Dia 9
Dia feriado em Portugal mas dia de madrugar para nós. Objectivo: ir até Liberia em transportes públicos e aí alugar um todo-o-terreno, para partirmos à descoberta da província de Guanacaste.
Guanacaste é a região noroeste da Costa Rica, e a mais quente e seca. É maioritariamente plana e o seu clima e cultura são únicos no país. Sendo o centro da criação de gado da Costa Rica, está fortemente eivada de hábitos e referências típicas desta actividade que remonta à época colonial, e a figura predominante é a do sabanero, ou vaqueiro (também conhecidos como bramaderos, nome que deriva do gado Brahma). Para além disso, com os seus 1022 km de linha costeira banhada pelo Pacífico, esta zona tem vindo a tornar-se uma das “mecas” do surf, e não só. O aumento acelerado do turismo está a transformar rapidamente a face da região, de que os inúmeros “condomínios” de casas de férias – que mais não são ainda, na sua quase totalidade, do que projectos anunciados e grandes portais de entrada com muros ainda por terminar – são um indicador algo preocupante em termos de futuro.
Mas nós ainda estávamos muito longe de saber tudo isto quando apanhámos o autocarro que faz a ligação regular a Puntarenas às 6 da manhã. Vários outros estrangeiros madrugadores seguiram também no mesmo transporte, sem dúvida com o mesmo objectivo que nós: chegar a Lagartos, junto à estrada Panamericana, e aí apanhar novo autocarro para outra região do país.
De idade certamente vetusta (ou então já muito cansado de inúmeros quilómetros em estradas vagamente asfaltadas) mas confortável q.b., o autocarro lá nos foi sacudindo durante quase duas horas por curvas e contracurvas, subidas e descidas, cortando a paisagem que alterna o verde e castanho da terra com o azul brilhante do céu. De quando em vez, pequenas povoações meio escondidas, algumas mesmo só adivinhadas pela entrada a bordo de homens, mulheres e crianças a caminho da escola ou do emprego, em quantidade tal que os lugares sentados não chegavam para tanta gente.
Com a ideia pré-concebida de que a Panamericana seria uma estrada imponente, só nos apercebemos da chegada ao nosso destino quando todos os outros ocupantes com ar de turistas começaram a sair e o condutor abriu o compartimento das malas. Estávamos simplesmente num lugarejo com meia dúzia de casitas à beira de uma estrada em tudo semelhante às nossas vias secundárias mais depreciadas, embora cruzada quase constantemente por um sem fim de viaturas, na sua grande maioria camiões de envergadura respeitável deslocando-se a velocidades quase temerárias.
À beira da estrada, dois bancos com uma cobertura assinalavam o local de paragem dos autocarros. Além de nós havia apenas mais meia dúzia de turistas. Um casal de americanos com quem falámos brevemente aguardava o autocarro de longo curso para a Nicarágua, que não tardou. Quanto a nós, ainda estivemos à espera cerca de um quarto de hora até aparecer o que se dirigia a Liberia, 88 km mais a norte.
Desta vez a viagem foi mais confortável, mesmo demorando quase duas horas. A Panamericana é asfaltada e o autocarro rolou suavemente durante todo o percurso, apesar das inúmeras paragens e alguns desvios pelo interior de uma ou outra localidade. Às 10 da manhã encontrávamo-nos no terminal de Liberia, onde descobrimos que até ao aeroporto, onde está localizada a maioria dos rent-a-car, ainda teríamos de apanhar mais um transporte.
Liberia é a segunda maior cidade da Costa Rica e a sua capital histórica, fundada em 1769. Situada sensivelmente no centro da província de Guanacaste, é conhecida como Cidade Branca, nome que se deve às suas casas caiadas, e nela ainda estão presentes muitas das características da época colonial. Ao contrário de San José, a construção em altura é praticamente inexistente, o tráfego de veículos pouco intenso e o ambiente descontraído e sem pressas, talvez por efeito do calor ardente.
Vinte e cinco minutos e algumas perguntas depois lá partimos num outro autocarro, onde uma tica simpática trocou de lugar comigo para podermos ir os dois juntos e ao pé da nossa bagagem. Também nos indicaram a paragem mais perto do escritório do Dollar rent-a-car, virtualmente no meio de nenhures, onde finalmente descemos do nosso último transporte público na Costa Rica. Iríamos iniciar uma nova fase da viagem, deslocando-nos de forma mais autónoma e consoante a nossa vontade, com aquela liberdade que só um transporte próprio – mesmo que alugado – pode proporcionar.
Atendidos por um empregado simpático e despachado, o todo-o-terreno eleito foi um Suzuki Jimny de cor beije, com caixa de velocidades manual e ar condicionado, pequeno mas suficiente para as nossas malas e o tipo de viagem que queríamos fazer dali para a frente. Às onze e meia estávamos finalmente de partida, mapas e guias na mão, para começarmos a explorar as praias de Guanacaste.
Sendo a costa tão grande, seria impossível percorrê-la toda e tivemos de seleccionar algumas das praias que as nossas pesquisas indicavam serem mais interessantes. Começámos pela Playa Panamá, que dista apenas 20 km de Liberia. Localizada na Baía Culebra, uma área de beleza natural, é uma praia bonita em formato de meia lua, bordejada de árvores; mas a areia escura e pouco limpa não convidava a alongarmo-nos por ali.
Seguimos durante mais 4 km até à Playa Hermosa, maior e com um areal mais claro e cuidado, e visivelmente mais frequentada. A um rapaz que nos propôs um passeio de barco perguntámos se havia algum local perto onde se pudesse comer, e ele indicou-nos a soda Los Ranchos, não muito longe dali e pertencente a uns seus familiares, garantindo-nos que aí comeríamos bem. Conseguimos dar facilmente com o local, convenientemente situado à beira da estrada, e instalámo-nos numa das várias mesas rústicas colocadas no exterior, um alpendre com cobertura de palha. A sombra amenizava um pouco o calor daquele que era sem dúvida para nós o dia mais quente desde que tínhamos chegado à Costa Rica. Decidimos experimentar o ceviche, um prato de entrada típico com peixe e camarão marinados em sumo de limão com alho, cebola e pimentos, que estava verdadeiramente fresco e apetitoso.
A paragem seguinte, mais de 60 km para sul, foi na Playa Brasilito. Mais concorrida e cosmopolita que as anteriores, está também encastrada numa baía de águas calmas e areal bordejado por palmeiras e guanacastes de largos troncos retorcidos. Praticamente deserta àquela hora de calor, na praia apenas se viam algumas pessoas passeando a cavalo, e mais umas quantas abrigadas à sombra das árvores.
Mesmo ao lado, a uns meros dez minutos de distância, encontra-se uma das mais originais praias da Costa Rica: a Playa Conchal. Sob o sol ainda alto do princípio da tarde, a sua areia fina de tom rosa nacarado brilhava a ponto de ofuscar, em harmonia com os verdes e azuis da água do mar. O nome da praia e a cor da areia vêm da enorme quantidade de partículas minúsculas de conchas que a incorporam e que o passar do tempo quase transformou em pó. Ilhotas espreitam ao longe, e as pequenas elevações que rodeiam a praia estão pontilhadas de casas de férias. Colado à praia, o Paradisus Playa Conchal, um resort de luxo que pertence à cadeia Sol Meliá e é sem dúvida um dos mais famosos do país, ocupa uma boa fatia da encosta, mas estranhamente os hóspedes parecem preferir a piscina à praia – ouvia-se nitidamente a animação do lado de dentro dos muros do complexo, mas a praia não tinha ninguém e à sombra das árvores só se encontravam ticos a descansar ou a comer.
Durante o resto da tarde continuámos para sul, parando duas ou três vezes para espreitar as praias cujos nomes nos pareciam mais sugestivos ou acerca das quais tínhamos alguma indicação. Ignorámos propositadamente a Playa Tamarindo, bem sinalizada e servida por uma das poucas estradas asfaltadas que encontrámos em toda a província, o que se justifica pela enorme popularidade que o local tem como spot privilegiado para a prática do surf, mas que a nossa pesquisa prévia nos tinha indicado como demasiado turística e desprovida de interesse. A vista de olhos que demos de longe não pareceu contradizer essa opinião, e o movimento na estrada e nos arredores não prenunciava o descanso pelo qual já suspirávamos.
Eram cinco e um quarto da tarde quando finalmente chegámos a San Juanillo, com quase 190 quilómetros percorridos por estradas poeirentas, pedregosas e cheias de curvas que nos deixaram o corpo moído e a cabeça zonza. Embora a localidade não tivesse à primeira vista um aspecto particularmente atraente, por aquela altura precisávamos com urgência de descansar, e o hotelzinho que tínhamos descoberto na net pareceu-nos suficientemente agradável para o efeito, com a vantagem de ser também restaurante. A decisão provou mais tarde ser acertada... e muito.
O Hotel El Sueño é uma construção baixa em madeira que se desdobra em volta de um pequeno jardim relvado com crotons, pequenas palmeiras e algumas árvores, entre elas uma enorme árvore da papaia frequentada por macacos-uivadores, e uma fonte de pedra no centro onde pássaros vão beber. O edifício de entrada está pintado de azul-água e abriga o restaurante e o bar, que funciona como music lounge em alturas mais movimentadas. Os quartos estendem-se do outro lado do jardim, todos com entrada directa pelo exterior, um pequeno alpendre com uma mesa e cadeiras, e uma casa de banho espaçosa. Ao lado da porta, uma janela grande e só parcialmente envidraçada, com um estore de palhinha, infelizmente demasiado fino para evitar a entrada da luz matinal e me deixar dormir depois das cinco da manhã. Um quarto agradável e sobretudo sossegado, onde só se ouviam os sons dos animais e uma ou outra voz humana.
Éramos os únicos clientes do hotel, e o restaurante também poucos mais tinha. Tanto o cozinheiro como o gerente, que desempenhava as funções de barman e empregado de mesa, eram dois rapazes novos, simpáticos e competentes. Optámos por pratos de massa, um deles especialidade da casa, que estavam muito bem confeccionados e apetitosos. Foi um jantar tranquilo e muito reconfortante num ambiente sossegado, com música de fundo e luzes baixas, envolvidos pela atmosfera cálida da noite.
Depois do jantar pensámos em dar um passeio até à praia. Mas San Juanillo ainda é uma aldeia piscatória e como tal a luz eléctrica só existe nas ruas principais, que têm pequenas casinhas simples espalhadas de um lado e do outro. Quando chegámos ao caminho de acesso à praia lamentámos a falta da nossa lanterna, porque a escuridão densa não nos deixava ver onde púnhamos os pés e o percurso revelava-se cheio de pedras, arbustos e raízes de árvores. Acabámos por desistir do passeio na praia ao luar e regressámos ao quarto, para finalmente descansarmos.
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