A paisagem da região do Alto Douro Vinhateiro – que é Património Mundial desde 2011 – vai mudar em breve. Está terminada a barragem que tem vindo a ser construída desde há cinco anos junto à foz do rio Tua, onde ele se encontra com o Douro, e prevê-se começar o seu enchimento ainda este mês. Quando a albufeira estiver completamente cheia, o rio terá subido 170 metros e alagado as suas margens até cerca de 25 km a montante. São 420 hectares de paisagem que vão mudar. Para melhor ou para pior? Isso só mais tarde se saberá.
O paredão da barragem do Tua situa-se a 1,1 km do local onde o rio desagua no Douro, e é uma mole de cimento com 108 metros de altura. O estaleiro que o rodeia tem o tamanho de uma aldeia, e a azáfama é constante – não pára nem ao fim-de-semana. Ainda está em construção a central hidroeléctrica adjacente, um projecto de Souto de Moura, que se estima entrar em funcionamento em 2017.
Depois de várias peripécias e muita contestação popular, a linha ferroviária do Tua deixou completamente de funcionar em 2008. Subsiste actualmente apenas o troço entre Mirandela e Carvalhais, operado pelo Metro Ligeiro de Mirandela. As povoações entre Mirandela e Foz Tua deixaram desde essa altura de ser servidas por qualquer tipo de transporte ferroviário. Com a data prevista para a conclusão da barragem a aproximar-se, começou há algum tempo o desmantelamento da linha desde a foz do rio até à estação da Brunheda, a localidade onde se prevê que a albufeira se inicie. O desmantelamento está já concluído, assim como o corte de muitas das árvores que se encontravam abaixo da cota de enchimento.
Os túneis do Tralhariz, das Fragas Más e da Falcoeira já estão tapados e a ponte da Paradela, situada por volta do quilómetro 11, está completamente desprotegida, sendo impossível atravessá-la a não ser que se tenha muita coragem e equilíbrio ou prática de escalada (para atravessar pelo rebordo inferior).
Assim, dos troços que vão ficar submersos, os únicos que são acessíveis por estrada e ainda podem ser percorridos a pé são o troço São Lourenço-Brunheda, para montante, e o que se estende para jusante entre São Lourenço e a ponte da Paradela – sendo que neste caso será necessário voltar para trás pelo mesmo caminho, pois não é possível aceder de carro à zona onde se encontra a ponte.
São Lourenço é lugar de águas termais sulfurosas, especialmente indicadas para o tratamento de doenças reumáticas e da pele. Mas é sobretudo um lugar de ruínas, algumas das quais vão ficar submersas pelas águas da albufeira. Subsiste o edifício do tanque, de planta quadrada e cobertura piramidal de pedra maciça, com uma fonte no exterior. Algumas (poucas) casas têm um aspecto basicamente habitável, e a autarquia decidiu há alguns anos instalar um balneário novo, que continua a funcionar em regime experimental sem que se saiba ainda qual será o seu futuro.
O edifício da estação de São Lourenço continua de pé, e junto a ele está a ser construída uma parede de contenção. É aqui que tem início a pista de brita que é possível percorrer, por enquanto, ao longo deste troço do Tua, seja para montante até Brunheda, seja para jusante até à ponte da Paradela. Nós optámos por esta hipótese, por ser aquela que oferece cenários mais selvagens e variados. Já removidos os carris e as sulipas que antes constituíam a linha férrea, o passeio é praticamente todo feito sobre pedra solta.
Embora esteja nitidamente calcado pela passagem de veículos, não é um tipo de piso fácil para caminhadas, e percorrer os quase cinco quilómetros que separam São Lourenço da ponte da Paradela requer bom calçado, muita atenção e bastante energia, sobretudo se o sol estiver quente. E há que não esquecer um chapéu ou um lenço, protector solar, e muita água. Tem no entanto a vantagem de ser um percurso essencialmente plano, e as vistas sobre o rio que corre alguns metros abaixo de nós, em curvas e contracurvas, muitas vezes precipitando-se em rápidos ruidosos, são de uma beleza única.
Espalhada pela encosta na margem esquerda do rio, do lado oposto à linha, aparece a certa altura a bonita aldeia do Amieiro. É a aldeia que vai ficar mais próxima da albufeira quando esta estiver cheia. Muito branca, destacando-se no meio do casario, a igreja matriz parece vigiar o Tua e tudo quanto se passa cá em baixo. Em tempos servida pela estação de Santa Luzia, agora totalmente demolida, a ligação entre as duas margens fez-se primeiro barcaça, depois por teleférico e mais tarde por uma ponte metálica, que foi destruída em Dezembro de 2002 por uma enxurrada e nunca substituída. Ainda são visíveis os pilares que a suportaram, vestígios que também vão ficar submersos.
Ao chegar à ponte da Paradela, há que decidir: ou se volta logo para trás, ou se tenta descer pela ravina do lado esquerdo até ao ribeiro que dá o nome à ponte, para depois o atravessar e subir pela encosta do outro lado, e daí seguir por mais um ou dois quilómetros até ao túnel da Falcoeira – e a partir desse ponto é que não se consegue progredir mais. A descida requer algum cuidado para não se escorregar na terra arenosa e solta, mas vale a pena, porque lá em baixo é o sítio ideal para descansar e mergulhar os pés cansados na água fresca. As pedras são bastante escorregadias e lodosas nalguns pontos, mas há um pouco mais acima uma zona de águas paradas onde até é possível tomar banho.
O plano de mobilidade do Tua, imposto pelo Estado à EDP como contrapartida da concessão da barragem, prevê que seja estabelecida a ligação entre Foz Tua e Mirandela tanto para fins turísticos como para utilização dos habitantes locais. Haverá um troço misto inicial (veículo sobre carris + funicular), uma ligação de barco entre a barragem e a estação da Brunheda, e finalmente a reactivação dos 33 quilómetros de linha ferroviária entre a Brunheda e Mirandela (podem encontrar mais pormenores em http://www.valetua.pt/desenvolvimento-regional/plano-de-mobilidade/#). Na Brunheda já se notam obras de restauro da linha e da estação, mas resta saber quando é que o plano completo passará totalmente do papel para a prática. Até lá, os habitantes das aldeias do vale do Tua terão de continuar a depender das (sinuosas e estreitas) estradas para se deslocarem entre localidades.
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