Croácia - diário de viagem - XI - Trogir-Dubrovnik ou como atravessar um país em quinze minutos
Fazer de carro o percurso de Split para Dubrovnik oferece-nos a possibilidade de ver as maravilhosas paisagens da costa adriática, e acreditem que vale a pena. Mas há um pequeno pormenor: é preciso passar pela Bósnia e Herzegovina*.
Dois terços das nossas férias já decorridos, estava na altura de ir ainda mais para sul para conhecermos o terceiro grande motivo desta viagem à Croácia: Dubrovnik.
O tempo continuava espectacular e tínhamos o dia todo para percorrer cerca de 260 km, por isso decidimos aceitar a sugestão dos nossos hoteleiros e fazer apenas um pequeno troço de uma hora em auto-estrada, saindo na portagem em Šestanovac e descendo depois na direcção da costa. Começa aqui a região conhecida como Riviera de Makarska: entre Brela e Gradac há uma estreita faixa de território, encaixada entre o Adriático e a imponente montanha de Biokovo, com cerca de 60 quilómetros de praias, baías e pinhais. É a montanha que protege esta região do rude clima continental e é responsável pelas suas 2750 horas de sol por ano, com Invernos suaves e Verões nunca demasiado quentes, e com temperaturas da água do mar acima dos 20°C.
A estrada continua sempre junto à costa até Dubrovnik, com uma pequena incursão para o interior na região plana que rodeia os braços de mar do enorme e importante porto de Ploče. Viagem calma e sem problemas, com pouquíssimo trânsito e sempre com o sol, o mar e os contornos sinuosos das ilhas adriáticas a acompanharem-nos.
O termómetro do carro marcava uns avantajados 36°C e eram praticamente 2 da tarde quando chegámos a Duboka, já muito perto da fronteira. A Villa Malo Misto é uma pensão e restaurante à beira da estrada, com uma sala-varanda soalheira sobre o mar, que ali forma umas pequenas e calmosas enseadas, particularmente agradáveis como cenário para um excelente almoço.
A fronteira de Klek fica meia dúzia de quilómetros mais à frente. Os guardas fronteiriços croatas mandaram-nos simplesmente avançar, mas no posto alfandegário da Bósnia já foi necessário parar para mostrarmos os passaportes e os documentos do carro. Felizmente, ao contrário do que consta acontecer no Verão, não havia trânsito quase nenhum e foi tudo muito rápido, nem sequer foi preciso sair do carro. E assim entrámos na Bósnia e Herzegovina.
Esta faixa de território bósnio que corta a Croácia em duas partes separadas abriga a cidade de Neum, a única cidade litoral da Bósnia. Neum pertenceu à República da Ragusa (que hoje é Dubrovnik) durante 300 anos, até que em 1699 foi cedida ao Império Otomano com a assinatura do Tratado de Karlowitz. Dos seus menos de 5000 habitantes, 90% são croatas. É uma localidade essencialmente turística, com uma oferta de mais de 7000 camas, pois os diminutos 10 km de largura do território transformam-se em 24 km de costa e praias, devido ao seu extenso recorte.
Quinze minutos depois de entrarmos na Bósnia já estávamos a sair, com uma passagem pela fronteira ainda mais rápida do que tinha sido a entrada.
Dubrovnik fica a apenas 60 km desta fronteira, com a estrada a seguir sempre junto à costa e contornando a cidade por cima. Tínhamos reservado estadia nos apartamentos Rock Palace, que nos pareceram ficar bem localizados: longe da confusão do centro, mas suficientemente perto para nos deslocarmos a pé, e com estacionamento ali ao pé. Pois… Ver as coisas num mapa no computador não é de todo o mesmo que estar no local e, mais uma vez, encontrar o nosso alojamento não foi pêra doce.
A maior parte da cidade de Dubrovnik estende-se numa encosta, com a cidade antiga lá em baixo, junto ao mar. Entalada entre o Adriático e as montanhas, a expansão urbanística está contida por natureza, e por isso a cidade é muito compacta, com estradas estreitas (a maioria de sentido único) e inúmeras ruas que não passam de vielas, mesmo fora do centro histórico. As zonas onde se consegue estacionar são poucas, pequenas e na sua maioria pagas. Se juntarmos a isto os milhares de turistas que Dubrovnik recebe durante quase todo o ano, é fácil perceber que andar de carro nesta cidade é uma tarefa dura e que dá cabo dos nervos a qualquer um. Por outro lado, devido ao declive acentuado da encosta, para ir a pé de um ponto para outro é sempre necessário subir ou descer, pelo que também não é propriamente convidativa para grandes passeios – a excepção é, obviamente, a cidade antiga, onde andar a pé é mesmo a única opção.
Depois de umas quantas voltas para tentarmos (infrutiferamente, claro!) encontrar o endereço do apartamento, decidimos estacionar o carro no primeiro sítio que apareceu a jeito e ir tentar descobrir o apartamento a pé. Tablet na mão com o abençoado Google Maps a indicar-nos o percurso (o Maps foi a melhor ideia que os senhores da Google tiveram até hoje, sem sombra de dúvida), lá fomos nós por ruas e ruelas, subindo e descendo, perguntando a quem não sabia, até que por fim conseguimos dar com o sítio – e foi nessa altura que percebemos o problema: a rua não era uma rua, mas sim uma viela com escadinhas, que entroncava noutra viela igual e depois desembocava numa ruela tão estreita que não teria espaço para um carro dos grandes, e ainda por cima terminava num beco. Completamente impossível chegar de carro até ali, e estacionar perto também não parecia viável.
Ainda passámos por mais algumas peripécias até conseguirmos finalmente instalar-nos no apartamento, que incluíram tentativas de conversa com a dona da casa, que pouco falava de inglês, uma (felizmente curta) corrida de motorizada conduzida pelo dono do apartamento e que envolveu várias manobras proibidas, a entrada com o carro na tal rua estreitíssima para descarregar as malas, e finalmente mais umas voltas para conseguir deixá-lo num estacionamento público gratuito situado mais acima na colina, mas felizmente a apenas (e já vão perceber porque é que digo “apenas”) umas quantas dezenas de degraus de distância a pé do apartamento.
Os apartamentos Rock Palace têm este nome porque Zlatan, o dono, é um antigo “roqueiro” que decidiu aproveitar o tema e algumas das suas relíquias para a decoração das casas. Ficámos no apartamento maior, o White Rabbit, que tem dois quartos e acesso directo para o terraço com um pequeno jardinzinho, de onde se vê o mar ao longe.
Depois de um breve descanso e uma conversa com o Zlatan, que nos deu um mapa e explicou tudo o que poderíamos ver e fazer em Dubrovnik, descemos até à cidade antiga. O verbo adequado é mesmo este: descer. Desce-se e desce-se, e apresar de ser perto parece que nunca mais acabamos de descer. O percurso é na sua maioria feito pelas omnipresentes vielas com escadinhas, interrompidas aqui e ali por uma rua transversal, até chegarmos à Ulica (rua) branitelja Dubrovnika, uma das vias principais da cidade, pela qual se acede ao centro histórico através da Porta de Pile.
Eram horas de jantar, a noite estava quente, e animação não faltava. Logo à entrada da Porta, dois rapazes vestidos a rigor desempenhavam compenetradamente o seu papel de guardas da cidade – os mesmos que mais tarde protagonizaram uma espécie de “render da guarda” desfilando pela rua principal acompanhados de um tocador de tambor, também ele devidamente trajado. Mais à frente, junto à Grande Fonte de Onofrio, uma rapariga exibia uma arara, enquanto do outro lado vários rapazes dançavam ao som de música hip hop.
A cidade antiga de Dubrovnik é fascinante a todas as horas, mas ter o primeiro contacto com ela sob o céu nocturno de Verão e com luz artificial pouco agressiva é uma experiência absolutamente romântica no sentido mais genuíno do termo: é amor à primeira vista. E, tal como a paixão, muito difícil de explicar ou sequer pôr em palavras. Há que estar lá e sentir.
Animada e no entanto relaxante, apesar do barulho natural há uma espécie de sossego que paira sobre as ruas e os edifícios, e que nos envolve e acalma. Ali não há pressas nem tensões, é tudo fluido e tépido e acolhedor, como se vogássemos num barco à vela em mar chão.
Na Placa, ou Stradun, os candeeiros pendurados nas paredes têm o nome e o logótipo da loja que está ao lado – há cabos eléctricos que correm as paredes, mas não há néones. Nem carros, bicicletas ou tuk-tuks…
De regresso ao apartamento, houve que subir por onde tínhamos descido. Contámos os degraus: 403. Coisa pouca…
*Actualização: Desde 2021 já é possível atravessar toda a Croácia sem ter de passar pela Bósnia. Foi construída uma ponte que une a parte continental da Croácia à Península de Pelješac, por onde é possível chegar a Dubrovnik (e a todo o extremo sul do país) sem ser necessário atravessar qualquer outro país.
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