o sarmale, carne picada de porco e arroz enrolados em folhas finas de couve e estufados, e o acompanhamento mais tradicional é mămăligă, uma polenta (farinha de milho cozida) feita à moda romena. As sobremesas não são particularmente imaginativas, mas aconselho as tartes com recheio de maçã. A cerveja e o café são bons.

culinária romena - mamaliga

 

culinária romena - sopa de tomate

 

culinária romena

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Qui | 14.03.19

Dois dias em Bucareste - dia 1

 

Bucareste não é daquelas cidades famosas e maravilhosas que toda a gente anseia visitar, nem costuma aparecer nas listas de destinos turísticos mais premiados ou recomendados. Talvez seja porque é uma capital algo pacata, pelos parâmetros habituais, e tão “low profile” como a própria Roménia; ou talvez isso tenha a ver com o seu passado obscuro, já não tão recente quanto isso mas ainda assim bem presente nas memórias de muitos de nós. Seja por que razão for, é tempo de colocar Bucareste no lugar que merece. E embora dois dias não sejam – obviamente! – suficientes para conhecer tudo o que esta cidade tem para oferecer, serão sem dúvida um bom “aperitivo” para criar a vontade de um dia regressar.

 

Bucareste

 

Para aproveitar bem os dois dias, o ideal mesmo é ir num voo nocturno e chegar a Bucareste de manhã bem cedinho. O aeroporto de Henri Coandă (para onde há vos directos de Lisboa) fica em Otopeni, uma mera quinzena de quilómetros a norte da capital, e há várias hipóteses de transporte para Bucareste – mas disso falarei mais adiante.

 

Depois de algum descanso e um bom pequeno-almoço, é hora de meter pés ao caminho. Um conselho: escolham um hotel que fique mesmo na cidade, de preferência não demasiado longe do centro. O sistema de transportes públicos é algo irregular e sobrepovoado; e como Bucareste não tem declives muito acentuados, não se torna demasiado cansativa, pelo que o ideal mesmo é andar a pé. E de facto esta é a melhor maneira de conhecer uma cidade.

 

Embora a lenda atribua a fundação de Bucareste a um pastor – de seu nome Bucur, que terá construído uma igreja na margem leste do rio Dâmbovița, no séc. XIV – os primeiros registos fiáveis sobre a cidade datam de 1459, onde é mencionada como sendo uma das residências de Vlad II Dracul, príncipe da Valáquia. Tal como todo o território da actual Roménia, foi durante séculos palco de acirradas refregas territoriais, passando de mão em mão entre gregos e turcos, russos e austríacos, e outros quejandos, e só em finais do séc. XIX, com a criação do reino da Roménia, entrou num período de relativa paz. É possivelmente por tudo isto que Bucareste apresenta uma tão grande diversidade cultural, imediatamente visível ao nível da sua arquitectura, em que edifícios da Belle Époque dos finais do séc. XVIII e inícios do séc. XIX coexistem tanto com elementos tradicionais dos Balcãs e do Médio Oriente, como com linhas mais modernistas.

 

Bucareste (2)

 

Onde tudo começou

 

É no centro histórico que encontramos o que ainda subsiste dos primórdios de Bucareste, e tudo começou precisamente no tal palácio que foi residência dos príncipes da Valáquia, em torno do qual a cidade foi crescendo século após século. O seu nome actual é Curtea Veche (Corte Velha ou Palácio Real Velho) e dele hoje apenas podemos ver ruínas, nas quais está instalado um museu. Fica na Strada Franceză, em pleno centro histórico, mesmo junto à Biserica Sfântul Anton – ou Igreja de Santo António, se preferirem – que data do séc. XVI e é a igreja mais antiga da cidade. Turismo oblige, não fosse dar-se o caso de as ruínas passarem despercebidas, colocaram mesmo em frente um busto do celebérrimo Vlad Țepeș (Vlad, o Empalador, de quem já falei aqui), apesar de ter sido o seu pai e não ele quem construiu o palácio. O famoso príncipe, também conhecido como Vlad III ou Vlad Drăculea, viveu aqui durante o seu segundo reinado, marcado pelos conflitos com os turcos e portanto pela necessidade de vigiar e proteger permanentemente o lado sul dos seus domínios, definido pelo Danúbio. Foi por isso ele quem passou a referir-se ao palácio como “residência real” – o que justifica até certo ponto a homenagem que lhe é actualmente prestada.

Bucareste - Biserica Sfântul Anton (Igreja de Santo António)Bucareste - busto de Vlad Tepes na Curtea Veche

Numa rua perpendicular, a Strada Căldărari, erguem-se os três pisos do Hanul lui Manuc, que foi um dos últimos caravanserai da Europa e hoje funciona como hotel e restaurante, preservando o seu enorme pátio interior, entretanto adaptado para receber os muitos grupos de turistas e locais que procuram uma refeição tradicional.

Bucareste - Hanul Lui Manuc

 

Limitado a sul pelo rio Dâmbovița, a oeste pela Calea Victoriei, a norte pelo Bulevardul Regina Elisabeta, e a este pelo Bulevardul I. C. Brătianu, o centro histórico agrega basicamente o que restou da cidade depois da 2ª Guerra Mundial. E que não é nada pouco, fica já o aviso. Se seguirmos pela Strada Franceză desembocamos na Calea Victoriei, assim baptizada em celebração da vitória romena na Guerra da Independência de 1877-78. Em ambos os lados desta avenida perfilam-se edifícios de linhas imponentes, que evocam a época áurea de Bucareste e têm vindo a recuperar progressivamente a sua antiga glória. Logo à direita encontramos a escadaria do enorme Museu Nacional de História da Roménia, e em frente o extraordinário Palácio CEC (a sede da Caixa Económica, e muito parecido com o Petit Palais de Paris), em franco contraste com o “mastodonte” moderno de pedra e vidro espelhado que é o edifício onde se aloja o Banco Comercial da Roménia.

Bucareste - Calea Victoriei - Palácio CEC

 

É também na Calea Victoriei que fica um dos lugares de que mais gostei em Bucareste: a Passagem Macca-Villacrosse. Tem duas entradas (a Passajul Macca e a Passajul Villacrosse), mas qualquer delas passa relativamente despercebida se não estivermos com atenção (que foi o que me sucedeu da primeira vez que por ali andei). É uma galeria coberta com a forma de um “U”, cujo nome vem dos donos da estalagem em torno da qual foi inicialmente construída, mas o seu aspecto actual foi concebido pelo arquitecto Felix Xenopol em 1891, depois de o local ter sido adquirido pela administração da cidade. Em 1950 passaram a chamar-lhe Stradă Bijuteria – as lojas que alojava eram sobretudo joalharias – mas em 1990, depois da Revolução Romena, o nome inicial voltou a ser adoptado.

Bucareste - Passagem Macca-Villacrosse (3)

Actualmente a Passagem é um lugar trendy e turístico, com algumas lojas e muitos cafés e restaurantes, todos eles com esplanada, e sobejamente conhecida pelos seus bares de shisha. Tem um ambiente ecléctico e algo surreal, uma luz leitosa e cálida filtrada pelo vidro amarelo que reveste as arcadas da cobertura. No local onde as duas “ruas” se encontram foi construída uma cúpula em ferro, vidro e madeira, aparentemente simples mas de grande efeito, e as paredes – que aqui são circulares – estão decoradas com ornamentos em relevo e capitéis coríntios. Definitivamente, apetece demorarmo-nos por ali…

Bucareste - Passagem Macca-Villacrosse (2)

 

Bucareste - Passagem Macca-Villacrosse (1)

 

A cidade de Bucareste tem umas quantas dezenas de igrejas de vários credos, algumas delas dissimuladas em locais meio escondidos, e uma destas igrejas está precisamente na confluência da Calea Victoriei com a avenida Regina Elisabeta – só que oculta por trás do Pizza Hut. A Biserica Doamnei (Igreja da Senhora) data de 1683, e tem a particularidade de ter sido a primeira da cidade a ostentar pilares de pedra octogonais.

Bucareste - Biserica Doamnei

 

Seguindo pela Stradă Doamnei, encontramos mais à frente outro dos edifícios que mais me impressionou – simultaneamente pela positiva e pela negativa. O antigo Palácio da Bolsa, na esquina com a Stradă Ion Ghica, está classificado como monumento histórico. Também construído em inícios do séc. XX, segundo projecto de Ştefan Burcuş, a sua fachada exuberantemente decorada deve-se a Emil W. Becker, que era à data o escultor da família real romena. Abrigou durante muito tempo a Biblioteca Nacional da Roménia, instituição que entretanto se mudou para paragens mais amplas. Em 2008 voltou para as mãos da Câmara do Comércio e Indústria, mas nota-se que se foi degradando com o tempo, com grande parte da sua beleza obscurecida pela sujidade e pela notória falta de manutenção. Quando lá estive ainda estava ostensivamente para alugar, mas parece que recentemente surgiu um promotor privado com um projecto para recuperar e reconverter o edifício – esperemos que com bom gosto o suficiente para lhe devolver o seu óbvio antigo esplendor.

Bucareste - antigo Palácio da Bolsa

 

Virando à esquerda para a Stradă Ion Ghica, vamos encontrar mais uma boa surpresa. Igrejas não faltam em Bucareste (ocorreu precisamente há poucos dias a consagração da nova catedral, construída perto do Palácio do Parlamento, que ocupa agora a posição de maior igreja ortodoxa do mundo), mas a Igreja Russa de São Nicolau é para mim a mais bonita de todas. Pequena e compacta, feita em tijolo e com um formato quase arredondado, é coroada por sete cúpulas em forma de cebola protuberante (a “imagem de marca” da arquitectura religiosa russa) revestidas com placas douradas, sublinhadas por delicados frisos de metal e de pedra e por uma barra pintada. Estando muito perto da Universidade, foi colocada ao serviço desta instituição, razão pela qual também é conhecida como “igreja dos estudantes”.

Bucareste - Igreja Russa de São Nicolau (1)

 

Bucareste - Igreja Russa de São Nicolau (2)

 

O coração do centro histórico de Bucareste é sem dúvida a Stradă Lipscani. O nome da rua tem origem alemã: era aqui que na Idade Média os comerciantes vendiam as mercadorias que traziam de Leipzig (ou Lipsca, nas línguas eslavas). Sempre muito movimentada, esta rua como que condensa o carácter da própria cidade e os seus contrastes evidentes: o velho ao lado do novo, o oriente versus o ocidente, a decrepitude e o desenvolvimento, a elegância em oposição ao desleixo, fachadas soberbas paredes-meias com outras complemente delapidadas. Aqui encontramos o imponente edifício do Banco Nacional, com um frontispício de colunas coríntias, e a fantástica livraria que dá pelo nome de Carturesti Carusel, alojada num edifício de finais do séc. XIX mas com um interior completamente (e lindamente!) renovado. Tal como a maior parte do centro histórico, a rua Lipscani é exclusivamente pedestre e quase totalmente dedicada ao comércio e ao lazer.

Bucareste - Banco Nacional

 

Ao lado da Lipscani, a pequena Stradă Stavropoleos é outro ponto obrigatório da visita. Rodeada por edifícios altos que a abafariam se não fosse tão bonita, a igreja-mosteiro de Stavropoleos (“cidade da cruz”, numa tradução à letra) é um dos exemplos mais notáveis e atraentes do estilo Brancovenesco - assim chamado em tributo ao príncipe Constantin Brâncoveanu, que promoveu a construção de inúmeros edifícios (sobretudo religiosos) durante a sua administração, nos sécs. XVII-XVIII, quando a Valáquia se encontrava sob domínio turco. Também conhecido como Renascimento Romeno, este estilo arquitectónico mistura de forma muito feliz influências barrocas, bizantinas, otomanas e do Renascimento tardio, e é tão original que os edifícios deste estilo se destacam perfeitamente dos outros. Aliás, um dos aspectos que mais me encantou na Roménia foi o facto de me sentir na Europa e ao mesmo tempo fora dela, tantas são as particularidades específicas deste país multifacetado – e o Brancovenesco é, ao nível da arquitectura, a síntese admirável desta multiculturalidade.

Bucareste - Igreja de Stavropoleos (1)

 

Bucareste - Igreja de Stavropoleos (5)

 

Mas voltemos à igreja de Stavropoleos, que há muito para dizer. Foi construída em 1724 por iniciativa de um monge grego, dedicada aos arcanjos Gabriel e Miguel, e é também um mosteiro feminino – embora possa parecer estranho um mosteiro ser tão pequeno. Depois de um período áureo, uma série de acidentes combinados com má administração levaram ao declínio e finalmente à demolição do mosteiro no final do séc. XIX. A restauração da igreja e reconstrução do mosteiro ficaram a cargo de Ion Mincu, um arquitecto de renome, que redesenhou o edifício no estilo Neo-Romeno em voga no início do séc. XX. O resultado é uma pequena jóia da arquitectura religiosa ortodoxa: paredes e caixilhos com recortes e colunas de pedra gravadas com motivos florais, frisos com ícones pintados, madeiras finamente trabalhadas – em particular nas portas – e murais belíssimos tanto no exterior como no interior, com alguns frescos originais ainda parcialmente preservados. A parte do mosteiro desenvolve-se em volta de um pequeno pátio, que alberga uma curiosa colecção de cruzes e lápides em pedra oriundas de outras igrejas de Bucareste já desaparecidas. A igreja, onde são realizados três ofícios religiosos diários, está aberta das 8 às 22h, e pode ser visitada gratuitamente – quem quer contribuir pode comprar, a uma freira muito simpática, um conjunto de postais a preços simbólicos. O mosteiro tem um museu com uma colecção rara de ícones, livros e outros objectos religiosos, que é visitável apenas com marcação prévia.

Bucareste - Igreja de Stavropoleos (2)

 

Bucareste - Igreja de Stavropoleos (4)

 

Bucareste - Igreja de Stavropoleos (3)

 

O almoço pode ser no Cara’ Cu Bere, a cervejaria mais antiga de Bucareste. Sim, é um restaurante muito “turístico” e a comida não é nada do outro mundo, mas a decoração do interior vale por tudo: janelas com vitrais, piso de mosaicos cerâmicos coloridos, paredes com pinturas bucólicas, colunas em estuque e mármore, madeiras trabalhadas – uma profusão de elementos decorativos que oscilam entre o exótico, o folclórico e o sofisticado. O Cara’ Cu Bere (tradução: carroça da cerveja) tem uma história de mais de 130 anos e é uma verdadeira instituição da cidade, tanto assim que por ali já passaram muitos nomes famosos, desde músicos a príncipes e figuras políticas de renome. Tem uma esplanada coberta, e no interior as refeições são acompanhadas por um pianista que actua ao vivo.

Bucareste - restaurante Cara’ Cu Bere (3)

 

Bucareste - restaurante Cara’ Cu Bere (2)

 

Bucareste - restaurante Cara’ Cu Bere (1)

 

O Bulevardul Brătianu, que delimita o leste do centro histórico, é uma avenida enorme que corre de sul para norte, cheia de movimento e lojas – uma avenida como tantas outras em tantas cidades europeias. Aqui encontramos, quase na Praça da Universidade, o Museu Municipal de Bucareste, alojado há mais de meio século numa das antigas residências aristocráticas da cidade, o Palácio Şuţu. É um bonito edifício neogótico, em que os ferros forjados negros se destacam sobre o branco e cinza das paredes, e é impossível não dar por ele. Entre uma miríade de objectos de todas as espécies, divididos em várias exposições, encontra-se o tal documento de 1459 onde a cidade é referida pela primeira vez.

Bucareste - Museu Municipal

 

Contrastando com os imponentes edifícios da Universidade que se estendem para o lado esquerdo de quem sobe a avenida, do lado direito vemos o Teatro Nacional Ion Luca Caragiale, uma construção modernista de dimensões avantajadas à frente do qual foi instalada uma engraçadíssima escultura de Ioan Bolborea a que dão o nome de “Carroça com Palhaços”, tão espaventosa e fora do vulgar que chama bem mais a atenção do que o próprio edifício do Teatro (e que me fez lembrar o universo dos filmes de Emir Kusturica, embora este realizador seja sérvio e não romeno).

Bucareste - escultura Carroça com Palhaços em frente ao Teatro Nacional Ion Luca Caragiale

 

O destino seguinte é a Piața Revoluției, que se traduz por Praça da Revolução e é outro dos centros nevrálgicos de Bucareste. Como o nome indica, foi aqui que no dia 21 de Dezembro de 1989 Nicolae Ceausescu fez o seu último discurso, que despoletou o princípio do fim do regime e a queda em desgraça deste ditador. Os edifícios na altura ocupados pelo Partido Comunista Romeno abrigam agora vários Ministérios, e no centro da Praça o estranhíssimo (e feioso) Monumento do Renascimento – a que os locais chamam “azeitona num palito de cocktail” – evoca a revolução e o sangue por ela derramado. Ao lado, um memorial às 1058 vítimas da revolução, que inclui uma estátua de bronze de Iuliu Maniu, um antigo Primeiro-Ministro liberal que esteve vários anos prisioneiro na Sighet (a prisão política do anterior regime) até à sua morte em 1953.

Bucareste - Piața Revoluției - Monumento do Renascimento

 

Bucareste - Piața Revoluției - estátua de Iuliu Manui

 

Em frente ao edifício onde agora está instalada a Biblioteca Nacional da Roménia ergue-se a estátua equestre de Carol I (o primeiro rei da Roménia, que a governou entre 1881 e 1914), e do outro lado da Praça o antigo Palácio Real foi convertido no Museu Nacional de Arte.

Bucareste - Piața Revoluției - estátua de Carol I

 

Perto do Museu e junto a uma zona verde, passando meio despercebida entre o tamanho imponente dos edifícios que rodeiam a Praça, encontramos a igreja Kretzulescu, que é mais um excelente exemplo do estilo Brancovenesco. Construída no séc. XVIII, esteve marcada para demolição nos primórdios do regime comunista, mas os esforços de vários arquitectos conseguiram evitar a sua destruição.

 

Bucareste - igreja Kretzulescu (1)Bucareste - igreja Kretzulescu (2)

Para terminar da melhor maneira este primeiro dia, mais um ponto de visita obrigatória em Bucareste: o Ateneu Romano. Data do séc. XIX, é Património Europeu e uma das jóias arquitectónicas da Roménia, possuindo características muito próprias – a começar pela sua cor amarela e pela dimensão de respeito, que faz com que seja impossível passar despercebido. Nitidamente neo-clássico, a fachada tem seis grandes colunas com capitéis jónicos, atrás das quais foram pintados “medalhões” com as figuras de cinco voivodes (governadores e chefes militares) da Roménia. Funciona actualmente como sala concertos e conferências e, milagrosamente, permaneceu incólume durante a 2ª Guerra Mundial, quando todos os edifícios que o rodeavam foram destruídos em bombardeamentos.

Bucareste - Ateneu Romano (1)Bucareste - Ateneu Romano (2)

 

Estes são apenas alguns dos vários pontos de interesse do centro de Bucareste, mas claro que há muito mais para ver e absorver – e mais quilómetros para andar :-) No próximo post, a publicar dentro de dias, vou falar-vos das minhas sugestões para o segundo dia deste roteiro.

Dia 2 do roteiro →

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