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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Seg | 10.07.17

O fascínio das aldeias portuguesas

Em contraponto a esta imensa aldeia global em que o nosso planeta parece estar a tornar-se existe aparentemente, pelo menos na Europa, um crescente movimento de vontade de individualização, de necessidade da preservação de identidade cultural, de uma espécie de regresso às origens. Este movimento está a originar um ressurgir progressivo das aldeias portuguesas, quer pelo interesse de que são alvo por quem as visita, quer pela vontade de recuperação e repovoamento por parte de quem lá vive ou aí tem as suas origens.

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Nos seus menos de 100 mil metros quadrados, o nosso país abriga inúmeras aldeias riquíssimas em história, tradição, gastronomia, cultura e património artístico, todas elas a merecerem atenção. Nalguns casos, a fama precede-as, e recebem milhares de visitantes por ano; noutros casos, há verdadeiras jóias praticamente desconhecidas da maior parte das pessoas, algumas delas abandonadas e em ruínas, outras cheias de vida e cor mas mesmo assim fora dos roteiros turísticos mais movimentados.

 

Estas são algumas das minhas preferidas:

 

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Aninhada numa cova entre três serras, invisível a partir das estradas que serpenteiam em redor, a aldeia da Drave tem o poder de enfeitiçar quem se decide a conhecê-la. A tarefa não é fácil: inacessível de carro, com um todo-o-terreno consegue-se ir até cerca de 1 km da aldeia, mas com um carro vulgar fica-se na melhor das hipóteses a quase 3 km de distância, e se a descida é relativamente pacífica, o regresso implica uma dolorosa hora de subida em declive por vezes bastante acentuado. Mas acreditem que vale a pena. Tem uma capelinha, branca no meio da pedra castanha, ribeiros que a contornam e até mesmo uma pequena cascata, árvores para piquenicar à sombra, um fantástico prado verde que parece saído dos livros, pontes de madeira, casas em ruínas, e um ambiente mágico.

Sem qualquer habitante nos dias que correm, e sem ter electricidade, água canalizada ou saneamento, a Drave (sim, diz-se “a” Drave) está actualmente “à guarda” do Drave Scout Centre (www.dravescoutcentre.com), um centro escutista que ali desenvolve regularmente as suas actividades.

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Em Idanha-a-Velha o tempo parece imobilizar-se como se estivéssemos numa planície alentejana e não em terras da Beira interior. A pedra é omnipresente: nos edifícios restaurados, nas pontes e monumentos, nas ruínas - em cada canto há vestígios do passado, perpetuados em pedra, lembrando que aqui existiu uma importante cidade romana, mais tarde a visigótica Egitânia, que acabaria por ser tomada e destruída pelos mouros.

As casas em pedra à vista alternam com outras pintadas de branco, convivendo ombro a ombro sem conflitos. As cortinas-mosquiteiras são acinzentadas e não ofendem a vista, e às caixas externas que protegem os contadores da água e da luz foi dado um falso ar ferrugento, para passarem despercebidas. A cor fica por conta das flores, que são sobretudo rosas. Não há fachada de casa que não tenha roseiras a trepar pelas paredes, e vê-se que os poucos habitantes de Idanha-a-Velha têm gosto em alindar a sua aldeia.

Há muito que ver nesta aldeia, perdida no limbo entre um passado florescente e um futuro diáfano, resguardando das vistas de quem passa a riqueza histórica e cultural que abriga no seu interior.

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Penha Garcia é uma vila pacata mas cheia de charme, com origens que remontam a D.Sancho I – e possivelmente até anteriores. Estendendo-se na encosta da serra granítica que tem o mesmo nome, desdobra-se em ruas íngremes que desembocam em pequenos largos rodeados de casas em pedra ou brancas de cal. Do alto do castelo, a vista deslumbra: de um lado, o casario da aldeia e a verde planície beirã; do outro, o vale do rio Pônsul, actualmente aprisionado numa barragem e de onde escorre apenas em versão de ribeiro. Descer até ao vale é entrar num túnel do tempo. Nas margens do Pônsul sobrevivem azenhas, em tempos importantes para a vida da aldeia e que têm vindo a ser recuperadas a pouco e pouco. Mas mais interessantes ainda são os icnofósseis que sobrevivem bem visíveis nas paredes rochosas, vestígios dos Trilobites que dominaram os mares há centenas de milhões de anos.

Aproveitando as águas da barragem, foi há alguns anos construída no vale a praia fluvial do Pego, uma espécie de “piscina” rodeada por um passadiço em madeira e alimentada por uma queda de água, formando um recanto verdadeiramente idílico.

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Antiga aldeia de pescadores, além do belíssimo e extenso areal que lhe dá o nome a praia da Tocha tem um curioso núcleo habitacional formado pelos antigos palheiros onde eram guardados em tempos idos os materiais da pesca, ou que serviam de armazém para a salga do peixe. Hoje estes palheiros recuperados conhecem uma nova vida e sevem essencialmente como casas de férias, mantendo a traça e os materiais originais e, em muitos deles, os seus padrões genuínos com riscas fininhas em duas cores, em contraste alegre com o tom quase branco da areia.

A designação de “palheiros” vem do facto de originariamente os telhados destas casas serem feitos de palha. Nos nossos dias, a palha já foi substituída pelas telhas, mas o nome tradicional permanece. A procura turística como lugar de veraneio resultou num óbvio crescimento urbanístico da aldeia, mas felizmente de forma contida e sem afectar muito as suas características tradicionais. E na praia, a arte xávega permanece viva e é um dos motivos de atracção e curiosidade para quem vem de fora.

 

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As aldeias avieiras foram criadas no início do séc. XX por pescadores oriundos de Vieira de Leiria, que vinham pescar ao Tejo durante o Inverno e regressavam à sua terra e à sua faina pesqueira habitual nos meses mais amenos. O Escaroupim é uma dessas aldeias e nela subsistem algumas casas tradicionais, construídas sobre estacas para evitar as inundações durante as cheias frequentes do rio e pintadas de cores vivas, as mesmas cores do barco que pertencia ao seu dono. Restauradas e agora dedicadas ao comércio ou funcionando como museu, enchem de cor esta aldeia – que é minúscula, mas senhora de um carácter bem original.

O cais palafítico, também renovado, abriga os barcos dos pescadores ainda activos, e foram construídos mais alguns cais onde atracam as embarcações protegidas com toldos que se dedicam a levar grupos de pessoas em passeio pelos mouchões (ilhotas formadas pela acumulação de aluviões) do Tejo, habitats únicos para muitas aves, peixes e até cavalos.

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Perto de Mértola, numa das mais bonitas zonas do nosso Baixo Alentejo, a Mina de S. Domingos é uma aldeia absolutamente fora do comum. Dona de uma lindíssima e bem cuidada praia fluvial, de uma imponente igreja branca com laivos de mesquita que terá sem dúvida sido inspirada na Igreja Matriz de Mértola, a sua origem entrelaça-se com a história da exploração mineira que funcionou na região entre 1858 e 1965.

Mas é na Achada do Gamo, um dos locais onde se desenvolveu essa exploração, que deparamos com uma paisagem de ficção científica ímpar no nosso país: edifícios em ruínas, equipamentos abandonados, lençóis de água parada com cores acobreadas ou amareladas e vastas áreas pedregosas; um cenário pós-apocalíptico surpreendentemente atraente – e profundamente silencioso. Apenas se ouve o som da terra pisada pelos nossos passos, e esporadicamente o piar de uma ave muito ao longe. Ali é terra-de-ninguém, contaminada, onde rara vegetação cresce e que os animais evitam. Edifícios meio desfeitos, extirpados, estruturas expostas, os tons da pedra manchados pela ferrugem, o cinzento do solo declinado desde o quase branco até ao negro-carvão.

Existe um projecto para recuperar a área, por isso é muito provável que tudo isto mude (ou desapareça) em breve.

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Verdadeiro prodígio da natureza, há mais de 800 anos que aqui se extrai sal puro, com uma produção que chega actualmente a atingir as duas mil toneladas anuais. O segredo destas salinas sem mar está no subsolo, rico em sal-gema, que permite na época mais seca a extracção de água salgada até à superfície, onde fica a evaporar em talhões para dela apenas restar o sal, que é depois retirado e armazenado para posterior escolha e embalamento – sem ser submetido a qualquer processo químico. O método de exploração destas salinas permanece quase inalterado desde há séculos, e quase completamente manual, pois poucas concessões têm sido feitas à modernidade, a bem da qualidade do produto.

Na estrada que rodeia as salinas, as pequenas casinhas de madeira onde em tempos se armazenava o sal (porque a madeira é resistente à humidade e à corrosão pelo sal) estão hoje convertidas ao comércio, mas não perderam a sua graça.

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Surpreendente é o mínimo que se pode dizer da Pia do Urso. E por várias razões.

A lenda diz que o topónimo da aldeia vem de longe, quando ainda havia ursos em Portugal e o lugar, abundante em água, era frequentado por pelo menos um exemplar da espécie. Verdade ou não, este animal é o ex libris da aldeia, e a sua imagem está por todo o lado nas mais variadas versões.

Conta também a história que esta foi zona de ocupação romana, e que por aqui passaram em 1385 os exércitos do Condestável a caminho da célebre batalha de Aljubarrota e mais tarde, no séc. XIX as tropas invasoras francesas. Bem comprovada que está a antiguidade do lugar, a aldeia de hoje certamente terá pouco a ver com a do passado. Típica aldeia serrana, com habitações em pedra e madeira, o trabalho de recuperação e requalificação de que tem vindo a ser alvo transformou-a num local florido, limpo e bem ordenado – uma espécie de postal ilustrado, que poderá desagradar a quem goste pouco de restaurações demasiado estéticas mas irá com certeza encantar a maioria dos visitantes. Rodeada pelo verde da serra, com ruas onde só aos habitantes é permitido o trânsito automóvel, sente-se no ar da aldeia o cheiro das árvores e das flores que trepam pelas paredes das casas, a maioria delas decoradas com pormenores fora do comum.

A Pia do Urso é também a “casa” do primeiro Ecoparque Sensorial do país, um agradabilíssimo percurso ao ar livre concebido a pensar nas pessoas invisuais e na possibilidade de apreensão do meio que nos rodeia através de sentidos como o olfacto, o tacto ou a audição.

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 (Artigo publicado na Revista Inominável #8 e no blogue da revista)

 

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