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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Ter | 16.01.18

O Trilho da Mina de Ouro do Conhal

 

Fresquinho, fresquinho, praticamente acabado de inaugurar – há precisamente um mês – o PR9 NIS Trilho da Mina de Ouro do Conhal (não confundir com o PR4, que também é conhecido como Trilho do Conhal) é um percurso pedestre fácil, extremamente bonito e com variados pontos de interesse. Uma verdadeira e muito agradável surpresa.

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Este trilho desenvolve-se entre Santana, na aldeia do Arneiro, e a área junto ao rio Tejo a que se dá o nome de Pego das Portas, passando depois pela zona conhecida como Conhal. São 8,5 km que se percorrem facilmente (no sentido dos ponteiros do relógio) em cerca de 3 horas e com um desnível entre a altura máxima e mínima de apenas cerca de 140 metros.

 

Embora o circuito esteja situado dentro do Concelho de Nisa, o acesso mais rápido (para quem vem de oeste) é pela saída da A23 que nos leva até Vila Velha de Ródão, passando depois a ponte para continuar pela N18 na direcção de Nisa até ao desvio para o Arneiro.

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O ideal é começar o passeio pela visita ao Centro Interpretativo do Conhal, que fica na antiga Escola Primária, ao pé da igreja (não usem o Google Maps, vai mandar-vos para um sítio errado; basta seguirem a seta que indica “escola”, ou então perguntem a alguém). No Centro Interpretativo, que mantém a traça original da escola, é possível ver um vídeo sobre o conhal, para percebermos melhor o percurso além de ficarmos a conhecer alguns pormenores sobre a etnografia e a vocação da aldeia do Arneiro. No piso de cima há um espaço especialmente concebido para as crianças, mas a sala mais bonita é a dedicada ao rio Tejo e à actividade piscatória tradicional da aldeia, onde está exposto um picareto (barco típico) e cujo chão está absolutamente original, lindíssimo e muito bem executado.

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O percurso tem início mesmo ao lado do Centro Interpretativo, e começa logo com uma subida. Mas não se assustem – não é muito grande e no resto do caminho apenas há mais duas ou três subidas ligeiras nesta parte inicial, que se desenvolve no topo do monte, e outra lá mais para o fim, ao regressar à aldeia.

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Trilho da mina de ouro do Conhal - Arneiro.JPG

Do marco geodésico que marca o ponto mais alto – a Serrinha, 211 metros acima do nível do mar – temos uma vista panorâmica sobre a área circundante, com a mancha de pedra acastanhada do Castelo do Rei Vamba a destacar-se na distância. Deveria estar rodeado de verde, mas o incêndio que lavrou em finais de Julho do ano passado nas Portas de Ródão transformou o verde em castanho, e por entre os esqueletos carbonizados dos pinheiros a cor que mais sobressai é o cinzento do granito.

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Trilho da mina de ouro do Conhal - Serrinha.JPG

Trilho da mina de ouro do Conhal - Portas de Ród

Deste lado, felizmente, o cenário é diferente e depois de uma primeira parte algo insípida (por falta de vegetação) entramos numa zona bem arborizada. Aqui a espécie vegetal característica a destacar é o zimbro – uma espécie de baga (na realidade está mais perto de ser um fruto) que adquire uma cor muito escura quando amadurece. Só para se situarem, são estas bagas que dão o principal sabor ao gin, portanto eu não aconselharia que experimentassem comê-las…

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Trilho da mina de ouro do Conhal - zimbro (1).JPG

Trilho da mina de ouro do Conhal - zimbro (3).JPG

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A parte mais deliciosa do passeio começa quando chegamos ao miradouro da Serrinha. O arvoredo abre e de repente entra-nos pelos olhos o azul-forte do Tejo, que ali, deste lado das Portas de Ródão, é um enorme espelho de água parada a reflectir a cor do céu. Deslumbrante é o adjectivo mínimo que se pode usar para descrever a paisagem. O rio transformado em lago, onde nem sequer falta uma quase-ilha (a Ilha das Virtudes), rodeado de verde, com as Portas como fundo… O sossego, só quebrado pelos ruídos habituais na natureza, os pássaros que piam, o ladrar de um cão, um balido de ovelha ou o som dos seus chocalhos. E até um banquinho estrategicamente colocado convida a descansar um pouco e apreciar tudo isto.

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Trilho da mina de ouro do Conhal - Miradouro da Se

Trilho da mina de ouro do Conhal - Portas de Ród

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A descida que se segue é algo íngreme, mas quem concebeu este trilho pensou em tudo e foram instalados degraus de madeira e um corrimão para ajudar. E lá vamos nós por ali abaixo, sempre na abençoada sombra das árvores, até termos água novamente à frente dos nossos olhos. Aqui é a foz da Ribeira do Vale, e no sítio onde a ribeira se encontra com o Tejo formou-se uma ilha a que dão o nome de Cabecinho.

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Trilho da mina de ouro do Conhal - Ilha do Cabecin

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Trilho da mina de ouro do Conhal - foz da Ribeira

Trilho da mina de ouro do Conhal - foz da Ribeira

Para viabilizar este percurso foram construídas duas pontes suspensas, a primeira sobre a Ribeira do Vale e a segunda um pouco mais à frente, para ligar à ilha do Cabecinho. Neste sítio já estamos pouco acima do nível do Tejo e mais perto das Portas de Ródão. A Ilha das Virtudes, junto à outra margem do rio, é local de poiso de inúmeras aves, sobretudo corvos-marinhos e cegonhas. O ideal é levar binóculos ou uma máquina com um bom zoom para observar a passarada – sobretudo os corvos-marinhos, que são muito engraçados quando decidem ficar imóveis de asas abertas, a apanhar sol. Gosto imenso de observar animais em liberdade. Quando era miúda e viajava de carro em Portugal com os meus pais não era muito habitual ter estes “encontros imediatos”, a não ser com aqueles animais mais corriqueiros, como patos ou gaivotas, eventualmente uma cegonha ou uma lebre. Não sei se era por haver menos diversidade de fauna, por não estar desperta para observar atentamente, ou porque os lugares onde íamos não eram suficientemente “selvagens”, mas a verdade é que hoje em dia nestes percursos (e não só) conseguimos ver ou pelo menos vislumbrar uma grande variedade de animais nos seus habitats.

Trilho da mina de ouro do Conhal - foz da Ribeira

Trilho da mina de ouro do Conhal - foz da Ribeira

Trilho da mina de ouro do Conhal - foz da Ribeira

Portas de Ródão - corvos-marinhos na ilha das Vi

Portas de Ródão - corvos-marinhos na ilha das Vi

Portas de Ródão - corvos-marinhos na ilha das Vi

Portas de Ródão - cegonhas na ilha das Virtudes.

A ilha do Cabecinho é pequenina – uma ilhota, a bem da verdade. Tem uma casa em ruínas e muitos pinheiros. Também tem agora uma mesa e bancos, que obviamente darão muito jeito a quem quiser piquenicar ou simplesmente descansar um bocado.

Trilho da mina de ouro do Conhal - Ilha do Cabecin

Trilho da mina de ouro do Conhal - Ilha do Cabecin

Trilho da mina de ouro do Conhal - Ilha do Cabecin

Trilho da mina de ouro do Conhal - Ilha do Cabecin

Trilho da mina de ouro do Conhal - Ilha do Cabecin

Saindo da ilha novamente pela ponte, o percurso continua sempre junto ao Tejo, primeiro entre oliveiras e depois no meio de vegetação mais cerrada. Passam-se umas ruínas identificadas como “Abrigo do Pescador” e pouco depois entramos em campo aberto. Estamos no Pego das Portas, local onde em tempos existiu um cais para as barcas que aqui faziam a travessia entre as duas margens do Tejo. As barcas já desapareceram, mas a vocação do lugar mantém-se, agora com um ancoradouro para as embarcações mais modernas que são actualmente utilizadas para a pesca no rio.

Trilho da mina de ouro do Conhal - Abrigo do Pesca

Trilho da mina de ouro do Conhal - Pego das Portas

Trilho da mina de ouro do Conhal - Pego das Portas

Trilho da mina de ouro do Conhal - Pego das Portas

Trilho da mina de ouro do Conhal - Pego das Portas

Mas este local é especial também por outras razões: é deste lado das Portas de Ródão que podemos ver os grifos que fazem parte da maior comunidade destas aves existente no nosso país. Claro que só conseguimos vê-los de longe, pairando junto às escarpas ou sobre as nossas cabeças, embora conste que se aproximam mais nos dias em que os alimentadores da Quercus vêm distribuir comida. Também estes grifos, além de outras espécies de aves, foram afectados pelos incêndios de Julho, tendo ficado reduzidos a menos de metade.

Trilho da mina de ouro do Conhal - Pego das Portas

Trilho da mina de ouro do Conhal - Pego das Portas

Trilho da mina de ouro do Conhal - Pego das Portas

A partir do Pego das Portas o percurso muda significativamente de aspecto e faz-se quase todo pela estrada de terra batida que segue para a aldeia do Arneiro. Logo a seguir ao Pego passa-se entre uns barracões guardados por dois enormes cães (que estão presos por correntes e não param de ladrar furiosamente enquanto passamos) e mais à frente vira-se à direita seguindo a placa que indica Castelejo. É aqui que entramos verdadeiramente na zona que dá o nome ao trilho: o Conhal do Arneiro.

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Aquando da ocupação da Península Ibérica pelos Romanos, desenvolveu-se nesta área uma exploração mineira de ouro de aluvião que se prolongou até à Idade Média, passando depois a ser feita de forma bem menos regular até ao século passado, segundo consta. Daqui terão saído mais de 3 toneladas de ouro na época romana. A técnica usada para extrair o ouro fazia uso da força motriz da água que vinha das serras adjacentes através de canais escavados. As pedras maiores iam sendo retiradas manualmente e transportadas para sítios mais afastados da zona de exploração, para não atrapalharem os trabalhos. Essa área cobre hoje entre 60 e 70 hectares, e a sua grandeza é bem visível do alto das Portas de Ródão: são pilhas e pilhas de calhaus rolados (conhos) amontoados por entre as árvores e os arbustos que ladeiam o caminho que nos leva até ao Castelejo.

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O Castelejo é uma pequena elevação no meio do Conhal, de onde conseguimos ter alguma percepção da magnitude do empreendimento que foi levado a cabo na zona. Há locais onde as pilhas de conhos terão chegado a atingir cinco metros de altura, mas antes da sua classificação como área arqueológica e geossítio do Geoparque Naturtejo da Meseta Meridional muita desta pedra foi vendida para brita (na sua maioria a empresas espanholas, segundo nos foi dito).

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De regresso à estrada, a parte final do percurso faz-se entre oliveiras perfiladas de ambos os lados – quase parecem soldados a guardar um ouro que já há muito desapareceu.

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Até ao Arneiro é mais uma meia hora de caminho, mas ao atravessar a aldeia o melhor mesmo é fazer uma paragem para repor energias e conhecer a gastronomia tradicional da zona, cujo prato mais genuíno são as sopas de peixe (carpa, geralmente). “O Túlio” é o restaurante ideal, por várias razões. Atendem-nos a qualquer hora, desde que se marque com alguma antecedência e depois se avise uma meia hora antes de chegar, para poderem começar a preparar a comida. Indo após a enchente do almoço ficamos com o restaurante por nossa conta, e assim dá para apreciar com calma o peixe frito que servem de entrada, as sopas de peixe (de preferência regadas a Alvarinho), e no fim um belo arroz doce. Depois, a cereja no topo do bolo: o Sr. Inácio (um dos donos da casa) vai buscar a viola e de repente estamos em plena tertúlia musical, onde desfilam Pink Floyd à mistura com temas originais cantados em português. Uma delícia!

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Já quase a chegar à Igreja de Santana e ao Centro Interpretativo, um grupo de senhoras sentadas em banquinhos aproveita o agradável sol do fim de tarde, enquanto as mãos se afadigam com agulhas e linhas. Uma delas, a D. Nazaré, tem à sua frente um rebolo cheio de alfinetes, e enquanto trabalha ouvem-se os barulhinhos secos de madeira a bater contra madeira: é uma lindíssima peça em renda de bilros que cresce perante os nossos olhos, pasmados e baralhados pela rapidez com que ela constrói pétalas e folhas com simples movimentos e trocas daquelas pequenas peças de madeira onde se enrola uma linha branca e fininha. É quase uma dança... Uma arte que está a desaparecer aos poucos no nosso país – porque é difícil e requer dedicação, talento e gosto, um conjunto de virtudes que estão em extinção, tal como esta renda.

Trilho da mina de ouro do Conhal - Igreja de Santa

Trilho da mina de ouro do Conhal - Igreja de Santa

Trilho da mina de ouro do Conhal - Arneiro - Renda

Trilho da mina de ouro do Conhal - Arneiro - Renda

Trilho da mina de ouro do Conhal - Arneiro - rende

O Trilho da Mina de Ouro do Conhal é, por todas estas razões e certamente mais algumas, um percurso excelente para passar umas horas em contacto directo com a natureza e ao mesmo tempo ficar a conhecer mais um pouco da riqueza paisagística, histórica e cultural do nosso país, que nunca pára de nos surpreender.

 

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