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Viajar porque sim

Paixão por viagens, escrita e fotografia

Sab | 15.03.14

Diário de uma viagem à Costa Rica VIII

 

Dia 8

 

Monteverde foi fundada por um grupo de Quakers norte-americanos originários de Fairhope, no Alabama, que migraram para esta zona em 1951. Lavradores e produtores de lacticínios por natureza, dedicaram-se à criação de gado e abriram em 1953 a Fábrica de Queijo de Monteverde, dando origem a uma importante actividade comercial que ainda hoje suporta economicamente a região – são produzidos por dia aproximadamente 1550 kg de dezassete diferentes variedades de queijos.

 

A vasta área que não foi aproveitada para a agro-pecuária constitui hoje a Reserva da Floresta Nebulosa de Monteverde, onde chegámos quase às oito da manhã depois de mais uma sacudida viagem de autocarro. O ar já estava a aquecer, embora a humidade criasse frescura nos locais mais sombrios, provocando arrepios. No céu azul com poucas nuvens, nem prenúncio de chuva. Aliás, foram raras as vezes em que a chuva caiu durante toda a nossa viagem, apesar de teoricamente estarmos quase no início da estação húmida.

Ao comprarmos as entradas (que aqui também são válidas para o dia inteiro, mesmo que se saia do parque mais do que uma vez) o recepcionista deu-nos um mapa da Reserva e indicou-nos todos os trilhos que poderíamos percorrer e a duração aproximada de cada percurso, além daqueles por onde não deveríamos aventurar-nos, por estarem em mau estado ou em manutenção.

A Reserva Biológica da Floresta Nebulosa de Monteverde é gerida pelo Centro Científico Tropical e tem uma área de 105 km2. Devido às condições atmosféricas particulares da região, a flora exibe uma diversidade notável e a vida selvagem é abundante e variada. Estão identificadas 500 espécies de borboletas, mais de 150 de anfíbios e répteis, e cerca de 100 espécies de mamíferos, além das 400 de pássaros. Entre estes, o mais famoso de todos é sem dúvida o quetzal resplandecente, e por sorte escolhemos a altura do ano em que seria mais provável ver algum, uma vez que a época em que se encontram mais activos é a da nidificação, precisamente entre Abril e Maio.

 

Mal tínhamos percorrido uma centena de metros quando a nossa atenção foi despertada por um ajuntamento de visitantes e guias, todos de olhos e binóculos apontados para uma determinada árvore. Procurando atentamente, conseguimos descortinar um quetzal fêmea – menos colorida e plumosa que o macho – que se deixava tranquilamente observar, pousada num ramo alto. Então, quando tentávamos encontrar um local melhor para tirarmos mais umas fotos, a uniformidade verde foi subitamente quebrada por um relâmpago de penas esvoaçando em tons de amarelo, vermelho e azul, uma visão deslumbrante e fugaz de um quetzal macho que voava de uma árvore para outra. Não consegui impedir-me de soltar um grito de entusiasmo por ter conseguido vislumbrar aquele que era um dos meus objectivos para esta visita – e que, infelizmente, desapareceu tão rápido como tinha surgido.

Como tínhamos planeado passar a maior parte do dia na Reserva, iniciámos o passeio pelo trilho Bosque Nuboso, que se estende por 1900 metros ao longo do lado sul da floresta. É um dos caminhos mais bonitos, onde vimos belíssimos exemplares de figueiras estranguladoras, flores desconhecidas e muitos pássaros de porte pequeno. Tem alguns troços inclinados e quase no final, saindo do trilho principal durante trezentos metros, acede-se a um miradouro a que chamam La Ventana – a cerca de 1600 metros de altura, o suficiente para se ver toda a paisagem até além do golfo.

 

Chegámos depois a uma confluência de vários trilhos, uma área ampla desbastada em estão colocados bancos e mesas de madeira que nos convidaram a descansar e enganar a fome com algumas barras de cereais. Alegrias-da-casa em tons variados de rosa, do alaranjado ao quase branco, quebravam a hegemonia de verde à nossa volta, onde até os troncos das árvores estavam quase totalmente cobertos de plantas musgosas.

Seguimos pelo Sendero Pantanoso, que tem cerca de quilómetro e meio e atravessa a Divisória Continental, inflectindo depois para noroeste. Tal como o próprio nome indica, o caminho passa por uma floresta pantanosa, onde por vezes precisámos de atravessar pequenas pontes de madeira sobre as zonas mais lamacentas. Neste percurso é possível observar magnólias e também podocarpus, a única conífera da Reserva, borboletas e libelinhas, e vários tipos de fungos, que é como quem diz cogumelos, que não tinham de todo o ar de serem comestíveis.

Desembocámos no trilho El Río, cujo percurso de também quase dois quilómetros segue ao longo do ribeiro a que dão o nome de Quebrada Cuecha. Já na segunda metade do caminho, um curto desvio levou-nos a uma queda de água, um local tranquilo e solarengo povoado por borboletas. A água desliza em socalcos entre a vegetação densa e forma uma pequena albufeira em tonalidades de azul petróleo, continuando depois o seu curso para leste. De regresso ao trilho, pudemos observar algumas sapotas (Pouteria sapota), árvores de fruto que podem atingir os 25 metros de altura e cuja seiva é um látex que já os índios centro-americanos usavam para mascar há muitos séculos atrás. Na Reserva, estas árvores chamam a atenção principalmente pelas suas enormes raízes em contraforte.

Completámos a circunferência de caminhos que rodeiam o parque cerca de quatro horas depois de termos entrado. E como é óbvio, a fome já se fazia sentir. Mas ainda queríamos percorrer outros trilhos, e por isso decidimos almoçar no snack-bar que existe à entrada da Reserva. Pegámos nos tabuleiros e instalámo-nos na varanda de madeira que dá para as traseiras, olhos postos no verde que nos rodeava. Quase no fim da refeição, reparámos num casal jovem que observava atentamente um ponto nas árvores. Apontaram-nos um pássaro verde que praticamente se confundia com as folhas, de tão longe que estava. Entrou em acção o fantástico zoom da nossa câmara fotográfica e conseguimos identificar um tucano esmeralda, cujo bico é menos avantajado do que o dos seus congéneres mas de igual modo inconfundível.

 

Reentrámos no parque e percorremos o trilho Wilford Guindon, que tem o nome de um dos fundadores da Reserva e termina numa ponte suspensa com 100 metros de comprimento construída em metal e pintada de vermelho, de onde mais uma vez nos foi oferecida uma belíssima panorâmica do copado de Monteverde. Regressámos pelo trilho El Camino onde, quase no fim do percurso, conseguimos fotografar um exemplar do nosso amigo “ferrugento” passeando calmamente atrás de uns arbustos.

 

Após quase seis horas de passeio na Reserva, o cansaço já pesava e decidimos dar por finda a visita. Não tivemos coragem para regressar a Santa Elena apelos nossos próprios meios, e lá embarcámos novamente no mesmo autocarro amarelo conduzido pelo mesmo motorista – pelos vistos o único a fazer aquele percurso ao longo de todo o dia, todos os dias.

 

Depois de um longo descanso, ao final tarde saímos para mais um passeio a pé pelos arredores de Santa Elena e algumas compras. Já fora da localidade, na estrada para a Reserva, descobrimos uma loja com objectos artesanais de qualidade, principalmente joalharia e bijutaria, onde comprámos várias ofertas. Atendeu-nos um simpático colombiano, músico nas horas vagas, com quem estivemos um bocado à conversa, trocando ideias sobre a Costa Rica e os nossos países de origem. Falámos sobretudo de música, mostrou-se conhecedor e apreciador dos Madredeus, e recomendou-nos uma etiqueta de música costa-riquenha de qualidade, a Papaya Music.

 

Para jantar elegemos La Pizzeria de Johnny, precisamente na mesma estrada e a cerca de 1 km de Santa Elena. E não poderíamos ter escolhido melhor. Ambiente agradável e informal, com paredes envidraçadas dando para um jardim tropical. O menu é italiano, como o nome indica, e o pessoal extremamente atencioso e rápido. Aconselharam-nos a provar sumo de “guanávano”, que é simplesmente o sumo mais delicioso que já bebi e que a partir daí ganhou lugar cativo nas minhas refeições, sempre que possível. Recentemente tentei saber qual será o nome que damos a esse fruto e creio que é graviola, mas ainda não provei o sumo para poder confirmar. A comida estava excelente, e todos estes factores contribuíram para que o jantar fosse um dos melhores de toda a nossa viagem.

 

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Diário de uma viagem à Costa Rica - dia 8