Muito se tem falado ultimamente sobre o Tejo, sobretudo pela polémica que envolve a central nuclear de Almaraz, em Espanha, a apenas 100 km da nossa fronteira. Se é verdade que o Tejo não é só nosso, também é verdade que pela sua dimensão e localização assume particular importância para o nosso país, e acabamos por muitas vezes esquecer que em terras espanholas a sua bacia hidrográfica tem o dobro da dimensão da portuguesa. Com a particularidade de que tudo o que é largado na bacia do Tejo em terras de nuestros hermanos acaba por vir parar a Portugal.
O rio Tejo nasce na serra de Albarracín, em Espanha, mais especificamente junto às Casas de Garcia, ao km 26 da estrada A-1704. No entanto, é do outro lado da estrada que está assinalada, com um monumento a condizer, a nascente “oficial” do rio. Percorre depois quase 1100 km até finalmente desaguar no Atlântico, considerando-se que termina numa linha imaginária que liga o Forte de S.Julião da Barra, em Oeiras, à praia da Cova do Vapor, antes da Caparica, passando pelo farol do Bugio.
Dos seus muitos quilómetros, 230 encontram-se em Portugal, 43 constituem a área do Tejo Internacional, onde o rio define a fronteira entre Portugal e Espanha, e os restantes são em território espanhol.
Sendo o maior rio da Península Ibérica, ocupa desde sempre lugar destacado na economia e na geografia humana dos dois países ibéricos, e todo o seu percurso é pontuado por lugares de extraordinária beleza.
É de alguns deles que vos vou agora falar. Uns mais conhecidos do que outros, mas todos eles com um carácter único a que o rio Tejo não é alheio.
ARANJUEZ
A menos de 50 km para sul de Madrid há uma pequena cidade conhecida sobretudo pelo seu Palácio Real e pelo Concerto com o mesmo nome composto por Joaquín Rodrigo. Aranjuez é simplesmente deliciosa e é impossível ficar-lhe indiferente. As margens do Tejo, que aqui ainda tem pouca largura, foram aproveitadas para criar um vasto conjunto de parques e jardins que se desenvolvem em volta do Palácio e de outros edifícios históricos.
São os jardins mais importantes do período dos Habsburgo em Espanha, época em que nas águas do Tejo navegavam as faluas reais, algumas das quais estão hoje expostas num museu situado no encantador “Jardin del Príncipe”.
É nestes jardins que também se encontram os “gangos” de Aranjuez, esplanadas onde os habitantes têm por tradição jantar (sobretudo no Verão) e para onde é possível levarem a sua própria comida, tendo apenas como obrigação comprarem no local as bebidas. A Paisagem Cultural de Aranjuez foi declarada Património da Humanidade pela UNESCO em 2001.
TOLEDO
Conhecida como a “cidade das três culturas”, porque ali viveram lado a lado durante séculos cristãos, árabes e judeus, Toledo é um repositório de mais de 2000 anos de História. A parte mais antiga da cidade está situada no cimo de um monte, encaixada numa curva pronunciada do Tejo.
O legado cultural de Toledo está preservado na forma de igrejas, palácios, fortalezas, mesquitas e sinagogas, numa grande diversidade de estilos que a tornam um verdadeiro museu ao ar livre, razão pela qual faz parte do Património Mundial da Humanidade desde 1986.
PORTAS DE RÓDÃO
É pouco antes das Portas de Ródão que o Tejo passa a ser exclusivamente português, e esta já seria uma razão mais do que suficiente para ir conhecer o local. Mas há várias outras. A principal é, para mim, a beleza e tranquilidade da paisagem.
As Portas são duas paredes escarpadas com 170 metros de altura entre as quais passa mansamente o rio, vindo de Vila Velha de Ródão. Tão mansamente que mais parece um lago, um espelho brilhante mesmo quando a luz do dia já quer ir embora. No lado norte, mesmo no cimo, o Castelo do Rei Wamba vigia as águas e oferece-nos uma vista única do Tejo para jusante.
Junto a um lugar tão idílico, Vila Velha de Ródão teria todas as condições para ser uma localidade apetecível não fosse o facto de ali estar instalado um enorme complexo industrial de produção de pasta de papel, que não só desfeia a entrada da vila como polui o ar (e consta que também o rio) e acaba com qualquer vontade de ficar por ali durante algum tempo. Ressalvando a devida distância, não é só em Almaraz que o Tejo é maltratado.
BELVER
No troço do Tejo que passa aos pés de Belver, há duas maneiras diferentes de “saborear” o rio, e não me peçam para escolher qual delas prefiro. Uma é subir ao castelo, para apreciar a vista sobre a aldeia e a fita cinzenta do Tejo a perder-se na imensidão da paisagem.
A outra é percorrer na margem oposta o passadiço que vai da praia do Alamal até à ponte que dá acesso a Belver. São apenas três quilómetros, sempre junto à água e entre a vegetação típica da região: oliveiras e medronheiros, madressilva, amieiros e salgueiros, fetos e canaviais. O rio vai correndo calmo, enquanto nas ilhotas de pedra os corvos-marinhos aproveitam para secar as penas ao sol.
ABRANTES
Abrantes é mais outra daquelas cidades cuja história se perde no tempo, sempre intimamente ligada ao rio a que se encosta. Espalhada por uma colina na margem direita do Tejo, a cidade ocupa uma posição estratégica que se revestiu desde sempre de grande relevância em termos militares, além da importância que teve como porto fluvial com ligação a Lisboa até aos anos 70 do século passado.
Mas também nesta zona do Tejo existe um foco de polémica ambiental: a central termoeléctrica do Pego, situada na margem esquerda do rio a uns escassos 8 km de Abrantes. Apesar de a empresa que gere a central publicitar o seu empenho no bem-estar geral e na minimização de potenciais incidentes, e de as instalações serem as mais modernas da Península Ibérica entre as centrais a carvão existentes, a verdade é que a sua operação envolve o recurso às águas do Tejo e por isso terá sempre forçosamente algum efeito, mesmo que reduzido ou pouco preocupante, sobre o equilíbrio ambiental do rio e da sua envolvente.
CASTELO DE ALMOUROL
Um dos lugares mais emblemáticos e fora do comum que existem no percurso do Tejo por terras lusas é sem sombra de dúvida o Castelo de Almourol. Empoleirado numa ilhota granítica que se ergue no meio do rio, o castelo está construído de forma a acompanhar os desníveis do terreno, mas o seu aspecto actual não corresponde exactamente ao que tinha quando fez parte da linha defensiva do território nos primórdios da fundação de Portugal. Tendo caído no esquecimento depois de se tornar desnecessária a sua função militar e muito danificado pelo terramoto de 1755, foi recuperado (com algumas adulterações) no séc. XIX durante o período Romântico, quando lhe foi dada a aparência que mantém até hoje.
O acesso só pode ser feito por barco, a partir do agradável cais de Tancos, onde a relva e a vista para o Arripiado convidam ao descanso. A curta viagem de barco para mim já vale a visita, pelo prazer que sinto em percorrer aquele troço do rio onde pescadores e cegonhas competem pelo peixe e os canoístas aproveitam para descansar. O castelo tem uma silhueta inconfundível e o ambiente em que está inserido dá-lhe uma aura de mistério. Apesar de o seu interior ser praticamente despido, a vista de 360 graus que temos do cimo da torre de menagem é qualquer coisa de soberbo.
SANTARÉM
A lezíria ribatejana é a região onde mais se nota a influência do Tejo a nível rural. Santarém, lá no alto, vigia a planície e os humores do rio, que transborda sempre que chove mais um pouco e inunda ciclicamente os campos ao longo das suas margens – por vezes até mais do que o desejável. Por aqui encontram-se vinhas, pinhais e olivais, cultivam-se o arroz e os legumes, há pomares e uma vasta área de montado.
Santarém, que foi a Scallabis romana e mais tarde uma Taifa (principado muçulmano independente) do Al-Andalus até ser conquistada por D. Afonso Henriques, é uma cidade pequena mas com um enorme e variado património cultural e monumental, que lhe vale o título de “capital do gótico” em Portugal.
ESCAROUPIM
As aldeias avieiras foram criadas no início do séc. XX por pescadores oriundos de Vieira de Leiria, que vinham pescar ao Tejo durante o Inverno e regressavam à sua terra e à sua faina pesqueira habitual nos meses mais amenos. Alves Redol, ele próprio ribatejano e com muita obra escrita sobre a região, chamou-lhes os “nómadas do rio”. Infelizmente, da maioria destas aldeias já pouco ou nada resta. Existe no entanto, desde há uns anos, um projecto de candidatura da cultura avieira a Património Imaterial da UNESCO, que já levou a que pelo menos duas dessas aldeias tenham sido recuperadas. Escaroupim é uma delas. Fica perto de Salvaterra de Magos e a partir do seu cais palafítico é possível fazer passeios de barco entre as ilhas e os mouchões (ilhotas formadas pela acumulação de aluviões) do Tejo, habitats únicos para muitas aves, peixes e até cavalos.
Na aldeia subsistem algumas das casas típicas, construídas sobre estacas para evitar que fossem inundadas durante as cheias frequentes do rio e pintadas de cores vivas, as mesmas cores do barco que pertencia ao seu dono. Foi também criado um museu destinado a preservar e divulgar a memória desta aldeia avieira.
(Também já falei aqui sobre esta aldeia)
LISBOA
Que dizer de Lisboa que não se tenha dito já? A cidade e o Tejo são como irmãos siameses, uma não sobreviveria sem o outro, e nem o rio seria o mesmo se não tivesse Lisboa nas suas margens. Dependente do Tejo durante séculos para as suas actividades comerciais, opções urbanísticas duvidosas foram criando um sem número de barreiras entre o rio e a população lisboeta e um progressivo afastamento entre eles, excepção feita para um ou outro local.
A situação começou a mudar no final do século passado, e de repente os alfacinhas viram abrir-se perante si um sem número de possibilidades de usufruírem do “seu” Tejo e não hesitaram em aproveitá-las.
Em poucos anos, Lisboa transformou-se, e as mudanças continuam. É verdade que está mais turística e mais cosmopolita, mas também cada vez mais luminosa e arejada, e mais amiga do Tejo. Lisboa não quereria outro rio, nem o Tejo poderia querer outra cidade onde desaguar.
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