Alarcón e os murais de Jesús Mateo
Alarcón é uma pequena vila a pouco mais de cem quilómetros de Cuenca, nessa província de Castilla-La Mancha imortalizada por Cervantes mas cuja paisagem nos surpreende frequentemente, por ser tão mais variada do que a epopeia de D. Quixote nos leva a imaginar. As suas origens perdem-se no tempo: foi fortaleza muçulmana, depois vila comunal livre e mais tarde pano de fundo de guerras senhoriais. As épocas áureas alternaram com períodos de esvaziamento progressivo, tendo o seu poderio terminado definitivamente no séc XIX. Restou-lhe no entanto um bem conservado património monumental, declarado Conjunto Histórico-artístico em 1981.
Empoleirada numa elevação contornada pelo rio Júcar, esse rio calmo que nos oferece uma multiplicidade de cores tão diferentes quantas as localidades por onde vai passando, a vila mostra-se sossegada neste início de Outono soalheiro. O que se vê primeiro é o Castelo, hoje transformado em Parador de Turismo, que foi em tempos palco de episódios históricos importantes. Mais à direita, numa elevação gémea, a Torre de los Alarconcillos, estranhamente só e sobranceira ao rio.
Mas o que nos levou a Alarcón foi uma dessas circunstâncias fortuitas que por vezes ocorrem durante uma viagem com alguns destinos certos e outros por escolher. Neste caso concreto, um folheto encontrado no balcão da casa rural onde nos alojámos nos arredores de Cuenca.
Este folheto dava a conhecer um projecto vanguardista executado na antiga Igreja de San Juan Bautista, em Alarcón, por um jovem pintor de nome Jesús Mateo. Os comentários feitos por algumas personalidades conhecidas e inseridos nesse folheto, com especial destaque para José Saramago, levaram-nos a querer ir ver “in loco” esses murais únicos e arrojados apadrinhados pela UNESCO, que os classificou como obra de interesse artístico mundial.
A viagem vale a pena. Nesta bela igreja que data dos finais do séc. XVI, agora totalmente restaurada e cujo interior se encontra vazio, excepção feita a dois grandes bancos corridos em madeira para utilização dos visitantes, descobrimos um mundo onírico que evoca, pelas formas e pelas cores, a pintura primitiva, ao mesmo tempo “naif” e surreal. É uma obra esmagadora pela dimensão, surpreendente pelo contraste entre o vanguardismo da temática dos murais e o cariz religioso da arquitectura do edifício, simultaneamente envolvente e remetendo para espaços sem fim. A luz quase irreal que penetra pelas escassas e estreitas janelas da igreja é o contraponto exacto para as tonalidades sombrias da pintura, o preto como fundo para uma paleta de cores terra que nos transmite uma sensação de regresso às origens, como se estivéssemos a assistir ao princípio do mundo. É um lugar com alma própria, que se pode amar ou – quem sabe? – detestar, mas ao qual de certeza ninguém fica indiferente.
E este é um dos maiores encantos de viajar: encontrar lugares que nos surpreendem e enriquecem.
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